EXÍLIOS NO FEMININO – Afinal que livro é este?
Opiniões, protagonistas e roteiro das apresentações públicas (2) As sete mulheres do mundo
O que dizem do livro?
A opinião de Aurora Rodrigues (n.1952)
Magistrada do Ministério Público em Évora, Aurora Rodrigues, ex-militante do MRPP, foi um dos muitos presos por delito de opinião no tempo da ditadura. Submetida, em sucessivos longos períodos, à tortura do sono, terá sido dos estudantes mais brutalmente torturados pelo regime fascista. A sua coragem e o seu desassombro fizeram-na, certamente, surgir aos olhos da ditadura e da polícia política como uma provocadora, tal a sua capacidade de afrontar os torturadores e de resistir à violência e à brutalidade com que foi tratada.
Recebi o livro e já li.
Faltam-me as palavras. Muito obrigada pelo convite, muito obrigada pela oferta do livro e sobretudo muito obrigada pela edição,
É uma Grande obra. Uma parte da história no feminino que faltava contar, uma lacuna que faltava preencher.
É de extrema relevância e digo-o como militante antifascista e como mulher. Sabia-se dos homens que partiram a salto e se exilaram, o que foram actos de coragem e de corgem por parte deles. Mas não se falou das mulheres que partiram e se exilaram por razões políticas, ou porque estavam na iminência de ser presas, ou porque não aguentavam o sufoco, ou porque acharam que também havia que lutar no exterior. O que foi sempre tabu e até hoje ninguém falou e elas falam, é a forma como o seu trabalho político foi subalternizado pelos camaradas, como foram transformadas em escriturárias e cozinheiras, mesmo quando não sabiam dactilografar ou cozinhar, donas de casa, sem casa na maior parte dos casos, e cuidadoras dos filhos. Maltratados. Eu também tive essa parte e não tive coragem de contar. O fascismo, na forma de machismo, não foi afastado dos partidos, quer do PCP, quer dos partidos M-L, incluindo aquele a que pertenci. Não tive coragem de contar. O puritanismo. A moral sexual como forma de opressão das mulheres. A hipocrisia. Aguentei até ser capaz. Tenho muito a ver com essas mulheres , há tantas histórias comuns.
Muito obrigada.
Aurora Rodrigues
Estamos perante sete estórias de vida e de exílio similares às de milhares de jovens mulheres que abandonaram Portugal nos anos 60/70 do século passado em busca da liberdade. Mulheres que nos seus países de refúgio contribuíram ativamente para o 25 de Abril muitas com a sua militância política designadamente junto dos emigrantes portugueses quer tenha sido através da constituição de grupos de teatro, de campanhas de alfabetização, de estudos sobre a situação escolar dos filhos, da criação de bibliotecas ou da consciencialização das mulheres emigradas relativamente a temas como a violência doméstica, o planeamento familiar ou o aborto.
Sete estórias que ilustram a importância do exílio no desenvolvimento da consciência política, da militância e da preparação destas jovens mulheres que, regressadas a Portugal após o 25 de Abril, contribuíram de forma significativa pela sua acção concreta, na construção da democracia portuguesa em diversos domínios da nossa sociedade.
Fernanda Marques. Coordenadora do projeto Exílios no Feminino
FERNANDA OLIVEIRA MARQUES
Coordenadora do projeto Exílios no Feminino
Nascida em Lisboa em 1952
País de exílio Suécia
Vim ao mundo em Lisboa, casei-me aos 17 anos já com os olhos postos no “salto” que darei em Janeiro de 1971 com destino à Suécia, cidade de Malmo. É lá que cresço politicamente e abraço o marxismo-leninismo vivendo diariamente com o mar e a luz do meu país numa saudade de doer. Regresso a Portugal antes do 25 de Abril, em 1972, para desenvolver trabalho político clandestino de oposição ao Estado Novo. O 25 de Abril surpreende-me grávida do segundo filho maternidades a que se somariam mais três. A partir dessa data e até hoje irão suceder-se as lutas pelos direitos das mulheres, as lutas sindicais na Administração Pública, as manifestações, as greves. Regresso à faculdade com a conclusão do mestrado em história contemporânea só depois dos filhos crescidos.
