6 de Dezembro, 2024

OPINIÃO – Há 52 anos assassinaram José Ribeiro Santos

Foi meu amigo e colega na Faculdade de Direito de Lisboa. Participámos nas lutas académicas. Fizemos parte das listas para a Associação de Estudantes da Faculdade de Direito. Foi pela sua mão que entrei para uma célula clandestina do MRPP. Mais tarde havia de me afastar deste partido, mas isso agora não importa.

Por Maria Jorgete Teixeira

O José era um líder amável e bem disposto. Lembro-me dele a cantarolar enquanto a velha impressora da Associação de Estudantes de Medicina lançava comunicados contra a guerra colonial. Aqueles que comigo viveram esse tempo de luta, de escuridão e de medo devem lembrar-se do ruído característico, dos papéis impressos a stencil, das mãos borradas de tinta. Íamos para Medicina porque a Associação de Estudantes de Direito tinha sido encerrada.

Lembro-me do José Ribeiro Santos a entoar uma canção do seu “glorioso” : “Benfica, Benfica na terra e no mar, se perde o Benfica não quero jantar” .

Nessa altura eu vivia num quarto numa rua ali para os lados do Jardim Zoológico, São Domingos de Benfica.

De noite ele vinha ter comigo e íamos pinchar paredes, o coração do tamanho de uma noz. Sempre que alguém se aproximava fingíamos que estávamos a namorar muito enroladinhos.

No dia em que o assassinaram não fui a Económicas como era habitual. Fiquei em casa e lembro-me de ter feito, para mim e o meu companheiro, um pudim de morango. Nunca o chegamos a comer.

Quando ele chegou contou-me o que se tinha passado e que o Ribeiro Santos tinha sido ferido gravemente. Tivemos de sair para a Cantina da Cidade Universitária para saber que ele afinal tinha falecido.

A revolta e a tristeza foram imensas.

Nessa altura estava com 2 meses de gravidez da minha filha mais velha. Nada que conseguisse reter-me em casa.

No funeral uma imensidão de gente, estudantes, principalmente, de todas os quadrantes políticos ( eramos bem sectários na altura), mas aquele crime tinha unido a academia.

Quando o carro funerário saiu queríamos levar a urna em ombros e fazer o cortejo a pé para o cemitério. A polícia que estava em força no local não o permitiu.

Mesmo assim não desmobilizamos e ali nos manifestamos contra a ditadura, a repressão, os esbirros da PIDE.

Carregaram sobre nós. Na primeira linha, levei umas bordoadas. Que nem senti verdadeiramente. Virei-me para o polícia e gritei: seu estúpido, não vê que estou grávida? Claro que o polícia nada descortinava da minha invisível gravidez. O certo é que parou.

Meses mais tarde, aí a poucos dias de nascer a minha filha, à porta do anfiteatro onde Soares Martinez dava aulas, ele vira-se para mim e para o João Soares e diz, apontando-nos o dedo: os senhores identifiquem-se.

Foi assim que fui suspensa e que o meu percurso na Faculdade de Direito terminou. Mas não as lutas.

MJT

Texto de Maria Jorgete Ferreira | Transcrito com autorização da autora

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Foto © Zacarias Duarte Ferreira

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