Uma brigada da PIDE irrompeu às 5:00 da manhã pela porta da minha casa e levou-me para a António Maria Cardoso
No passado dia 21 de Janeiro, no Museu do Aljube, foi evocada a resistência dos estudantes contra a ditadura
Grupo de participantes na sessão do Museu do Aljube
Tratou-se de uma conversa com a participação de antigos estudantes e com os historiadores Luís Farinha e Luísa Tiago de Oliveira. José Augusto Martins, um dos jovens presos na vaga de 1964 e 1965 relata-nos a sessão e os pormenores do seu envolvimento na situação debatida pelos participantes. SF
Tive pela primeira vez informação na página do Sem Fronteiras e posteriormente na do Museu do Aljube sobre o Encontro que iria acontecer a 21 de janeiro 2023, sobre a prisão de uma série de estudantes, há 58 anos, no dia 21 de janeiro de 1965.
Fui ver a minha ficha da PIDE que tinha em arquivo para verificar a data na qual tinha sido preso, também nesse ano, e constatei que era a mesma, 21 de janeiro de 1965. Uma brigada da PIDE, chefiada pelo Inspector Gouveia, reconhecido pela minha mãe Casimira, irrompeu às 5:00 da manhã pela porta da minha casa à minha procura e me levou para a rua António Maria Cardoso em Lisboa.
Definitivamente tinha que assistir a esse encontro.
A detenção e a prisão
No espaço de tempo em que fiquei confinado na sede da PIDE apercebi-me que muitos outros companheiros tinham sido igualmente presos, incluindo alguns menores como é o caso do Mário Joel, José Alberto Caeiro, Joaquim Vital e Manuela (ou Ana?) Louro.
Como os menores (a Manuela e eu) que tinham menos de 16 anos eram inimputáveis criminalmente, a Manuela foi libertada rapidamente e no meu caso, talvez por ter sido apanhado com muita imprensa clandestina do PCP e da FAP ou talvez pelos antecedentes familiares que tinha, fui encaminhado para o Tribunal de Menores.
Fiquei na PIDE durante uma noite até à manhã do dia seguinte, tendo o juiz me entregue ao Centro de Observação de Menores de Lisboa, mais conhecido por Tutoria da Infância, na Rua da Bela Vista à Graça, onde fiquei preso durante cerca de 3 meses, sendo objecto de uma campanha internacional, particularmente em França, para a minha libertação.
Esta detenção foi feita no âmbito de uma operação policial que abrangeu naquele dia a prisão de várias dezenas de estudantes universitários e do secundário, ligados às Associações de Estudantes e ao Partido Comunista Português, na sequência da denúncia feita por um seu funcionário clandestino, Nuno Álvares Pereira que controlava o setor estudantil de Lisboa daquele partido.
A sessão no Museu do Aljube
Com a coordenação de Artur Pinto, antigo estudante de direito e dirigente associativo, também preso naquela data, foi organizada a presente sessão comemorativa daquele dia, em que participaram igualmente os historiadores Luís Manuel Farinha e Luísa Tiago de Oliveira.
Luís Farinha mencionou a importância dos anos anteriores àquela prisão nomeadamente 1963 e 1964 em que os estudantes se politizaram fortemente influenciados nomeadamente pelo movimento geral de de liberalização a nível internacional, traduzido por exemplo na canção de Bob Dylan “The Times they Are A-Changin’”, com o conflito sino-soviético, o início da guerra no Vietname e das guerras coloniais portuguesas que surgiram em Angola Guiné-Bissau e Moçambique que fez com que a atuação dos estudantes universitários e do secundário passassem a ser muito mais de intervenção política contra a guerra colonial e a ditadura.
Luísa Tiago de Oliveira falou sobre a intensificação da repressão, das prisões da tortura que caracteriza esta época, referindo por exemplo que Nuno Álvares Pereira entregou à PIDE cerca de 500 nomes de ativistas ou simpatizantes do PCP dando origem em diferentes momentos a cerca de 100 prisões bem como a onda de solidariedade em Portugal e no estrangeiro.
As intervenções e as experiências dos presentes
Na sequência da intervenção dos dois historiadores, vários dos presentes intervieram mencionando as suas experiências pessoais entre outros Crisóstomo Teixeira, Alberto, José Marcolino, Carlos Marum, Jorge Araújo, José Veloso, Luísa, João Andrade Santos, António Redol, Mário Lino, Manuel, Isabel do Carmo e eu próprio em que sublinhei a importância da ação política nomeadamente no secundário em que referi várias ações de propaganda como a distribuição de panfletos contra a guerra colonial a partir do elevador de Santa Justa em Lisboa e à porta do Liceu Pedro Nunes onde estudava, tendo também uma vez entrado à noite na escola através de um portão lateral e feito uma série de inscrições contra o fascismo e a guerra colonial nas paredes dos pátios e das próprias salas de aula.
por José Augusto Martins, membro da direção da AEP61/74 – Associação de Exilados Políticos Portugueses