Porto, mudança de ciclo, precisa-se!
Vinte e quatro anos de governação à direita no município do Porto protagonizado pela dupla de Ruis, Rio e Moreira

DOSSIÊ NSF AUTÁRQUICAS 2025 [9]
por Luis Mesquita
Há cerca de 25 anos, tendo ganho o respetivo concurso público, tive o privilégio de trabalhar no Departamento Municipal de Desenvolvimento Social da Câmara Municipal do Porto, tendo, aliás, sido o seu último Diretor. Na transição do ciclo de gestão socialista da autarquia do Porto de Fernando Gomes e Nuno Cardoso para a gestão de Rui Rio, a macroestrutura municipal sofreu uma devastadora reestruturação que extinguiu mais de três dezenas de estruturas e serviços municipais. Esta drástica reorganização administrativa eliminou para além do “meu” Departamento (e com ele dezenas de projetos de intervenção social em muitos bairros de habitação social e outras zonas da cidade), muitos outros serviços relevantíssimos, como por exemplo o CRUARB – Comissariado para a Renovação Urbana da Área Ribeira-Barredo, uma intervenção emblemática das políticas de regeneração social e urbana do pós-25 de Abril, que conduziu uma profunda intervenção na zona histórica do Porto que a retirou da extrema degradação em que se encontrava e foi responsável pela candidatura do centro histórico do Porto à UNESCO que, em 1996, o classificou como Património Cultural da Humanidade.
Esta contração das funções públicas da estrutura e da ação municipal assente no programa neo-liberal de redução das funções do Estado e da entrega ao Mercado de muitos bens e serviços públicos, fez-se no Porto através da externalização de muitos serviços municipais e pela criação de múltiplas fundações e empresas, de participação maioritária ou exclusiva do município, que para elas transferiu uma boa parte do seu orçamento.
As funções do Departamento Municipal de Desenvolvimento Social passaram assim para a Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto, as do CRUARB para a Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana, e por aí em diante.
Esta externalização das funções públicas na área da ação social, fez do município do Porto, durante os 12 anos da gestão de Rui Rio, talvez o único município do país sem serviços municipais de ação social, enfraquecendo a coesão social da cidade e delapidando o património de conhecimento e intervenção desenvolvido durante décadas no Porto, nesta área.
Essa surpreendente vitória eleitoral de Rui Rio (até para o próprio) iniciou um ciclo de 24 anos de governação à direita no município do Porto protagonizado pela dupla de Ruis, Rio e Moreira, numa “evolução na continuidade”, nas próprias palavras de Rui Moreira. Nos 50 anos da democracia, a direita governou o município do Porto 35 anos, sendo o período mais longo precisamente este último ciclo Rio/Moreira, dos últimos 24 anos.
Foi um ciclo de quebra brutal do investimento público e de alienação de património municipal, que o Bloco de Esquerda classificou como “a maior operação de subtração do património da cidade, desde os saques das tropas invasoras de Napoleão”, ao serviço de uma política austeritária de contas certas.
Um ciclo de desastre das políticas sociais, com encerramento de serviços de atendimento ao público, cuidados à infância e à terceira idade, e com um particular destaque para o agravamento do problema dos sem abrigo, da toxicodependência e do tráfico de droga nas ruas e bairros do Porto, com o desmantelamento dos programas sociais anteriores (como o Contrato Cidade). Em sua substituição, acionaram-se derivas securitárias como o programa Porto Feliz que prometia acabar com os arrumadores do Porto e acabou ele próprio, apenas 4 anos depois, sem resultados significativos para apresentar, a não ser a interrupção da intervenção municipal nesta área, com graves prejuízos para a cidade.
A demolição do Bairro do Aleixo foi outro dos episódios mais esclarecedores da presidência de Rui Rio, que não teve escrúpulos em prometer, por escrito, aos moradores a não demolição do bairro, o que aliás motivou o apoio da Associação de Moradores à sua candidatura. O que acabou por acontecer foi uma verdadeira substituição populacional, que aliás se tem vindo a verificar em todo o centro histórico, através de um plano urbanístico que o Arquiteto Alexandre Alves Costa classificou como “um conceito de cidade absolutamente lamentável”.
À tentativa de venda do Bolhão à especulação imobiliária, felizmente travada, sucedeu uma a solução de reabilitação e de uso do Mercado do Bolhão, como antes do Mercado do Bom Sucesso, que não preservou o carácter e as funções dos mercados tradicionais, hoje transformados em bares e restaurantes para turistas.
Também característico deste período foi a guerra contra os agentes culturais do Porto tendo o financiamento da cultura exigido a conformidade política com as posições do executivo municipal.
Os três mandatos de Rui Moreira, a segunda fase deste ciclo, apesar das aparentes diferenças, foram verdadeiramente de evolução na continuidade. A matriz autoritária manteve-se com o desprezo pela oposição e pela participação dos cidadãos.
Os mandatos de Rui Moreira assistiram à explosão do turismo no Porto e à aceleração do fenómeno da gentrificação da cidade em que a reabilitação urbana se fez à custa da segregação social e da perda da identidade cultural local.
O Porto arrisca-se a tornar-se uma montra, com largas franjas da sua população esquecidas, por detrás do glamour turístico.
Após uma expetativa inicial positiva de inversão do clima persecutório da gestão de Rui Rio, rapidamente se verificou que basicamente se mantinha a política anterior de falta de apoios regulares à cultura e às estruturas associativas da cidade.
As eleições do próximo dia 12 de Outubro são assim uma oportunidade de encerrar este ciclo de governação à direita da cidade do Porto, que já dura há demasiado tempo, fazendo regressar outras lógicas de gestão da cidade mais participadas, mais próximas dos cidadãos e da identidade social e cultural do Porto. Este é um grande desafio para a esquerda do Porto que precisa de encontrar caminhos de cooperação nos tempos difíceis de despolitização e de ascenção dos populismos que vivemos. Acredito que a candidatura do Manuel Pizarro, em articulação com as restantes candidaturas de esquerda, serão capazes de limar as suas arestas, pondo o interesse do Porto no lugar cimeiro das suas prioridades.
Os cidadãos do Porto agradecem.