21 de Setembro, 2025

As amêijoas e a tripa do porco

Ou como os adeptos da assimilação e da integração forçada de culturas deveriam ir dar uma volta ao bilhar grande

A cultura de quem acolhe [3]

Estávamos em 1971 e, como muitas das companheiras de desertores e refratários da guerra colonial, realizei a minha primeira incursão em Portugal depois de ter saído nesse mesmo ano rumo a Lund na Suécia. Foi-me dada a rota de Faro, aeroporto inaugurada há pouco tempo e frequentado praticamente só por turistas o que implicava uma menor vigilância por parte da PIDE/DGS.

A par das mensagens e documentos para os camaradas do “interior” trazia na agenda várias encomendas para transportar no meu regresso, mas três se destacavam: amêijoas, coentros e tripa de porco seca. As amêijoas e os coentros para matar saudades e a tripa de porco porque a comunidade portuguesa de Malmo tinha decidido fazer a matança do porco!

Não me vou deter a narrar-vos as peripécias que envolveram ir buscar os porcos ao matadouro, fazer as chouriças, salgar os presuntos ou cortar as febras numa cozinha sueca. Nem mesmo as longas noites a defumar os chouriços nos pequenos abrigos de madeira construídos nas hortas de alguns portugueses.

Hoje fico-me pelo momento em que chegada ao aeroporto de Copenhaga um polícia da alfândega me pediu para abrir o meu saco da SAS em que levava as amêijoas, os coentros e a tripa. As amêijoas tinham sido compradas nessa manhã, estavam fresquíssimas, de forma que assim que abro o saco “espirram” de imediato água para cima do polícia que, entretanto, agarrava já, admirado e intrigado, a tripa de porco. 

Encetámos então ali uma longa conversa gastronómica. Expliquei-lhe como no Sul fazíamos as amêijoas, como lhe tirávamos a areia, como temperávamos as carnes do porco para encher os chouriços, como salgávamos os presuntos, como fazíamos as morcelas.

Não sei o que é que aquele polícia terá comentado com amigos e familiares quando, no fim do seu dia de trabalho, regressou a casa. Mas tenho a certeza que ficou curioso em visitar esse Sul, na altura longínquo, e provar as suas iguarias.

Quanto a mim, apanhei o ferry para Malmo com o meu saco repleto de cheiros e sabores da minha terra.

Fernanda Marques

Foto de Destaque: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADcia_da_Dinamarca#/media/Ficheiro:MHE_-_Politibetjente.jpg

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