21 de Setembro, 2025

O presidente que prometeu abolir o Estado depende agora de ajuda internacional

por Luis Vidigal

Javier Milei chegou ao poder na Argentina com a promessa de cortar o Estado até ao osso, abolir o Banco Central, privatizar o sector público e entregar tudo ao mercado. Com discurso incendiário e uma motosserra como símbolo, apresentou-se como pioneiro do anarco-capitalismo, uma visão extrema de liberalismo económico onde o Estado seria quase eliminado. No entanto, os factos desmentem a utopia prometida.

Em Dezembro de 2023, a Argentina estava num caos económico, com inflação acima dos 210%, pobreza nos 45% e colapso de confiança nos governos. Milei aproveitou o desespero colectivo para impor uma austeridade radical. A inflação, é verdade que caiu de mais de 25% ao mês para cerca de 2,4% mensais em 2024. Mas esse resultado não veio do “livre mercado”, veio de forte intervenção estatal, precisamente o que Milei diz combater.

O seu governo fixou uma banda cambial para o peso argentino, recorreu a reservas e a empréstimos do FMI para evitar a desvalorização. O presidente que prometeu abolir o Estado depende agora de ajuda internacional, controlo cambial e políticas de emergência. Um paradoxo evidente, ignorado por quem prefere acreditar na retórica do “livre mercado”.

O superavit orçamental tão celebrado foi obtido com cortes violentos em salários, pensões, apoios sociais e investimento público. Os salários reais caíram cerca de 20%, o consumo interno desabou e a indústria contraiu 10% em 2024. Em 2025, a economia deverá crescer cerca de 5%, mas esse número resulta de uma recuperação estatística após a forte queda do ano anterior.

A pobreza, longe de recuar, agravou-se: passou para mais de 53% no início de 2024. Mesmo com uma leve recuperação posterior, milhões enfrentam insegurança alimentar e perda de poder de compra. Os investimentos estrangeiros prometidos não chegaram e a dívida pública ultrapassa os 110% do PIB, mais de metade em moeda estrangeira, deixando o país ainda mais vulnerável.

O modelo anarco-capitalista de Milei não é reforma, é retórica. Longe de abolir o Estado, reorganizou-o para servir os credores internacionais. O discurso de destruição do Estado justifica apenas cortes sociais, enquanto se protege o capital externo. O resultado é uma economia frágil, uma sociedade desigual e um país mais dependente de ajudas externas.

Milei não está a refundar a Argentina. Está a repetir os mesmos erros neoliberais do passado, com uma nova embalagem, mas o mesmo sabor amargo de sempre.

Fontes

Fundo Monetário Internacional (FMI)

Argentina: Staff Report for the 2024 Article IV Consultation and Request for Stand-By Arrangement

Ligação


Banco Mundial (World Bank)

Argentina Overview – Country Profile

Ligação


Reuters

IMF Board completes first Argentina program review, approves $2 billion disbursement (31 de julho de 2025)

Ligação


Deloitte – Argentina Economic Outlook

Argentina Quarterly Economic Update – 2024

Ligação


Peterson Institute for International Economics (PIIE)

Argentina’s IMF saga starts a new season

Ligação


Newsweek

Argentina’s Javier Milei Keeps Proving His Critics Wrong (julho de 2025)

Ligação

Foto de destaque: © Gage Skidmore

Luis Vidigal na Conferência sobre Migrações 2025 [orador convidado] realizada em Rabat em julho passado.

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