CANÇÃO DE PROTESTO E EXÍLIO | Canta, Amigo Canta
SF | 17-09-2020 | No dossiê Canção de protesto e exílio, alguns artigos de opinião irão enriquecer o desenvolvimento do tema em perspetivas muito diferenciadas, desde a abordagem musical à narrativa de acontecimentos peculiares. Teremos ainda propostas de reflexão e de debate. Neste primeiro artigo de opinião João Carlos Callixto conduz-nos numa visita a António Macedo a partir do Erguer a Voz e Cantar.
Canta, Amigo, Canta | João Carlos Callixto
“Erguer a Voz e Cantar”, EP António Macedo, António Macedo, 1970
Uma das canções mais divulgadas dos últimos anos do Estado Novo, “Erguer a Voz e Cantar” é também muitas vezes conhecida pelos primeiros versos do refrão, “Canta, Amigo, Canta”. O seu autor, António Macedo (1946-1999), não deixou infelizmente um legado musical vasto, mas na realidade, bastaria esta canção para lhe dar o lugar merecido na História da nossa Música Popular.
Sendo uma das memórias mais antigas que tenho, em termos musicais, terá sido porventura essa a razão para chamar ao livro que a Âncora Editora me publicou em 2014 precisamente “Canta, Amigo, Canta”, com o subtítulo “Nova Canção Portuguesa (1960-1974)”. O refrão do cantautor António Macedo adquire aqui o verdadeiro significado de inclusão, ao apelar à reunião em volta dos mesmos ideais humanistas do maior número possível de “amigos”, algo que José Afonso fez no mesmo ano de 1970 com o seu “Traz Outro Amigo Também”.
O Casamento da Menina Manuela
No caso de Macedo, não faltou no seu percurso o talento de um arranjador com soluções musicais bem distintas – falo de José Cardim Ribeiro, que depois seguiria carreira reconhecida na área da Arqueologia. Não lhe faltou também a passagem por editoras de grande destaque, como foi o caso do trabalho de estreia – único EP seu, editado em 1970 pelo selo Polydor e precisamente o disco onde se incluía “Erguer a Voz e Cantar” – e dos dois discos seguintes – ambos singles, publicados em 1972 e 1973 pela Valentim de Carvalho, com o satírico “O Casamento da Menina Manuela” a alcançar então mais popularidade. Mesmo depois do 25 de Abril, e após passagens pelo estrangeiro, Macedo voltou a publicar discos e livros de poesia, nunca se afastando, portanto, completamente das lides artístico-culturais.
Faltou um grão de sorte
O que faltou então para que o percurso do cantautor fosse mais conhecido e para que os discos que gravou não estejam ainda reunidos e disponibilizados ao grande público? Talvez a edição de um álbum, que esteve projectado para a segunda metade de 70s mas que nunca chegou a ver a luz do dia. Talvez também um grão de sorte, sempre tão necessário, para que o seu nome pudesse ir mais além do da sua famosa canção, que esteve e está nas bocas de tantos portugueses sem que a grande maioria tenha qualquer ideia sobre quem a escreveu e cantou originalmente.
Várias versões
Nos quase 50 anos entretanto decorridos, “Erguer a Voz e Cantar” conheceu várias versões, das quais destaco as gravadas pelo grupo ad-hoc Equipa, formado pouco depois do 25 de Abril (com membros como Jaime Nascimento, um dos pioneiros da guitarra eléctrica em Portugal; a cançonetista Margarida Amaral ou um muito jovem Ramón Galarza), num álbum de 1975; pela Tuna dos Voluntários de São João da Madeira, num álbum de 1983; pela cantora Dona Rosa, no álbum “Alma Livre”, de 2007, ao lado do guitarrista Tiago Oliveira (ex-Pólo Norte); pelo duo Lavoisier, num disco de 2012, primeiro de um percurso que se viria a cruzar com o histórico técnico de som José Fortes; por outro histórico, desta vez um cantor, Carlos Alberto Moniz, no álbum evocativo de Abril “Resistir de Novo”; e pelo fadista José Gonçalez, em 2015, no álbum “Até Deus Gosta de Fado”, ao lado do cantor pop FF e do grupo alentejano A Moda Mãe. Seis casos de entre os muitos que levaram esta canção a várias geografias e que continuam a fazer dela uma canção de resistência – porque só a arte que continua viva e actuante é capaz de resistir às mudanças de tempos e de vontades!
Autor: João Carlos Callixto. Foto cedida pelo autor
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