A Severa tem na sua genealogia sangue de escravos negros
publicado 3 de outubro 2022 | Anália Gomes | Editado SF
Outra Severa, para além do quadro de José Malhoa | Livros & Música
Anteontem, 1 de outubro, foi mais um grande dia para a Tradisom Produções Culturais, editora que vai fazendo história na edição discográfica e também bibliográfica, contribuindo para o conhecimento do riquíssimo património cultural do país por parte do grande público.
Desta feita, abre nova luz sobre a vida da Severa, nascida em 1820. Incrível como exatamente 100 anos separam o nascimento das duas divas do Fado, Severa e Amália, como bem salientou o José Moças, autêntico arqueólogo de raridades, no âmbito da música e não só. Eu pouco ou nada conhecia da história de vida da Severa, aliava-a ao famoso quadro de José Malhoa, que a representa como cantora de vida devassa. Talvez a visse como uma lenda, uma construção, como ontem o Ricardo Ribeiro admitiu acontecer com ele (acalentava a “esperança” de que fosse de origem cigana, disse ele).
Paulo Lima obreiro de candidaturas à UNESCO
Obra coordenada por Paulo Lima, um dos obreiros de várias candidaturas a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO (fado, cante alentejano, chocalho), conta com a colaboração de doze autores de diferentes áreas, entre os quais os musicólogos Rui Vieira Nery e Salwa Castelo-Branco.
A grande novidade nesta obra, “descoberta” por José João Pais, é a Severa ter na sua genealogia sangue de escravos negros, devidamente investigado e documentado. Assunto que gerou polémica, ontem, na sessão de apresentação, foi o local de nascimento da Severa, atribuído pela tradição oral à Madragoa, mas que a pesquisa documental do António Janeiro situa na Mouraria.
Um calhamaço não fácil de carregar em transportes públicos
Se, como afirmou um dos presentes no público, os documentos de época tão recuada não constituem prova suficientemente cabal (podia-se nascer num local e ser-se batizado noutro), também não será prova a palavra que passa de geração em geração por tradição oral (quando e por quem foi construída tal versão?). Bom, uma obra imperdível, um calhamaço não fácil de carregar em transportes públicos, mas que fará muito boa companhia em casa nas longas noites que se aproximam.
A sessão de apresentação desta obra seminal decorreu ontem no Museu do Fado, a que se seguiu um muito agradável beberete e convívio.
Fotos © Anália Gomes