INTERNACIONAL | Decisão de Erdogan contestada nas ruas de Istambul
SEM FRONTEIRAS | ENTREVISTA
As mulheres lideram o combate ao regime autoritário e religioso de Erdogan na Turquia e o Sem Fronteiras (SF) entrevistou uma dessas lutadoras turcas sobre a saída do país da Convenção de Istambul e ainda sobre a atual situação naquele país.
por Manuel Branco, Sem Fronteiras-Grenoble
A maneira insinua, lenta mas progressiva como a religião e as ideias retrógradas aproveitam o sistema democrático para minar as instituições e a democracia permitem-nos comparar com situações similares em Portugal, onde ideias retrógradas, machistas, isentas de solidariedade e de altruísmo vão abrindo brechas nas instituições e no sistema democrático.
Ainda antes de iniciar a conversa com a nossa interlocutora o SF agradeceu o acolhimento e a disponibilidade que aquela revela no apoio à democracia, à causa das mulheres em geral e em particular à causa das mulheres turcas e relembrou que os portugueses também tiveram que enfrentar o regime fascista de Salazar. Acautelando aspetos de segurança limitámos as referências de identidade a duas iniciais.
S.F. – Vieste para França por razões politicas, podes explicar-nos a razão do teu exílio ?
F.A. – Após o golpe de estado militar de 12 de Setembro de 1980 éramos perseguidos dado que militávamos no partido comunista ilegal nessa altura. Lutávamos pela liberdade e pelos direitos de expressão. O meu marido foi preso e eu fui perseguida por ter editado panfletos que acusavam o governo de ser fascista. Eu corria o risco de ser presa e então logo que tive uma possibilidade deixei a Turquia.
S.F.- Nos últimos anos tínhamos a impressão que a situação da mulher turca evoluía no sentido de um melhor reconhecimento dos seus direitos, qual é a tua opinião ?
F.A. -Não, isso era uma aparência dado que Erdogan se fazia passar por “um islamita moderado”. Este ar de liberdade foi unicamente utilizado para se instalar.
Infelizmente os islamitas utilizam todos os meios democráticos para se instalarem no poder.
S.F. – O que é que levou Erdogan a sair da Convenção de Istambul ?
F.A. – Actualmente o pais enfrenta uma grande crise económica e Erdogan perde pouco a pouco os seus eleitores, nomeadamente os religiosos. Como estes sempre foram contra a Convenção de Istambul desde a sua assinatura em 2011, para recuperar os fanáticos, Erdogan deu~lhes este presente. Da mesma maneira a abertura de Santa Sofia em mesquita foi um passo dado para uma aproximação dos integristas. As seitas religiosas eram proibidas desde a criação da Turquia, Erdogan autorizou-as. Deste modo com as seitas influentes sobretudo nas grandes cidades, eles controlam e manipulam a educação a favor do islão, sobretudo as gerações mais jovens. O povo perde a sua cultura e o seu modo de vida.
S.F. – Quais são as consequências desta situação para as mulheres turcas ?
F.A. – É terrível. Desde que Erdogan está no poder a violência contra as mulheres aumentou de 1400%, todos os dias no mínimo 3 mulheres são mortas na Turquia, os culpados nunca são punidos, tudo isto com o apoio dos religiosos. A justiça não existe. Em 1924 havia 29 liceus sob o controle do estado para formar os imãs laicos e democráticos. Após o liceu entravam na faculdade d’ilahiyat (1) para obterem a formação de imã. O golpe de estado de 1980 autorizou a inscrição destes liceus em todas as formações universitárias. A partir de 2002 com a chegada ao poder do partido AKP o número de liceus islamitas foi aumentado sendo hoje 2700.
Com Erdogan o ensino do Corão é obrigatório.
As famílias com meios escolhem o ensino privado mas o empobrecimento da classe média e os custos elevados do ensino privado levam os jovens para as mãos do poder.
A religião não podia entrar nas universidade hoje os médicos, os juízes etc.. deixaram de ser laicos, o juiz não pune as violências contra as mulheres pois pensa que é normal, a religião prevê que se bata na mulher.
S.F. – Como é que reagem as mulheres na Turquia ? Tens conhecimento de movimentos das mulheres nestes últimos dias para recusar a decisão de Erdogan ?
F.A. – Sim, há muitas manifestações por todo o lado organizadas pelas mulheres contra a decisão de Erdogan de sair da Convenção de Istambul, os manifestantes são reprimidos pela policia. A luta continua dado que Erdogan trata o movimento das mulheres como se fossem todas LGBT, isto para as denegrir aos olhos da população, recentemente as estudantes da universidade Bosphore foram tratadas da mesma maneira.
(1) estudo da religião .