A cúpula do Alasca e o destino da Europa
OPINIÃO – Resta saber se a Europa terá a coragem de abandonar o papel de espectadora
Por Luís Vidigal
A recente cúpula entre os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos, realizada no Alasca, foi muito mais do que um simples encontro diplomático, pois representou um ponto de viragem na longa história da geopolítica europeia. Após décadas de expansão da NATO e de marginalização da Rússia no debate sobre a arquitetura de segurança do continente, pela primeira vez em 35 anos dois polos de poder sentaram-se para discutir de igual para igual.
Durante anos, o Ocidente alimentou a narrativa de que Moscovo estava isolada, ao passo que ignorava sistematicamente as preocupações de segurança russas. Esse “solipsismo ocidental” de uma elite que interpreta o mundo a partir da sua própria perspetiva, traduziu-se numa política de exclusão e numa paz hegemónica sustentada pela força militar da NATO. O resultado foi a eclosão de crises sucessivas que culminaram na guerra da Ucrânia em 2022.
A cúpula não significou um acordo imediato e revelou que a Ucrânia não é a causa do conflito, mas antes um sintoma da falência da ordem europeia construída após 1991.
Para que haja paz duradoura, será necessário repensar todo o sistema de segurança europeu, algo que implica questionar a própria expansão ou mesmo a existência da NATO e a dependência política e militar da Europa em relação a Washington.
Entretanto, a União Europeia encontra-se encurralada, pois os europeus parecem ter renunciado à sua autonomia, entre a submissão estratégica aos Estados Unidos e a impossibilidade de reconstruir uma relação equilibrada com a Rússia. Hoje, mais do que parceiros, são vassalos numa ordem unipolar em declínio. Esta dependência, somada à fragilidade económica e à crise de legitimidade das elites políticas, deixa o continente sem visão nem estratégia própria.
O que a cúpula demonstrou, acima de tudo, é que o mundo já entrou numa nova era.
O tempo unipolar, aquele breve período após a Guerra Fria em que Washington ditava sozinho as regras, chegou ao fim.
Surge agora um sistema multipolar, em que diferentes potências, dos BRICS à Ásia emergente, desafiam a hegemonia liberal ocidental.
A Europa, porém, continua presa a fantasmas ideológicos e a narrativas de guerra, incapaz de imaginar alternativas. Se não encontrar rapidamente uma nova forma de se posicionar, corre o risco de se tornar o principal perdedor nesta disputa histórica, a par da própria Ucrânia, transformada em campo de batalha e moeda de troca entre impérios.
A cúpula do Alasca pode ter sido apenas o primeiro passo, mas já deixou claro que o jogo geopolítico mudou. Resta saber se a Europa terá a coragem de abandonar o papel de espectadora ou se continuará a assistir resignada à sua própria irrelevância.
Foto de destaque – Base Aérea no Alasca | Joint Base Elmencourt-Richardson, local onde se realizou o encontro Trump-Putin. Origem site da JBER.
Texto publicado originalmente no Facebook. Colaboração autorizado pelo autor. Editado NSF destaques, subtítulo e ilustrações-

Luís Vidigal
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