10 de Outubro, 2025

Apelo à revisão dos documentos em consulta pública

Tomada de posição de 12 coletivos em Portugal sobre a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e Educação Sexual, enviada para o Ministro da Educação

As entidades subscritoras dirigem-se ao Ministro da Educação para apresentar observações sobre as propostas de “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania” e “Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento”, em consulta pública. As ideias-força apresentadas são:

  • Importância de utilizar linguagem inclusiva nos documentos de Educação para a Cidadania, cumprindo as normas nacionais e internacionais que promovem a igualdade de género. 
  • Necessidade de explicitar a Igualdade de Género como tema fundamental na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, seja como dimensão própria ou integrada nos Direitos Humanos ou na Democracia. 
  • Urgência de reforçar a dimensão “Saúde”, incluindo educação sexual compreensiva, de acordo com recomendações da OMS, UNESCO, UNICEF, UNFPA e legislação nacional. 
  • A educação sexual compreensiva é essencial para prevenir IST, gravidez não desejada, violência e abusos, e para promover comportamentos baseados no consentimento, responsabilidade e respeito. 
  • O ensino destas temáticas contribui para uma escola pública mais segura, inclusiva e promotora de igualdade, respeitando os direitos humanos e a dignidade de todas as pessoas. 
  • Apelo à revisão dos documentos em consulta pública, para garantir a efetiva promoção da Igualdade de Género, dos Direitos Humanos e de uma educação para a cidadania mais completa. 

Carta ao Ministro

“As entidades subscritoras da presente missiva tomaram conhecimento de todo o teor das propostas de “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania” e “Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento”, que se encontram em fase de consulta pública. 

Sem prejuízo do oportuno envio de contributos para o necessário debate desses dois documentos, consideraram as subscritoras ser seu dever cívico dirigir- se a VªExª para lhe dar conhecimento das suas observações sobre questões que reputam essenciais na estruturação dos referidos documentos. 

Assim, atenta a natureza dos referidos documentos, estimam ser essencial à correta explanação e à apreensão de todo o seu conteúdo que a linguagem utilizada na sua redação seja conforme às prescrições normativas relativas à igual visibilidade e relevância de mulheres e homens, como aliás o dispõem os Tratados Internacionais a que se encontra vinculado o Estado Português, mormente a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Violência contra as Mulheres, no seu artigo 5º, e a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, comummente conhecida por “Convenção de Istambul”, nos seus artigos 6º e 12º. 

Na verdade, sendo pacífico que é através da linguagem que se representa a realidade e se estrutura o pensamento, importa não apenas nomear de forma expressa a existência da pluralidade da comunidade humana, como sobretudo é imprescindível não persistir na indicação do masculino como expressando o universal e o geral e o feminino como o particular e o específico, pois que tal legitima todo o discurso de subordinação e hierarquização social. 

E, consequentemente, é contrário ao dispositivo constitucional, consagrado no artigo 9º al. h) da Lei Fundamental, que faz impender sobre o Estado a tarefa da promoção da Igualdade entre homens e mulheres. 

Nesta conformidade, considera-se que a redação dos textos em análise deveria ser reformulada por forma a obedecer aos ditames relativos à utilização de uma linguagem inclusiva, designadamente aos indicados no “Manual de Linguagem Inclusiva”, aprovado pelo Conselho Económico e Social. 

Do mesmo passo se entende que, para dar efetivo cumprimento ao escopo da disciplina em causa, tal como este se encontra traçado na proposta de “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania” é necessário introduzir as matérias referentes à Igualdade de Género, seja como uma das dimensões em que aquele documento aborda a Educação para a Cidadania, seja incluindo essa temática no âmbito da dimensão referente aos “Direitos Humanos” ou na intitulada “Democracia e Instituições Políticas”. 

O fundamento ético, e jurídico, da imperiosidade desta pretensão advém da circunstância de a sociedade humana ser constituída por mulheres e homens, titulares da mesma dignidade, o valor no qual assenta Portugal, de acordo com o disposto no artigo 1ºda Constituição da República. 

Pelo que se insta VªExª a determinar a inclusão das matérias atinentes à Igualdade de Género no conjunto das temáticas da disciplina Cidadania e Desenvolvimento. 

Considera-se, ainda, que a dimensão “Saúde”, constante do mesmo documento, se mostra notoriamente fragilizada no tocante ao elenco dos temas de que se ocupará, na medida em que não contempla a educação sexual compreensiva tal como recomendado em referenciais subscritos por Portugal no contexto da OMS, UNESCO, UNICEF e UNFPA em sede das Nações Unidas, para além da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. 

Por outro lado, a sua exclusão enfraquece de forma gravosa o debate de conceitos e a promoção de comportamentos associados ao consentimento e responsabilidade no contexto da saúde sexual e reprodutiva. 

Ora sendo esta uma componente essencial do desenvolvimento de qualquer ser humano não se julga ser concebível uma tal omissão. 

Antes, dando cumprimento ao disposto na Lei nº60/2009 de 6 de Agosto, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar, deve prever-se de forma clara e expressa um esclarecimento científico e pedagógico de todas as matérias em que se desdobra essa temática, essencial à realização dos Direitos Humanos em matéria de sexualidade, reprodução e bem-estar incluindo a necessária prevenção de IST (a crescer entre a população jovem), da gravidez adolescente e não desejada, da violência e abusos sexuais (maioritárias em contexto familiar e grupo de pertença). Estas realidades revelam fragilidades na informação e na prevenção, refletidas também nos contextos escolares. 

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e a Educação Sexual Compreensiva em contexto escolar assumem, em nosso entender, um papel estruturante na promoção da Igualdade de Género e dos Direitos Humanos, permitindo trabalhar de forma sistemática num espaço seguro e em contexto científica e pedagogicamente informado, adaptado a diferentes níveis etários e contribuindo para a desconstrução de comportamentos e práticas abusivas, que podem ser normalizadas por discursos de desinformação, enfraquecendo a dimensão de cidadania que a Escola pública deve promover. 

Para construir uma sociedade mais justa, saudável e igualitária onde todas as pessoas possam exercer os seus direitos em plenitude de dignidade, respeito e responsabilidade, os dados existentes reforçam a urgência de manter e fortalecer esta disciplina como espaço de ensino-aprendizagem que inclua temáticas como o respeito, o consentimento, a autonomia corporal, limites, identidade, empatia, a saúde, a menstruação, a saúde sexual e reprodutiva, autocuidado, prevenção da violência, a legislação e os direitos humanos para uma escola mais segura, inclusiva e promotora de igualdade. 

Face ao exposto, entende-se dever ser revisto o teor da supracitada dimensão “Saúde” da proposta de “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania”. 

Certas de que VªExª não deixará de ter em consideração todo o exposto, as subscritoras apresentam os seus melhores cumprimentos, 

A Presidente da Direção da A.P.M.J. Maria Teresa Féria de Almeida 

Declaro, por minha honra, que a presente missiva recebeu também o assentimento e concordância das Associações adiante indicadas, as quais a subscrevem inteiramente. 

P&D Factor – Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento 

FEM – Feministas Em Movimento, Associação 

Akto – Direitos Humanos e Democracia 

APF – Associação para o Planeamento da Família 

Cooperativa SEIES – questionar certezas, potenciar novos possíveis 

Fundação Cuidar o Futuro 

Inspiring Girls – Associação Portugal 

PPdM -Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres 

Com Alma – Associação Não Governamental pelos Direitos Humanos 

CCC – Associação Corações Com Coroa 

Núcleo Feminista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 

Foto APMJ – Maria Teresa Féria de Almeida, Presidente da Direção

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