5 de Dezembro, 2024

Desertores e refratários foram desencorajados na sua opção de se exilarem em França

MEMÓRIAS VIVAS| Artigo do OBS indicado por Manuel Tavares | Paris

Dos arquivos do Obs, anteriormente denominado Nouvel Observateur, são retirados semanalmente artigos que transmitem os conteúdos que eram divulgados há meio século atrás. No caso desta semana, um artigo republicado no domingo dia 13 de março, traz o legítimo questionamento da verdadeira faceta de um país como a França, cuja imagem internacional associava-se ao seu empenho no acolhimento de refugiados, mas que no caso dos jovens portugueses desertores ou refratários não se confirmava nem de perto nem de longe,

França, terra de asilo relutante para “desertores” portugueses em 1972

Em 1972, Portugal estava sob o jugo de um regime autoritário estabelecido em 1926 e há muito liderado por Salazar, que duraria mais dois anos, até à Revolução dos Cravos. Este regime, instalado há meio século, lidera desde 1961, e até à sua queda em 1974, guerras coloniais em África, nomeadamente na Guiné, Angola e Moçambique. Estes conflitos teriam matado 100.000 civis africanos, 9.000 soldados e 5.000 civis portugueses. Para não ter de ir à guerra, os jovens portugueses fugiram do seu país, relata o artigo do “Nouvel Obs” republicado abaixo: 70.000 entre 1960 e 1970. Mas um acordo celebrado entre França e Portugal endureceu as condições de permanência dos recém-chegados , para desencorajá-los.

“Le Nouvel Observateur” n° 385 de segunda-feira, 27 de março de 1972

A França ainda é uma “terra de asilo” para refugiados políticos. Mas preferimos desencorajá-los a virem-se instalara para cá.

Por Jean Geoffrey

Disseram-lhes que a França era uma terra de asilo e eles acreditaram. Porque não queriam ir à guerra em Moçambique, um designer industrial e um trabalhador de escritório português deixaram o seu país para França no início de março. A isto chama-se deserção e é punível em Portugal com cinco anos de prisão, mais oito anos de serviço militar sob acção disciplinar.

Até agora, jovens portugueses que fugiam do serviço militar, ou mais precisamente das guerras coloniais na África negra, podiam encontrar refúgio em França, onde se misturavam à massa de imigrantes. Bastava apresentar um documento de identidade e, em troca de quarenta francos, obtinham o recibo do pedido de autorização de residência. O M.O.E. (Trabalho estrangeiro), registrado no papel, dava-lhes o direito de procurar trabalho.

Desde a última terça-feira, acabou. O desenhador industrial e o trabalhador de escritório receberam uma autorização de residência temporária: não lhes permite ganhar a vida antes de o Ministro do Interior se pronunciar sobre o seu caso, ou seja, nunca antes de três ou quatro meses. Enquanto isso, eles não estão proibidos de ficar, podem circular e movimentarem-se no espaço público. Mas sem dinheiro. Assim, depois de desembarcar na La Cimade, uma organização de ajuda a refugiados políticos e imigrantes, revelam a sua desilusão e interrogam-se se a França ainda é o país dos direitos humanos.

Refratários e desertores

Entre 1960 e 1970, cerca de 70.000 portugueses em idade militar entraram em França. A maioria eram refratários ou desertores. Este é, obviamente, um grande problema para Portugal. E, para estancar esse sangramento, assinou um acordo com o governo francês no ano passado. Oficialmente, tratou-se de regularizar as condições de imigração. Na verdade, o objetivo foi travar as deserções e insubordinações que para além de enfraquecem o exército português, extremamente ocupado em manter Angola e Moçambique e, ameaçam, a longo prazo, a economia do país.

A partir de agora, os jovens portugueses terão mais dificuldades para se exilar em França. Especialmente porque, para obter o estatuto de refugiado político, não basta recusar o uniforme, é preciso justificar as atividades políticas.

“Na lei”, diz Manuel Bridier, presidente do Centro Socialista de Estudos e Documentação sobre Problemas do Terceiro Mundo, “a França sempre respeitou a sua tradição de estar aberta aos refugiados políticos. Mas aqui está, este estatuto é muito mais difícil de adquirir. E para além do mais, quando um estrangeiro o tem e passa a integrar a aristocracia da imigração, deve renunciar a toda atividade política. Ele tem, em todo caso, a garantia de que não será expulso para o país de onde vem.

Os portugueses “irregulares” não o têm. Alguns, aliás, foram, nas últimas semanas, entregues às autoridades espanholas, que os entregaram à polícia portuguesa. “A França continua sendo um refúgio para todos os exilados”, dizem eles no Ministério do Interior. Quando os estrangeiros nos criam dificuldades e não é possível enviá-los de volta ao seu país de origem, atribuímos-lhes residência nas províncias. É, obviamente, uma medida restritiva da liberdade, mas não infringe seus direitos fundamentais”.

Uma túnica à Mao

“A França, terra de liberdade para estrangeiros, é um mito”, responde o advogado Jean-Jacques de Felice. A lei não apenas os protege insuficientemente, mas também não permite que sejam defendidos. Todo estrangeiro está, de fato, à mercê de Raymond Marcelin [o Ministro do Interior]. Imigrantes sem documentos podem ser recambiados para o seu país pelo prefeito. Se estiver numa situação legal, mas se participar numa reunião política ou se furtar ovos, será levado a uma comissão cujo parecer é meramente consultivo. É o Ministro do Interior que decide em última instância, mas as coisas podem arrastar-se por muito tempo. Ele ainda pode, se estiver com pressa, recorrer ao “procedimento de emergência” e expulsar imediatamente o estrangeiro. Sem motivo. Se o imigrante é expatriado, é simplesmente porque “não está autorizado pelo Ministro do Interior a residir na França”, como diz a Circular Ministerial 1525. o retorno às boas e velhas cartas de cachê.

Como é, então, que Raymond Marcellin hesita em usar um procedimento aparentemente conveniente agora? Porque é que é que depois de ter expulsado tanto depois de maio de 1968, ele expulsa menos hoje? É que cada decisão provoca controvérsia e que muitas vezes é posta em causa. A expulsão de Thomas Schwaetzer, cientista americano – culpado entre outras coisas, segundo o ministro, de ter usado uma “jaqueta de Mao” durante sua defesa de tese – foi finalmente cancelada.

A de Laurette Fonseca, representante portuguesa – tendo tido “uma actividade susceptível de perturbar a ordem pública” – foi noticiada. Existem outros exemplos. E o ministro do Interior não quer correr o risco de ter de expulsar, um dia, os jovens portugueses para responder às exigências de Lisboa. Ele prefere, o que dá no mesmo, desencorajá-los a se estabelecerem em França.

JEAN GEOFFROY

Imagens Sem Fronteiras / Tradução livre CR/SF

Editor

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