Agitprop (6)
REVISITAR EXPERIÊNCIAS | O Teatro e o combate à extrema-direita (6)
Do Breve Dicionário do Teatro de Intervenção do Século XX da Eva Ribeiro retirámos um segundo excerto que se relaciona diretamente com o tema central do debate “O teatro e o combate à extrema-direita” porque as questões que se colocam prendem-se com fazer O QUÊ e ainda com o fazer COMO. Revisitar experiências do passado e recuperar alguns conceitos-chave sobre a matéria pode ajudar a construir respostas para os tempos de hoje que, em última análise, é o que se pretende concretizar.
por Eva Ribeiro, produtora, pedagoga e artista
Agit-prop é uma forma de expressão artística de carácter militante, com o objectivo de mobilizar emocional e ideologicamente os públicos no sentido de agirem em relação a uma situação social que exige uma urgente resolução. A agit-prop tem antepassados distantes: o teatro barroco jesuítico, o auto-sacramental espanhol ou português já continham, por exemplo, exortações à acção. (Pavis, 2003: 379) No entanto, diz-nos Pavis, a agit-prop é muito mais radical na sua vontade em servir de instrumento político para uma ideologia, esteja ela na oposição (na Alemanha ou nos Estados Unidos) ou seja, directamente propagada pelo poder instalado (Rússia dos anos vinte).
Patrice Pavis, citado Cuaescena
Este ideologia situa-se nitidamente à esquerda: crítica da dominação burguesa, iniciação ao marxismo, tentativa de promover uma sociedade socialista ou comunista. A principal contradição deste movimento crítico é que ora está ao serviço de uma linha política que lhe cabe fazer triunfar (como na Alemanha), ora à mercê de directivas vindas do topo da hierarquia que a agitação precisa fazer repercutir e ajudar a triunfar (na URSS).
Definindo-se como uma forma de expressão artística de carácter militante, com o objectivo de mobilizar emocionalmente os públicos no sentido de agirem em relação a uma situação social que exige uma urgente resolução.
Rússia
Os exemplos de Agit-prop analisados e discutidos por Cohen-Cruz passam pela referência ao contexto social da Rússia pós-revolucionária, em que que é realçado o papel social de apropriação artística do espaço público urbano, com vista a servir objectivos políticos.
China, Teatro Vermelho
Por outro lado, é também feita referência ao contexto da China revolucionária dos anos 30 e 40, com as suas apresentações performativas ao ar livre, organizadas por clubes dramáticos (do Teatro Vermelho), que assumiam o carácter de espectáculos de variedades onde os temas centrais eram o anti-niponismo e a revolução chinesa.
Índia, classe operária
O contexto indiano é também aqui abordado através da apresentação do teatro de rua indiano (referenciado como fenómeno do século XX), no qual a classe operária é a principal protagonista na militância política dos trabalhadores subjugados à exploração capitalista e feudal.
EUA, ACT UP
O contexto americano oferece igualmente referência com a feminist media art (no contexto dos movimentos feministas dos anos 70 na Califórnia) e a dramatização das questões relacionadas com a sida, por parte do grupo ACT UP, nos anos 90.
EX-JUGOSLÁVIA, espaço urbano
É igualmente dado realce à performance de rua radical nos anos 90 na ex-Jugoslávia, contextualizando-a no teatro de rua político, que no final dos anos 70, se apresentou como o único movimento de oposição ao sistema unipartidário. Durante esta altura, as massas foram consideradas as heroínas activas do espaço público. Entre os finais dos anos 70 e início dos anos 80, o espaço urbano era usado arquitectonicamente, assim como as diversas formas de agitação das massas através da arte, para reforçar a ideologia política.
Algumas dessas manifestações que exprimiam um eco directo dos contextos revolucionários relacionaram-se com a apresentação de posters políticos, de trabalhos gráficos em jornais e revistas, de performance poéticas de carácter épico, de ajuntamentos teatrais de rua de cariz democrático, de dramatização de massas, de pinturas murais e de incursões na decoração das ruas.
Porém, como salienta Pavis, a partir do momento em que a sua mensagem “foi passada”, a agit-prop tende a torna-se repetitiva; o seu esquematismo e o seu maniqueísmo indispõem o público ou fazem-no sorrir, em vez de o ajudar a “progredir” ideologicamente.
É para evitar este obstáculo que as novas formas (teatro de guerrilha, criações colectivas de grupos como o Teatro Campesino, a San Francisco Mime Troupe, o Bread and Puppet, o Aquarium, o Teatro Oprimido de Boal e o teatro de intervenção surgido em 1968) se esforçam para não parecer esquemáticos demais e para cuidar da apresentação artística do seu discurso político radical.
«Talvez eles tenham compreendido que o discurso político mais exacto e mais “ardoroso” não poderia convencer, num palco ou numa praça pública, se os actores não levassem em conta a dimensão estética e forma do texto e de sua apresentação cénica.» (Pavis, 2003: 380)
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