HELENA CABEÇADAS
Nascida em Lisboa em 1947
País de exílio Bélgica
Nasci em Lisboa, filha de pais algarvios. Aos 8 anos fui para Moçambique, com o meu pai, engenheiro da Missão Geográfica de Moçambique. Aí confrontei-me com uma sociedade colonial racista, um apartheid disfarçado e mergulhei numa natureza sumptuosa e fascinante. Dois anos depois regressei a Portugal e tornei-me uma miúda rebelde, num liceu fascista, de regras rígidas e absurdas. Rapidamente aderi às lutas estudantis contra o regime de Salazar, acabando por ser expulsa de todas as escolas do país. Vi-me assim obrigada, aos 17 anos, a partir para o exílio, na Bélgica. Licenciei-me em Ciências Sociais e fiz uma pós-graduação em Psicossociologia na Universidade Livre de Bruxelas, prosseguindo com as minhas actividades antifascistas no estrangeiro. Regressei a Portugal após a revolução democrática do 25 de Abril
Creio que a adolescente rebelde que fui continua viva em mim, incitando-me a continuar a lutar por uma sociedade mais justa e mais fraterna.
BEATRIZ ABRANTES
Nascida em Lisboa em 1950
País de exílio França
Nasci em Lisboa em 1950 e com três anos, com a família, fui para Angola, terra do meu coração, onde tomei consciência do sistema colonial e tive os meus primeiros contactos com os movimentos de libertação e os patriotas angolanos. Problemas com a PIDE obrigaram-me a vir para Portugal, onde fiz uma passagem por Lisboa no caminho para Paris. Aí me exilei e tive contactos com um grupo marxista-leninista, passando a pertencer ao aparelho técnico do mesmo. Após o 25 de Abril regressei a Portugal e desenvolvi as minhas tarefas de militância sobretudo nos aparelhos técnicos. Entretanto tirei o curso do Magistério Primário e exerci a profissão até à idade da aposentação, tendo participado nas actividades sindicais da classe.
HELENA RATO
Nascida em Lisboa em 1944
País de exílio França, Argélia e Bélgica
Nasci no seio de uma família militantemente antifascista e cresci num ambiente de semiclandestinidade marcado pelo temor da sempre presente repressão pidesca afrontada com coragem e determinação por homens e mulheres que acreditavam ser possível construir-se uma sociedade mais justa. Esse foi o património humano que ditou o meu percurso de vida ao longo das diversas fases que atravessei e das frentes de combate em que participei, no exílio. Muitos foram combates singelos na luta pela sobrevivência, minha e de duas crianças nascidas no exílio. Noutros engrossei o colectivo em defesa de direitos humanos básicos contra as diversas formas de ditadura que fui encontrando, o racismo, a xenofobia, a opressão económica e social contra os pobres, as mulheres, os silenciados. De todos estes combates guardo no fundo do coração uma palavra mágica: a solidariedade!
AMÉLIA RESENDE
Nascida em Angola em 1947
País de exílio França
Gosto de movimento. Movimento de pensamento, movimento de justiça, movimento de arte/ sentimento. Somos a expressão de nós próprios espelhando o colectivo.
Nasci na Huíla, em Angola. Infância feliz ao ar livre, em espaços amplos.
Regressada a Portugal, as minhas balizas são a guerra colonial, a crise estudantil de 69 e o Maio de 68 francês, país onde me exilei durante uns tempos.
Liberdade e espírito crítico são fundamentais. Resistir uma urgência.
Viva Abril. O futuro será nosso.
MARIA EMÍLIA BREDERODE SANTOS
Nascida em Lisboa em 1942
País de exílio Suíça
Nasci nos anos 40 num país em ditadura – assombrado, sufocante, pobre, opressivo e triste.
Mas também numa família republicana, resistente, laica, afectuosa e aberta.
Aprendi a valorizar a diferença como factor de cidadania e de pensamento.
Acompanhando o exílio do meu futuro marido José Medeiros Ferreira, pude dedicar-me a estudar e a trabalhar no que queria: a Educação como forma de melhorar o mundo, a vida e o ser humano.
A Educação como caminho para a liberdade, a igualdade e a fraternidade foi a minha militância.
IRENE PIMENTEL
Nascida em Lisboa em 1950
País de exílio França
Sou uma mulher de 70 anos, que guardou muito da sua juventude, mesmo sem grande memória desta. Sem saudade, gosto do que fiz ao longo da vida, embora tenha a noção que por vezes defendi o indefensável e, por isso, fiz uma desejável travessia no deserto, pensando e contextualizando a minha actuação. Não tendo sido feliz enquanto jovem – será que algum o é? – regressei de vários exílios e encontrei o meu espaço, bem como momentos de felicidade. Procuro tender para distinguir o bem do mal e actuar em consequência. Sem falsa modéstia penso ser corajosa e combativa, mas muito teimosa.