Milhares pediram justiça por Odair
Afrodescendentes ergueram-se e tomaram a palavra numa manifestação combativa e pacífica
REPORTAGEM – NSF na Avenida da Liberdade – Lisboa
O desfile de manifestantes bem organizado, protegido pelos seus próprios cordões de segurança, desceu a Avenida da Liberdade a partir do Marquês de Pombal com uma presença muito discreta da polícia nas proximidades e com uma dominante no cortejo que finalizou o seu percurso nos Restauradores, a exigência de “Justiça por Odair”.
Gritadas com muita energia e até com alguma raiva as palavras de ordem misturavam com muita frequência a língua portuguesa e o crioulo e transformavam a manifestação, para além do ato político reivindicativo, numa expressão viva da multiculturalidade que enriquece a identidade híbrida dos portugueses de hoje, sejam quais forem as suas raízes.
A adaptação do slogan omnipresente em todas as ações de rua desde o 25 de Abril na Avenida da Liberdade “O povo unido jamais será vencido” para “Os bairros unidos jamais serão vencidos” reforçou a união dos milhares de participantes que na sua grande maioria tinha ligações aos bairros da periferia de Lisboa e dos concelhos limítrofes de Loures, Amadora, Cascais e Sintra.
Apesar do foco ter sido Odair e a urgência de ser feita justiça, outros temas foram abordados pelos grupos e organizações que desfilaram na Avenida tendo sido novidade a emergência de temas anticoloniais e a relação entre racismo e colonialismo que injetou uma forte dose política e histórica ao teor reivindicativo do evento. Nesta matéria terá sido aberta a caixa de pandora sobre as razões profundas de algumas matérias-tabu como o racismo que sempre foram limitadas no debate público à cor da pele e aos comportamentos segregadores causados pelas diferenças de hábitos e costumes.
Assim, no futuro, dos bairros poderão vir interpelações inquietantes que poderão provocar tensões que certamente não serão atenuadas com uns programazinhos sociais com vocação normalizadora e disciplinadora como já aconteceu no passado.
O desafio de criar comunidade vai exigir honestidade e frontalidade. As relações paternalistas de uns e de faz-de-conta de outros devem ser finalmente colocadas no seu lugar, ou seja, no caixote do lixo, em nome das relações entre portugueses, que somos e que continuaremos a ser.
Texto e Fotos © CVR- NSF-Sem Fronteiras