15 de Janeiro, 2025
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Em França passou-se da incerteza à confusão generalizada 

A situação criada no período da viagem de Emanuel Macron a Washington, com iniciativas do ainda primeiro-ministro Attal visando uma autonomização do projeto do partido presidencial Renaissance da figura e dos objetivos do Chefe de Estado e as diversas movimentações no campo da esquerda, surge agora num misto de incerteza e de confusão generalizada. Importa destacar, neste campo político,  por um lado o Manifesto  para que a Nova Frente Popular não se automarginalize e que encontre pontes de diálogo com a frente republicana e, por outro, a constituição de uma nova força política, l´Après – Association pour une République Écologique et Sociale,  que reúne os dissidentes de LFI [France Insounise] que foram afastados das listas de candidatos por Mélanchon no processo eleitoral.   

Estas e outras movimentações estão a alimentar uma sensação de alguma inviabilidade de soluções governamentais negociadas, uma situação muito apreciada pela extrema-direita que espreita atrás da porta e faz cálculos sobre o melhor momento para começar a exigir ordem e uma solução estável para os franceses. 

As esquerdas unidas contra a extrema-direita

Apelo dos 70

Setenta intelectuais subscreveram um apelo para que a Nova Frente Popular inicie negociações com os republicanos. Os promotores da iniciativa declaram em introdução: 

“Domingo, 7 de Julho, na segunda volta das eleições legislativas, a grande maioria do povo francês opôs-se à União Nacional [Rassemblement National], jogando plenamente o jogo da frente republicana iniciada pela Nova Frente Popular (NFP). Estamos muito gratos à NFP por ter proposto tal frente, apesar das profundas divergências que a opunham à antiga maioria presidencial. Os resultados obtidos pela extrema-direita num número significativo de territórios mostram, no entanto, que a raiva e o desespero – no sentido literal do termo – de milhões dos nossos concidadãos continuam a ser profundos. 

O caminho racista e xenófobo escolhido para o expressar é um beco sem saída que conduziria o país ao desastre económico, social, ecológico e democrático. Devemos, por isso, conseguir implementar aqui e agora uma alternativa que impeça que a próxima vaga de extrema-direita seja ainda maior e consiga subjugar-nos. 

A 7 de Julho, os franceses fizeram dos deputados do NFP a principal força na Assembleia Nacional. No entanto, não deram nem uma maioria absoluta à NFP nem  um mandato para implementar todo o seu programa, como poderia ter acontecido noutros tempos. Num tal contexto, não é possível cometer o erro de que são acusados  Jacques Chirac em 2002 e Emmanuel Macron em 2017 e 2022 que, logo que foram eleitos, esqueceram os votos de esquerda que permitiram a sua eleição”. 

E nesta base adiantam que devem ser realizadas negociações com os republicanos de centro-direita e de direita para viabilizar uma reformulação das políticas públicas no  novo quadro de relação de forças que deve ser lido de forma fina tendo em conta as especificidades do processo eleitoral das últimas eleições. 

“A posição de principal força do NFP no seio da Assembleia Nacional confere-lhe uma particular responsabilidade de propor ao país os meios para sair do impasse em que se encontra devido à ausência de uma maioria clara no Parlamento. Parece-nos impossível que a França possa ficar permanentemente sem um verdadeiro governo legitimado pela Assembleia para preparar o orçamento do país para 2025 e iniciar a reorientação profunda das políticas públicas, essencial para repor a harmonia e (finalmente) fazer recuar a extrema-direita” adiantam. 

Ativistas procuram sentido à esquerda 

Muitos militantes “das esquerdas”, que alimentaram com entusiasmo esta nova dinâmica de convergência eleitoral que a NFP representou, questionam-se agora sobre alguns aspetos que condicionam um posicionamento claro na atual fase do debate público em França: 

1º A consciência que a votação obtida pela sigla NFP não representa, em termos absolutos, uma opção global de esquerda do eleitorado, mas antes uma clara rejeição da hipótese da extrema-direita aceder ao poder e governar e que os votos dos setores moderados ou até de direita republicana naquela Frente devem agora ser interpretados de forma justa e equilibrada; 

2º Os sinais antidemocrátivos no plano interno e de sectarismo no plano externo que o movimento que Mélanchon lidera, a France Insoumise, pode provocar uma rejeição global à presença de setores da esquerda radical nas soluções de governação e consequentemente facilitar a vida às teorias macronistas que promovem a ideia que tem que ser construída uma ampla frente de convergência em torno de questões essenciais para a ação governativa, frente que deve excluir as forças extremistas, no caso o Rassemblement National de Le Pen e Barbella e a França Insoumise de Jean-Luc Mélanchon; 

3º O facto da France Insoumise ser uma força política que tem capacidade para  conquistar eleitorado no mesmo terreno que o Rassemblement National, pessoas desiludidas, radicalizadas, com desejo de vingança sobre os atores políticos tradicionais, deve orientar o processo negocial no sentido que o partido de Mélanchon, que será minoritário face ao conjunto das restantes forças da coligação eleitoral NFP, não deva ser marginalizado devendo ser assegurado que o seu eleitorado se sinta representado nas respostas políticas que irão surgir a curto prazo; 

4º A complexa introdução no debate público, devidamente orquestrada, do tema do antissemitismo  que é principalmente dirigido contra a LFI – France Insoumise, sendo inclusivamente adiantado, em jornais como o Times of Israel  que “Para uma imensa maioria da comunidade judaica, a France Insoumise, membro da frente de esquerda  Nova Frente Popular, é responsável por esta degradação [aumento dos atos antissemitas em França nos últimos meses].  Numa sondagem revelada pelo Le Point, 92% consideram que o partido de Jean-Luc Mélenchon é o movimento que mais impulsiona o antissemitismo em França”. 

 

L´Affaire Dreyfus 

O caso do militante ecologista Dennis Lambert que foi surpreendido a descolar cartazes que contêm a imagem do bebé israelita Kfir Bibas, refém em Gaza e cuja libertação é solicitada por movimentos israelitas, é bem reveladora do ambiente que se vive em França em torno desta temática. Ambiente que leva a recordar os tempos dramáticos da Affaire Dreyfus e da Terceira República.  

Dennis que é um militante de causas relacionadas com a ecologia e a inclusão social é um importante protagonista da defesa dos direitos e opções dos jovens sem amarras sociais e que são inseridos em famílias de acolhimento. O seu apoio ao candidato a NFP Lyes Luffok , ele próprio uma criança que viveu a situação mencionada e que se propõe lutar “pela proteção das crianças, consciente dos perigos que a extrema-direita representa para o nosso sistema e para os nossos jovens” como ele escreve no seu folheto de candidatura, levou Dennis a agir face à vergonhosa campanha anti-Hamas levada a cabo pelos extremistas israelitas que não hesitam em colocar imagens de crianças nos seus suportes de comunicação-marketing. O vídeo de Dennis a arrancar o cartaz com a imagem da criança tornou-se viral e foi objeto de uma campanha orquestrada contra o soit disant antissemitismo. 

Estamos assim numa nova fase marcada pela intimidação e pela promoção do medo, situação que deverá certamente implicar uma reflexão coletiva sobre os meios que poderão ser eficazes para combater a segunda onda da extrema-direita que está a ser preparada com todos os detalhes.  

Campanha eleitoral em França

Fotos © Rémi Gruber

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