PUBLICAÇÕES | Os portugueses e a guerra de Espanha (I)
SEM FRONTEIRAS | 13 de março de 2021 | Revista Exils et migrations ibériques aux XXe et XXIe siécles
São quinze artigos que a Revista (título em português) “Exílios e Migrações Ibéricas nos séculos XX e XXI” divulga numa edição da Riveneuve com coordenação de Marie-Christine Volovitch-Tavares e Cristina Clímaco, com reflexões e narrativas que estabelecem um mosaico de abordagens ao tema central: os portugueses e a guerra civil de Espanha.
Os olhares dos quinze autores encontram-se projetados de forma resumida no final da publicação e nós, Sem Fronteiras, iremos dar nota dessas sínteses em próximos artigos, aceitando o convite de percorrer teses, investigações, memórias que nos interpelam no nosso hipotético patriotismo, iberismo ou internacionalismo.
Passado e presente
De permeio certamente que poderemos divagar por referências de um passado recente que facilmente associamos a acontecimentos atuais que nos recordam que há matéria estrutural nos comportamentos humanos. que acabam por vir ao de cima como que a confirmar o teorema de Arquimedes da hidrostática, aqui aplicado aos beligerantes em conflitos armados.
Seria o caso dos viriatos, mencionados como tropas que o regime de Salazar colocou à disposição dos golpistas da Falange para combater os republicanos, que encontram nos flechas da guerra colonial os seus pares históricos. Estes últimos recentemente recordados no plano mediático pelo escandaloso tratamento dado a Marcelino da Mata, depois da sua morte, por figuras públicas e do Estado, com os viriatos proporcionam uma leitura convergente sobre os modus operandi, apesar dos contextos históricos serem muito diferenciados.
Da mesma forma o tema dos refugiados ou exilados que se organizam em países de acolhimento para intervir ou até “conspirar” contra os regimes dos seus países de origem tem uma clara relação com as experiências dos desertores e exilados políticos durante a guerra colonial que beneficiaram, apesar da ação da PIDE, de um forte espírito de tolerância e agiram com abertura e eficácia nos seus propósitos oposicionistas. O paralelismo dos refugiados “do Estoril” ou da “Linha de Cascais” que na publicação nos são destacados por Cristina Clímaco de forma esclarecedora visa apenas reforçar a importância dos contextos externos para o sucesso de ações de oposição no exterior. Para além do mais esta tolerância e apoio do regime de Salazar aos refugiados espanhóis do Estoril surge aqui como mais um crime contra a liberdade e contra as opções do povo espanhol que aderiu maioritariamente à República e à Frente Popular. “A consequência imediata da vitória eleitoral da Frente Popular foi a chegada a Portugal de uma onda de refugiados da direita conservadora espanhola. Assim, Estoril, uma cidade perto de Lisboa onde o General Sanjurjo se instalou em 1934, torna-se um centro dinâmico de conspiração. O governo português e a polícia política não procuram impedir a actividade no seu território dos exilados espanhóis, que conspiram como entendem contra a Segunda República” escreveu a autora do enquadramento temático da Revista na sua nota de abertura “Portugal e a Guerra de Espanha: contextualização.”
Apresentação
De uma forma genérica a Revista pretende fornecer elementos de reflexão e divulgar os resultados de processos de investigação recentes, mas deseja ainda homenagear os protagonistas, de ambos os lados da fronteira, de um conflito e de uma guerra cujas consequências foram a morte, o exílio, a deportação para campos de concentração e outras barbaridades que os franquistas e os seus cúmplices impuseram aos combatentes pela República e pela liberdade.
“Portugal foi o país europeu mais afetado pela Guerra Civil Espanhola devido ao seu regime político antiparlamentar e antidemocrático, profundamente hostil à Segunda República Espanhola e devido também à sua forte comunidade de imigrantes no país vizinho.
O apoio de Salazar foi decisivo para o sucesso do levantamento nacionalista, um comprometimento que continuou nos bastidores durante os anos de guerra enquanto que a oposição portuguesa, e os exilados em particular, se envolviam na defesa da Espanha Republicana e para além disso na luta antifascista. A massa de imigrantes portugueses em Espanha teve que escolher um dos lados. Tal e qual os espanhóis, eles vivenciaram a integração ou no exército nacionalista ou no republicanos, o êxodo para França, o aprisionamento em campos franceses, o retorno de alguns a Espanha e o encarceramento em campos franquistas, trabalharam nas Compagnies de Travailleurs, a pressão francesa pelo alistamento na Legião Estrangeira, a deportação para campos de concentração do Terceiro Reich, ou até a participação na Resistência. Destino partilhado com os republicanos espanhóis, os portugueses foram duplamente derrotados: pela história e pela memória. Este livro pretende homenageá-los”.
Fronteira que une e que separa
Este trabalho coletivo também preenche um vazio gritante.
Como Marie-Christine Volovitch-Tavares e Cristina Clímaco indicam na sua apresentação, trata-se de explorar “uma parte que se ignorou durante muito tempo ou da qual muito pouco se conheceu, desta guerra que mostrou o estreito entrelaçamento da história espanhola e da portuguesa nos dois lados de uma fronteira que une tanto quanto separa.
Foi preciso esperar vários anos e só depois do fim das duas ditaduras (o Estado Novo em 1974 e o franquismo em 1975), a investigação histórica, tanto do lado português como do lado espanhol, se concentrou nesta vertente da Guerra Civil Espanhola, incentivando pesquisas que se cruzam e se complementam.
Os textos que apresentamos destacam a participação dos portugueses na Guerra Civil Espanhola bem como a importância e complexidade do envolvimento de Portugal e dos portugueses nessa guerra e sublinham o quanto este conflito armado foi desde os seus primórdios um confronto ibérico, ao mesmo tempo político, ideológico e sob certos ângulos, militar, para além dos confrontos especificamente levados a efeito num único território, o espanhol.
A pesquisa histórica, como os relatos memoriais que apresentamos, destacam o estreito entrelaçamento dos desafios para os dois países e para as suas populações nos anos 1936-1939, mas também nos anos anteriores e seguintes”.
Aviadores franquistas forçados a aterrar e feitos prisioneiros
Dados da Revista apresentada:
- LES PORTUGAIS ET LA GUERRE D’ESPAGNE .
- Engagement militant, solidarités et mémoires
- Riveneuve continents N° 29-30
- Exils et migrations ibériques au XXe siècle
- Nouvelle série N° 11-12
- Editeur : Riveneuve