Meio sol amarelo
LIVROS SEM FRONTEIRAS | Meio sol amarelo | Chimamanda Ngozi Adichie
por Paula Barros*
O livro “Meio sol amarelo” é o segundo livro da carreira de Chimamanda Ngozi Adichie e o seu título uma homenagem à bandeira do Biafra, que viveu um período de autoproclamada independência da Nigéria, entre 1967 e 1970. Esta decisão, muito motivada pela intenção de controle do Delta do Níger (região rica em recursos naturais, como petróleo) dividiu parceiros internacionais e esteve na origem da Guerra do Biafra – ou Guerra Civil Nigeriana -.
A Nigéria vivia então os primeiros tempos da sua independência (tornou-se independente do Reino Unido em 1960), conhecendo já uma significativa instabilidade política e económica. Por outro lado, era um país cuja diversidade étnica não era traduzida na composição do governo, provocando tensões culturais, étnicas e religiosas.
O mundo ficou calado quando morremos
Em 1970 o Biafra é reincorporado na Nigéria e os principais líderes separatistas perdoados. Esta guerra provocou a morte de entre 500 000 e 2 milhões de civis da região do Biafra, devido à falta de comida provocada pelo cerco que o território sofreu pelo Governo da Nigéria.
É este o pano de fundo das histórias cruzadas dos personagens principais, de que se destaca Ugwu, empregado de um jovem Professor universitário que planeia uma revolução, cujo crescimento seguimos. Acompanhamos também a evolução dos sentimentos de outras personagens, nomeadamente duas irmãs gémeas Kainene e Olanna e um expatriado britânico, as suas lealdades e vivências em tempos de transformação abrupta da realidade, de instabilidade, escassez e barbárie. É disso exemplo a evolução de Kainene, uma mulher forte e independente, que gere o negócio do pai e começa por beneficiar com a guerra, para depois se transformar e dirigir um campo de refugiados. Como também o são as discussões sobre polícia e identidade pós-colonial em casa do Professor Odenigbo, que defende a tribo como a unidade ideal para os africanos, enquanto alguns dos seus convidados salientam a necessidade de pan-africanismo ou nacionalismo. Ou a crítica ao posicionamento dos jornais ocidentais durante aqueles anos. São de Ugwu as palavras “O mundo ficou calado quando morremos”.
A tua vida pertence-te a ti e só a ti
Não sendo um romance tipicamente feminista, há também aqui uma passagem significativa na tomada de consciência sobre os Direitos Humanos das Mulheres, quando a tia Ifeka diz à gémea Olanna: “Nunca te deves comportar como se a tua vida pertencesse a um homem. A tua vida pertence-te a ti e só a ti”.
A obra ganhou o Orange Prize na categoria de ficção em 2007 e foi incluído na lista do The New York Times′s “100 Most Notable Books of the Year”. Foi adaptado a filme em 2013.
Por último, “Meio sol amarelo” contribui igualmente, para acabar com “o perigo de uma única história”, que limita a perceção do mundo, derrotando estereótipos, criando novas referências, tornando conhecidos perfis, história(s) e lugares que não sejam só ocidentais, tema muito querido à autora. Porque nem todas/os comemos maçãs!
O perigo de uma única história
Chimamanda Ngozi Adichie é uma feminista e escritora negeriana, nascida em Enugu em 1977. É também muito (re)conhecida pelos seus discursos poderosos, nomeadamente The Danger of A Single Story, numa TED Talk, em 2009, e o We Should All Be Feminists, que se transformou em livro em 2014.
Chimamanda Ngozi Adichie é atualmente uma das maiores vozes da literatura africana, suas obras já foram traduzidas para mais de trinta idiomas.
“Quando rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre um lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso.” Chimamanda Ngozi Adichie
Paula Barros | Coordenadora de Programas de Educação e Parcerias – Escritório da OEI em Portugal – Organização de Estados Iberoamericanos