15 de Janeiro, 2025

Teatro, Camus e Hélder Costa encheram A Barraca de calor cultural e humano

amigos4

2 de dezembro, 2022

O regresso do dramaturgo otimista à A Barraca foi motivo de alegria coletiva

Foi uma surpresa. Na véspera foram chegando pequenos bilhetes postais eletrónicos. Tímidos mas certeiros. Ele vai estar lá acompanhado pela equipa médica do Hospital do Mar. A boa notícia da recente realização do Encontro Imaginário no estabelecimento hospitalar tinha desta forma uma segunda etapa ainda mais estimulante.

Nada melhor que juntar, na mesma noite, teatro, um grupos de amigos, espectadores fiéis e um elenco extraordinário que representou uma peça de Albert Camus, um autor que, para além da sua dimensão intelectual, filosófica e literária, também foi um resistente durante a ocupação nazi em França e utilizou o teatro para expor, entre outras, as suas ideias do absurdo.

A execução do jornalista e ex-deputado Gabriel Péri pelas tropas de ocupação, em 1941, fizera-o regressar a França, onde passou a integrar o movimento da Resistência, escrevendo num jornal clandestino, Combat; para garantir a subsistência, traba­lhava como leitor na editora Gallimard.

Os sofrimentos e das alegrias comuns

Quando recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1957 proferiu um discurso no qual analisa o papel do artista, que não deve apenas distrair o público, mas “comover o maior núme­ro possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns”, esta abordagem tem tudo a ver com o Hélder Costa com o sentido transformador que ele atribui ao teatro e pela importância que sempre atribuiu ao humor na relação com o público, já bem patente nas peças do Teatro Operário de Paris.

Noite de teatro e de amigos, a peça em palco foi:

O Mal-Entendido

Uma das obras máximas do existencialismo/absurdo do teatro francês alcança no momento que vivemos impressionante relevância. 

O Mal-Entendido, tragédia moderna de Albert Camus, apresenta-nos uma reflexão sobre o crime e o castigo. De regresso de África onde em 20 anos fez fortuna, um filho regressa à sua terra natal e de surpresa vai visitar a mãe e a irmã que vivem nas montanhas da Boémia onde exploram uma estalagem e onde, quando o hóspede é rico, o assassinam lhe roubam o que traz e o lançam a um rio que desce os Alpes vizinhos. É esse o destino que o espera. A “surpresa” custa-lhe a vida e precipita uma tragédia. A dramaturgia vai permitir ao espectador à maneira da Tragédia Clássica antecipar o desfecho. E saber sempre mais do que cada uma das personagens alimentando o suspense. Cada personagem, por omissão, ambição ou instinto criminal comete uma falha trágica que a levará à morte. Só a mulher de Jan afastada do reencontro pelo marido, acaba por não se inscrever no quadro das personagens trágicas e por fim, isolada nas montanhas que desconhece, sobrevive. No nosso século, particularmente agora nesta época de confinamentos, de crimes familiares frequentes, onde a ganância é muitas vezes a causa de enormes e secretas barbaridades que passam anos despercebidas e impunes, a leitura desta obra de Albert Camus ganha um sentido talvez mais social do que no tempo em que foi escrita. O Mal-Entendido que segundo o próprio autor ilustra “uma situação impossível” perseguindo o objectivo de criar “uma tragédia moderna” em que a moral e o sentido da vida são os principais temas, talvez ganhe outros contornos no nosso tempo e nos aproxime de uma realidade tenebrosa de que não estamos tão longe como desejaríamos.

(in A Barraca)

Fotos @ Carlos Pereira Martins

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.