O Maneta e a denúncia da exploração desenfreada (9)
REVISITAR EXPERIÊNCIAS | O Teatro e o combate à extrema-direita (9)
Teatro de Gentilly (2) – O Maneta e outras atividades teatrais
Estávamos no início dos anos 70 na Associação dos Portugueses de Gentilly-Arcuei. O grupo de interessados em concretizar um projeto de teatro na associação ainda assim era numeroso. Podemos realizar uma categorização sociológica em termos simplistas nos seguintes termos: as raparigas da Covilhá ligadas aos meios fabris e a experiências de vida urbano-rurais; os rapazes da Póvoa com tradições piscatórias nos seus antecedentes culturais e profissionais e todos ligados ao futebol; os sulistas com ribatejanos e oestinos à mistura e finalmente os “integrados” ou meio-franceses ou franceses com olhares culturais mais globais, mas também menos ligados à realidade portuguesa daqueles tempos.
Na primeira reunião, com a coordenação sensível e cautelosa do Cândido Ferreira, decidimos realizar uma peça escrita pelo nosso próprio punho e levá-la à cena, na associação, num dia de festa. A opção recaiu sobre a história de um patrão da Covilhã, de uma fábrica de lanifícios, que era “maneta” por razões associadas à ganância e ao seu incorrigível espírito de explorador.
O método do Teatro Operário
Foi necessário recuperar elementos da história junto de familiares e decidir se o final da narrativa deveria estar em conformidade com o que realmente aconteceu ou se seria razoável introduzir elementos de combatividade e de mensagem política, a outro nível, passando a abordagem teatral para o campo da agitprop.
A peça em si contava a história dos roubos noturnos que o filho de patrão realizava no cofre da empresa e relatava a agressão de que foi vítima infligida pelo próprio pai, que desconhecendo a identidade do ladrão acabou por o incapacitar, num dos braços, para.o resto da vida.
O tema serviu de ponto de partida para denunciar a exploração nas fábricas de lanifícios na Beira Interior e apontar as dificuldades de organização de atividades de resistência e de oposição quando relação entre o mundo fabril e as origens rurais dos seus principais protagonistas é muito significativa.
A peça termina com um fervoroso apelo à participação nas ações do 1º de maio e articula-se com atividades musicais em torno de uma canção trabalhada com o apoio do grupo os “Camaradas” denominada “Já o meu pai me dizia”.
O grupo de teatro passou a ser solicitado para atuações em festas e iniciativas de outras associações e uma das suas características era a versatilidade já que, para além da peça o Maneta, dispunha de uma núcleo de atores que colocava em palco outras peças como O Soldado e o 18 de Janeiro do Teatro Operário de Paris.
No final das atuações promovia-se o debate e incentiva-se à organização de grupos de teatro nos clubes e nas associações.
Carlos Ribeiro | Dinamizador do Teatro de Gentilly com o apoio insubstituível do Cândido Ferreira e com a participação de inúmeros amigos, familiares e camaradas.