Ecos de Grândola, vila morena no cinema: do consenso comemorativo à heterogeneidade das formas
Agnès Pellerin* | Resumo – Congresso Internacional José Afonso
Agnès Pellerin: Ecos de Grândola, vila morena no cinema: do consenso comemorativo à heterogeneidade das formas
Grândola Vila Morena. “Tivemos de gravar o som dos passos em cima de gravilha e à noite”.
“A maioria das canções criadas num objectivo político apenas alcançaram círculos militantes (…) as grandes canções políticas tornaram-se políticas por apropriação” (Martin Pénet). Tal foi o caso de Grândola, Vila Morena, canção de José Afonso gravada nos arredores de Paris em 1971 e usada pelos militares como uma das senhas das operações na noite do 24 para o 25 de Abril de 1974. Tornou-se a canção mais famosa e cantada do cantor e sua difusão nas ondas da Rádio Renascença constitui hoje um episódio central da “história familiar” da Revolução e do seu “cenário” (Luís Trindade).
Como o cinema contribuiu para esta apropriação de Grândola Vila Morena na memória colectiva? Como desafiou a invisibilidade da difusão radiofónica? Como resolveu a aparente contradição entre a radicalidade dos acontecimentos, o “choque narrativo” que representam (Luís Trindade) e a quase “rotina” das quadras, marcadas pela repetição dos versos e pela “austeridade” musical do cante alentejano. Como o cinema encenou os famosos passos que parecem ter antecipado os militares em marcha, “profetizando” a queda da ditadura? Em que medida filmes realizados fora de Portugal permitiram à canção ecoar no estrangeiro?
Por um lado, a canção parece ter fornecido ao cinema uma matéria evidente, particularmente eficaz em termos de lisibilidade política e cronológica da Revolução, capaz de federar, enquanto “hino” (Didier Francfort), um público de espectadores envolvidos em dinâmicas de comemorações. Mas por outro lado, as suas apropriações pelo cinema não foram nem homogéneas nem consensuais.
Esta contribuição pretende analisar, através dum corpus de filmes que usaram Grândola, vila morena na banda sonora – do cinema revolucionário e militante, usando imagens de arquivo, ao cinema de ficção mais recente, assumido como reconstituição histórica – como as formas cinematográficas, colocam, para além da “verdade histórica” – a questão ética da relação ao espectador e ao passado, particularmente problemática no filme histórico (Sylvie Lindeperg). Como reativaram a sua força performativa e política?
Nota biográfica
Agnès Pellerin é atualmente investigadora na Universidade nova de Lisboa (INET-md) no quadro do projeto EXIMUS “Música e exílio”, apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Autora duma tese sobre o uso da canção como representação do povo no cinema português na Universidade de Paris 8 (2020), foi membro da Casa Velasquez e investigadora visitante no ICS – ULisboa, onde desenvolveu investigações sobre o papel da música no cinema colonial. Publicou um livro sobre o fado na editora Chandeigne (2003, réed. 2016) e é co-autora do livro Les Portugais à Paris au fil des siècles et des arrondissements (Chandeigne, 2009).
FONTE – Página da AJA dedicada ao Congresso