13 de Janeiro, 2025

ARGÉLIA | O massacre de 17 de outubro 1961 em Paris

ALG3

SEM FRONTEIRAS | 18 de outubro 2020 | ARGÉLIA | O fotojornalista Georges Azenstarck que documentou exaustivamente a vida dos pobres e dos trabalhadores em França foi também quem, na noite de 17 de outubro de 1961, presenciou o massacre no qual, sob as ordens de Maurice Papon, a polícia parisiense matou várias dezenas de argelinos, dos quais muitos foram lançados ao rio Sena.

O recente falecimento do discreto mas super eficaz fotógrafo da vida operária gaulesa levou-nos a recuperar apontamentos dessa reportagem do início dos anos sessenta para iniciar no SEM FRONTEIRAS uma abordagem às questões argelinas suscitadas pelo Encontro de Grenoble previsto para setembro passado e que acabou por ser adiado para 2021 devido à pandemia de Covid-19.

O ODTI – Observatório sobre as Descriminações e os Territórios Interculturais e a associação 4 ACG (Anciens Appelés en Algérie et leurs Ami(e)s Contre la Guerre em parceria com a AEP61-74 – Associação de Exilados Políticos Portugueses programaram uma realização em Grenoble para reviver os traços memoriais dos movimentos de resistência e seu papel histórico. O evento previa a realização de uma exposição baseada em fontes documentais e publicações disponíveis sobre o tema, a exibição de vídeos e de filmes contendo depoimentos de atores ainda vivos e ainda uma conferência com a participação de historiadores especializados.

Fotógrafo dos trabalhadores

Georges Azenstarck trabalhava para o jornal L’Humanité entre 1956 e 1968, morreu recentemente aos 85 anos, em Marselha. O nome dele era menos conhecido que Robert Doisneau ou Willy Ronis, de quem era próximo. Embora fosse repórter fotográfico as suas imagens circulavam pouco e não se encontram nos grandes bancos de imagens assinados pela media para ilustrar as reportagens. Mais do lado dos pobres e das oficinas da fábrica, fotografou também os trabalhadores em maio de 68. Colaborava com a imprensa sindical, e em particular um jornal como La Vie Ouvrière.


Como repórter, também documentou o que pode ser considerado como um grande buraco negro na história da França: o 17 de outubro de 1961. O seu trabalho naquela noite nas ruas de Paris foi decisivo para que hoje se conheça aquele trágico episódio. As suas fotos tiradas enquanto que um cordão humano de argelinos protestava contra recolher obrigatório às 20h que o prefeito Maurice Papon acabara de lhes impor doze dias antes, ajudaram a construir a memória dos acontecimentos. Em 1961, as instalações do L’Humanité ainda davam para os Grands Boulevards em Paris. A partir das varandas do jornal do terceiro andar, naquela noite, foi possível ter uma visão panorâmica da repressão que caía sobre a marcha dos argelinos, sobre as mulheres e crianças que foram afastadas enquanto que os homens continuam a marchar e eram baleados. Naquela noite várias dezenas de argelinos foram lançados ao Sena.

O Le Figaro anunciou 2 mortes na primeira página de seu 18 de outubro de 1961. O número oficial subiu para três mortes e muitos anos mais mais tarde, do lado da Frente Nacional, continuámos a ouvir que teriam sido sete argelinos ao todo a perder a vida -e que se suicidaram.

Como sacos de batatas

Quando François Hollande reconheceu a responsabilidade da República naquele massacre, cinquenta e um anos após os acontecimentos, os historiadores concordaram que a repressão sangrenta causou pelo menos mais de duzentas mortes.

Num vídeo, um outro fotógrafo descreveu a noite passada com o seu colega no “L’Huma”, recorda os cadáveres que viu da varanda do jornal, que se amontoavam na rua, à beira do Rex, “como sacos de batata ”. Descreveu ainda os argelinos que foram arrastados pela gola pela polícia, vivos ou mortos para os carros da força policial. O tiroteio era silencioso, Azenstarck desceu à rua e tentou fotografar um policia que, de balde de água na mão, tenta em vão limpar o sangue na calçada. Acabou por ser impedido de o fazer, naquele caso concreto.

Este capítulo da Guerra da Argélia, o massacre de argelinos em Paris, ainda não tem páginas na História com a dimensão proporcional à gravidade dos acontecimentos. Mas teremos que admitir que isso acabará por acontecer.

Fonte France Culture |  Crédits : Gamma Keystone – Getty | Foto de Georges Azenstarck Crédits : Pierre Trovel via Archives départementales de Seine-Saint-Denis