Doutoramento Honoris Causa de Maria Emília Brederode Santos
É esta elegância que a torna uma observadora e uma estudiosa exímia dos comportamentos e que fazem dela a pessoa que é
Por Amélia Resende
Convidados a comemorar, marcámos presença naquela manhã de 26 de Fevereiro. Foram duas salas repletas, nas instalações do ISPA Instituto Superior de Psicologia Aplicada), em Lisboa, que acolheram a sessão do Doutoramento Honoris Causa de Maria Emília. Estiveram presentes os seus netos, filhos, familiares, amigos, personalidades de ordem vária, colaboradores e colegas de áreas diversas e finalmente professores e alunos da instituição anfitriã,
O professor catedrático José Ornelas fez a apresentação da biografia e do currículo da candidata de forma completa e exaustiva. Fomos acompanhando o seu percurso desde as origens familiares, infância, colégios até à sua primeira experiência aos 16 anos, como aluna “Erasmus”, ao frequentar durante um ano uma Escola Secundária na Califórnia.
Integrada numa família americana, teve uma vivência que despertou nela reflexões pertinentes relativas tanto à vida e à cultura dos Estados Unidos como ao tipo de ensino e formas de aprendizagem. Terá sido nesse primeiro confronto que eventualmente a paixão pela educação se declarou. Mas ela também impressionou. Frequentando uma aula de “Creative Writing”, hoje muito em voga, mas na altura de carácter completamente inovador, cedo se distinguiu ao elaborar uma composição que relatava em testemunho directo a chegada de Humberto Delgado à estação de Santa Apolónia em Lisboa, no período eleitoral de 58. Pela primeira vez assistiu a uma carga policial que reprimiu a multidão que se acotovelava na fuga. Fixou-se, na ocasião, na imagem de uma figura ensanguentada a ser retirada em braços. Este trabalho impressionou de tal modo colegas e professora que esta acabou por levar Maria Emília, a seu pedido, a encontrar- se com um senador americano da família dos Kennedy e a obter autorização para visitar o Senado.
Relato este episódio, entre tantos outros a que podia fazer referência, para dar destaque à personalidade desta jovem aluna.
Há uma natural curiosidade e convivialidade, há um forte espírito de observação, há uma sensibilidade para as questões da cidadania e da política herdadas do seu meio familiar, de cariz republicano.
De regresso a Lisboa, prosseguiu os seus estudos, entra na Faculdade de Direito e depois de Letras, onde concluiu a licenciatura em Filologia Germânica e se envolveu nas lutas estudantis de 62. Aí conheceu muitos dos seus companheiros, entre os quais José Medeiros Ferreira.
Vai para Inglaterra e mais tarde acompanha-lo-à, no seu exílio em Genebra. É nesta cidade que o estudo e a investigação sobre os temas da educação se aprofundam, tirando um curso de Ciências da Educação. É este mundo que lhe traz Piaget, que a leva a traduzir e trabalhar com Paulo Freire e que a põe em contacto com as maiores referências na área e com as tendências mais progressistas da pedagogia moderna.
Datam desse momento também as viagens a Lisboa para apoiar a família e visitar um dos seus irmãos em Peniche, como para marcar presença, em 1973, no Congresso de Aveiro e representar Medeiros Ferreira. Já depois de 74, regressa a Portugal, publicando ao longo dos anos várias obras e realizando um sem número de programas de televisão, tornando a educação acessível a muitos que até ali dela estavam excluídos.
Não vou aqui enumerar nem os títulos das obras, nem os nomes dos programas de televisão, nem os vários prémios que foi recebendo e a que todos poderão ter acesso numa consulta na internet, mas ninguém destas gerações fica indiferente aos nomes de Rua Sésamo, Jardim da Celeste, Aqui há Gato – programas de grande impacto e de grandes audiências.
E a importância do seu trabalho prossegue ao longo de um currículo notável, com a sua passagem pelo Instituto de Tecnologia Educativa com a prossecução dos seus trabalhos de investigação nas várias áreas que cobrem desde disciplinas de Cidadania, passando pelos Direitos Humanos até à área de Projecto, de que várias gerações de alunos e professores beneficiaram como boas práticas.
Convém dizer que deixo de fora certamente muitos aspectos relevantes do seu trabalho, que aqui não são possíveis de detalhar, mas concluo esta primeira parte com a informação de que o topo da sua carreira académica culmina na presidência do Conselho Nacional de Educação.
Na fase seguinte da sessão foi a própria Maria Emília que fez o seu proferimento começando por agradecer a presença de todos e de cada um e dedicar a sua comunicação à memória de José Medeiros Ferreira. Partilhou connosco a visão que tem do seu percurso pessoal e académico. E é aí que a explicação que fornece para o seu sucesso e realização nos dá uma parte da chave da sua personalidade. É ao factor sorte que acha dever os seus êxitos. O facto de ter nascido numa família republicana com fortes raízes éticas, num meio culto e oposicionista proporcionou- lhe um ponto de partida inigualável. Foi nessa fonte que foi beber a sua auto- estima, que alavancou energia e confiança para todo o seu percurso de vida.
Foi esta postura de sobriedade, diria mesmo de humildade, que eu pude conhecer ao longo dos dois anos de pandemia em que juntas (um grupo de 7 mulheres) nos dedicámos à aventura da narrativa das nossas vidas a propósito dos exílios. Esta sobriedade surge em evidente contraste com a exposição que foi feita da sua pessoa, nesta sessão. Na proximidade, Maria Emília nunca trouxe para a ribalta a sua meritória intervenção cívica, nem o seu papel relevante como referência superior ao nível da educação.
Penso que é esta elegância, esta sensibilidade que a torna uma observadora e estudiosa exímia dos comportamentos e que fazem dela a pessoa que é.
Depois de fazer um balanço da educação nestes 50 anos, agora que comemoramos o 25 de Abril, salientando o alargamento a quase 90 por cento da rede do pré- primário e da progressiva diminuição da taxa de abandono escolar e de salientar a importância da educação e da Escola no combate ao obscurantismo e ao populismo. Maria Emília, visivelmente emocionada, dirigiu- se aos netos ali presentes e exortou-os a contribuírem com a sua parte para um mundo melhor. Um legado para as novas gerações, começando com os mais próximos. Os de casa.
Rica esta sessão sob todos os aspectos. Como há pessoas que dão tanto sentido às suas vidas.
Como a Liberdade, o pensar no colectivo nos abrem tantos mundos. Nos tornam a todos melhores.
Obrigada Maria Emília.
Fotografias © Carlos Pereira Martins
Texto, Amélia Resende