6 de Dezembro, 2024

José Afonso – Da censura explícita a outras formas de silenciamento

Anália Gomes – Resumo | Congresso Internacional José Afonso 2024

É meu propósito aprofundar pesquisas sobre a temática a partir da análise de documentos dos Arquivos da Torre do Tombo e da Casa Comum.org (Fundação Mário Soares e Maria Barroso), alguns já divulgados na blogosfera e nas redes sociais.
É certo que José Afonso, com arte e engenho, logrou contornar os ditames da Censura, fazendo canções que ultrapassam os circunstancialismos de época, aprimorando o recurso a metáforas, com um discurso por vezes considerado surrealista. Esse será um trabalho para outro contexto, com outro objetivo.

Detenhamo-nos, então, sobre a Censura: como José Afonso viveu e contornou o confronto com o poder instituído, como foi censurado, perseguido pela Polícia Política, silenciado por sistemáticas estratégias de intimidação, tendo sido várias vezes chamado a prestar declarações, e mesmo preso, pelo menos por duas vezes, uma das quais por três semanas, em 1973, na prisão de Caxias, sem culpa formada, sem direito a defesa.


Tudo começou com “Os Vampiros” e “Menino do Bairro Negro”, do EP “Dr. José Afonso em Baladas de Coimbra”, de 1963, mas eles, os vampiros, só deram por isso dois anos mais tarde, já Zeca Afonso estava em Moçambique. Segundo documentação consultada, apenas em julho de 1965 foi pedido parecer dado o carácter subversivo da letra das canções especialmente da intitulada “Os Vampiros”, mas considerou-se não haver legislação que sustentasse a proibição. Que legislação terá sido, entretanto, produzida para que em janeiro de 1966 fosse realmente proferido auto de apreensão do referido disco?

Por sua vez, do EP “Cantares de José Afonso”, de 1964, a faixa “Ó Vila de Olhão” foi proibida de passar na Emissora Nacional. Não se encontram evidências de que o disco tenha sido retirado de circulação ou apreendido, como aconteceu com o “Baladas de Coimbra” de 1963 e com o LP “Baladas e Canções”, de 1964, devido à faixa “Ronda dos Paisanos”. Houve, sim, a proibição de passar na Emissora Nacional a faixa “Ó Vila de Olhão” por nota de serviço de 28 de setembro de 1965; o disco foi inclusive riscado com lápis azul e com um prego nessa faixa do vinil. Em 1964 foram feitas duas prensagens do disco, não constando que tenha sido apreendido. Porém, em 1969, o disco voltou a ser editado, com nova capa, e, por precaução, a editora Valentim de Carvalho decidiu substituir essa faixa por versão instrumental pelo conjunto de guitarras de Jorge Fontes. Funcionou, portanto, a intimidação.
Acresce que houve outras formas mais subtis de censurar, como o seu nome ser subtraído de notícias sobre espetáculos em que participava, já após o regresso de Moçambique, sendo os outros nomes identificados e, no seu caso, apenas a referência a “um cantor de baladas” ou o seu nome ser substituído em artigos de jornais pelo anagrama de Zeca Afonso: Acez Osnofa.

A vida e a obra de José Afonso, percorrendo período significativo da segunda metade do século XX, entrelaçam-se com os anos negros do fascismo, da repressão, da Guerra Colonial, mas também com a revolução e com o pós-revolução, em que o seu desencantamento já era visível e em que, de certo modo, voltou a ser silenciado.


Nota biográfica
Profissionalmente não ligada à música, sou apenas uma admiradora incondicional da obra de José Afonso que, com o decorrer dos anos, tenho procurado conhecer mais a fundo. Fui professora do ensino secundário, atividade que iniciei na década de 70, no pós-25 de Abril, ainda enquanto estudante, terminando o percurso profissional, nos últimos vinte anos de atividade, como técnica em serviços centrais do Ministério da Educação.
O meu contacto com a obra de José Afonso era então, nos anos 70, pouco mais do que superficial, potenciado pelo papel de “Grândola Vila Morena” na Revolução.
O encantamento com algumas melodias de José Afonso, a tomada de consciência do seu papel pioneiro na renovação da música popular portuguesa, a admiração pelo seu empenhamento como Cidadão na transformação da sociedade – serão porventura fatores que conduziram, naturalmente, a um conhecimento mais estruturado da discografia e do percurso criativo enquanto Poeta e Músico. Na condição de cofundadora do Núcleo de Lisboa da Associação José Afonso, em 2012, participei durante cinco anos na organização de eventos, promovi a dinamização de outros a título individual. Aprendiza por conta própria, julgo contribuir de algum modo para a fruição e debate profícuo em torno da grandiosa obra de José Afonso.

Editor

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