O regresso aos lugares de Cohn-Bendit e Deleuze
O CRILUS – Université Paris Nanterre organizou e dinamizou uma sessão com as autoras e o editor do livro Exils au Féminin
Tratou-se de uma aula aberta a alunos de mestrado e de doutoramento que foi dinamizada por Graça dos Santos, professora na universidade e coordenadora do centro de investigação [CRILUS-Centre de Recherches Interdisciplinaires sur le Monde Lusophone]. A acompanhar a investigadora de origem portuguesa encontrava-se José Manuel Mendes responsável pela Chaire Lindley Cintra criada pelo Camões IP na Universidade de Nanterre em 2002.
Uma das autoras dos textos do livro Exils au Féminin, publicado pelo CDMH-Centre de Documentation sur les Migrations Humaines do Luxemburgo com edição e coordenação da tradução de Carlos Valentim Ribeiro, Amélia Resende, regressou a territórios de memória viva: a universidade na qual ocorreu o movimento do 22 de março. Aqui ficam as suas impressões de um regresso repleto de emoções.
Sessão em Paris Nanterre Foto © José Manuel Esteves
Nanterre Fotos @cvr /NSF
Nanterre, ontem e hoje. Maio de 68
Novas gerações de luso descendentes.
Era com alguma expectativa que aguardava e ansiava pela sessão de lançamento do nosso livro Exílios no feminino, versão francesa, na universidade de Nanterre, no departamento de Estudos Portugueses.
Primeiro porque guardava na memória o célebre episódio dos protestos dos estudantes para terem acesso aos dormitórios das raparigas (quando Wilhelm Reich era uma leitura obrigatória) que, conjuntamente com outras causas ( a luta e provocação dos movimentos fascistas, no caso o L’ Occident), deu origem ao famoso movimento do 22 de Março. Houve ocupação de instalações e encerramento da universidade. Um dos seus principais dinamizadores, Daniel Cohn-Bendit, ficaria na História pelo papel decisivo que desempenhou em todas as lutas e barricadas de Maio de 68.
“ Nous sommes tous des juifs allemands”, foi a sua resposta à ordem da sua expulsão.
“ L’ imagination au pouvoir”, “ Soyez réalistes, demandez l’ Impossible”, só para citar algumas das palavras de ordem que ainda vi inscritas nos muros da cidade, quando cheguei a Paris em 71, vinda para um exílio que duraria até Abril de 1974.
Vincennes, universidade arrasada
Curiosamente a conversa com um dos tradutores para francês do nosso livro, Rémi Gruber, que cedo se tornou um amigo, deu para saber que Vincennes – Paris VIII, a verdadeira universidade herdeira do Maio de 68 e onde eu tinha tido o privilégio de ser aluna de um dos maiores filósofos do séc. XX, Gilles Deleuze, tinha sido completamente arrasada, tornando- se apenas um prolongamento do Bois de Vincennes, ali ao lado. Nem uma única placa a assinalar um dos lugares mais icónicos da modernidade do Saber, nos anos 70, em clara ruptura com a Academia clássica e com o poder.
É assim que estamos em 2024. Em Nanterre.
De qualquer forma, a História estava lá.
Fotos © Amélia Resende
A palavra das paredes
Percorrendo os vários escaparates e vitrinas do hall principal, deparámo-nos com alguns cartazes aludindo a eventos na Universidade hoje.
Só a título de exemplo:
1- Le besoin de sens: Repensons nôtre rapport au temps et au travail. Venez nombreux-ses! ( Atenção aos detalhes da língua e da linguagem)
2- Précarité étudiante. Comment se manifeste- t- elle? Quels dispositifs pour y faire face?
3- Les droits des femmes tunisiennes entre acquis constitutionnels et défis législatifs.
4- Réception de l’ héritage de l’ émigration russe- blanche après la chute de l’ URSS- une reconstruction de l’ Empire.
Liberdade e pensamento crítico
A França a questionar. Ça pense. Ça discute.
É assim que vejo Paris. Foi esta descoberta maravilhosa da liberdade e pensamento crítico em toda a sua pujança que eu conheci nos anos 70. Ficou comigo. Uma marca.
Dizia eu, no princípio, que além das referências a um lugar mítico, havia a expectativa de encontrar os jovens estudantes de Cultura Portuguesa, na maioria lusodescendentes de 3ª geração no Departamento de Estudos Portugueses, coordenado pela professora catedrática Graça Santos. Ela é simultaneamente dinamizadora e encenadora do grupo de teatro que a todos envolve. Mais forte razão para estar curiosa. Cruzar a literatura com a cultura, com o teatro e com a pedagogia sempre foi também uma das minhas paixões.
Jovens estudantes lusodescendentes
E ei- los:
Um grupo de jovens a fazerem mestrado cobrindo vários campos de investigação: Literatura, Isabel Barreno – A morte da Mãe; História, os historiadores do Estado Novo; ainda Literatura, Orlanda Marílis uma escritora cabo-verdiana e até outros temas ligados a Macau.
É esta diversidade que nos acolhe, curiosa de escutar as vozes das mulheres que nas suas juventudes ousaram partir de um país que as sufocava, que lhes roubava os sonhos e a esperança, que as oprimia. Decididas a uma luta, a uma luta pela mudança.
A alguns, estas mulheres agora nas suas falas, nos seus relatos traziam ecos dos seus próprios familiares, os quais tendo abandonado o país para escaparem à miséria, dessa partida e desse êxodo não falavam. O silêncio dos seus era por vezes ensurdecedor. Então essas histórias, estes percursos de luta e de esperança reavivavam neles o desejo de melhor conhecer as suas origens, as suas raízes, essa comunidade de que afinal se sentiam parte. De saber mais.
E é com eles que sentimos e entendemos a necessidade de criar laços, de lançar pontes para um diálogo cada vez mais premente para a compreensão do sentido da vida e da cultura de todos nós.
É um imperativo político.
E neste contexto, a propósito dos tempos que hoje vivemos , surgiram várias intervenções.
Amélia Resende, 20 de Abril 2024
Gostei imenso de ler o texto de Amelia Resende sobre a presença em Nanterre e os acontecimentos de Maio de 68, que tambem vivi (em Portugal). Gostei de saber que os cartazes actuais demonstram que há uma reflexão sobre is desafios e dramas que vivemos no contexto mundial. Parabéns por este debare e pelo dinamismo. Ainda há esperança!
Eva Bacelar
evabacelar@yahoo.com.br