O golpismo spinolista começou no 16 de Março
DOSSIÊ | Caldas TRL – Território de Resistência e Luta
por Mário Tomé, militar de Abril
A “Intentona das Caldas”, ou seja, o prematuro desencadear da operação contra o regime fascista que o Movimento dos Capitães preparava, tem na sua inspiração dois factos principais:
Primeiro, o livro «Portugal e o Futuro» da autoria de António de Spínola que, a 22 de fevereiro de 1974 sai do prelo, vindo agitar a opinião pública nacional tornando o general uma referência para os sectores da oposição à guerra colonial, dos mais cordatos aos mais radicais, na medida em que era uma pedrada no charco pútrido da ditadura fascista e, portanto, um encorajamento para os militares que se conjuravam para derrubar o regime e acabar com a guerra. Spínola surgia assim como o mais provável congregador das vontades que se manifestavam dentro e fora do meio militar
Os oficiais mais próximos de Spínola fizeram do livro a sua doutrina guia para a participação no movimento dos capitães.
Segundo, decorrente do primeiro, a convocação por Marcello Caetano dos chefes militares para lhe prestarem vassalagem naquela que foi conhecida por a «Brigada do Reumático» no seguimento da publicação do livro de Spínola, à data Vice-Chefe do Estado Maior General, cuja publicação fora autorizada por Costa Gomes, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas. Os dois máximos chefes das FA’s estavam em sintonia quanto à resolução política da guerra preconizada pelo livro de Spínola e, confrontação explícita, não compareceram à vassalagem, assim como o Almirante Tierno Bagulho na altura Secretário-Adjunto da Defesa Nacional.
Mário Tomé, aqui na sua terceira Comissão na Guiné, foi um destacado militar de abril e posteriormente deputado na Assembleia da República.
Para Caetano este foi o sinal de que o topo das FA’s estava inquinado pelo movimento que, até aí, pese toda a clandestinidade em que eram realizadas as reuniões subversivas dos capitães, tinham expressão institucional através de reivindicações e exigências para “Salvaguardar a dignidade das Forças Armadas”.
Marcello sentiu o terreno a fugir-lhe debaixo dos pés e propôs a Costa Gomes e a Spínola que assumissem o poder, o que estes recusaram. O Tomás forçou, então, a sua demissão.
Spínola pela sua personalidade, pelo facto de ser um comandante operacional reconhecido e pela forma como comandava, mantendo a disciplina através do exemplo nas situações mais difíceis e concitando fidelidades incondicionais que sabia gerir como poucos, suscitou as esperanças de sectores do Movimento, hesitantes ou mesmo contrários à fractura irremediável do Portugal imperial.
Os homens que formaram a equipa sólida e irredutível de Spínola, desde o seu comando de batalhão em Angola até ao comando-chefe e governo da Guiné, integravam o Movimento na perspectiva política defendida em “Portugal e o Futuro” e, portanto, de assegurarem que Spínola seria o chefe supremo acompanhado pela sua equipa de fiéis incondicionais, transferindo a mística militarista da guerra colonial para o futuro “governo da nação” democrática integrando a grande comunidade indissolúvel dos povos autodeterminados, já que não tinham conseguido submetê-los na guerra.
Os centuriões transformaram-se em pretorianos usando a terminologia de Jean Lartéguy nos romances em que cantava os derrotados páras e legionários, heróicos e torcionários, do império perdido da França colonial.
A demissão de Costa Gomes e Spínola que veio somar-se ao “desterro” de Vasco Lourenço e outros três oficiais das suas unidades provocou nos oficiais do Movimento grande agitação e revolta dando lugar a várias propostas de protesto público que por várias razões não se efectuaram. Mas a necessidade de rapidamente acabar com o regime tomou conta do espírito e da vontade de todos.
Os spinolistas sentiram que o regime estava a dar argumentos para uma acção urgente e acharam que era chegar o momento para tomarem a iniciativa e garantirem o comando de Spínola à revelia da Comissão Coordenadora do Movimento.
Várias unidades aprontaram-se para a acção e o próprio Otelo pressionado aceitou elaborar um plano de acção o que ele fez em cima da hora e em cima do joelho.
Mas a situação estava pouco clara e muitas unidades não se declararam em condições para avançar.
A vertigem do sucesso apossou-se de alguns spinolistas e assim do regimento de Infantaria das Caldas partiu uma coluna de duzentos homens rumo a Lisboa.
Como seria de esperar deram com as forças fiéis ao regime – as de repressão interna porque as militares, mesmo que accionadas recusariam qualquer acto contra os camaradas do Movimento – que na altura foram suficientes para fazer abortar a aventura.
E assim a coluna regressou às Caldas, rabo entre as pernas, onde os seus elementos foram feitos prisioneiros.
Otelo que fora ao encontro da coluna ao ver o dispositivo do governo assobiou para o lado e aproveitou para anotar a forma como o regime reagia, as forças e dispositivo, para ter em conta para a ordem de operações que estava a elaborar às ordens da Comissão Coordenadora.
E foi essa a Ordem de Operações que foi cumprida à letra no dia 25 de Abril.
FIM do regime fascista.
Mário Tomé
Uma minha abordagem mais larga da Intentona das Caldas AQUI
Mário Tomé em atividades da AEP61-74 – Associação de Exilados Políticos Portugueses, com exilados , em Vilar Formoso, Portugal © fotos CR / SemFronteiras