Revolucionar a democracia
publicado 30 de setembro 2022 | Livros & Música
O fascismo não é uma ameaça. O fascismo está entre nós
por Nelson Anjos
Talvez para se furtar a engulhos com o patrono da obra – a Fundação Mário Soares – Boaventura Sousa Santos (BSS), em vez da palavra “Revolucionar” optou pela palavra “Reinventar”. Reinventar a Democracia é o título deste seu pequeno livro, onde o adjetivo “pequeno” não tem outro sentido que não seja o de referir a dimensão física do volume. Com efeito, as cerca de setenta páginas, em formato de bolso, sintetizam o resultado de uma reflexão extremamente rica sobre a questão da democracia, que muito embora os anos já decorridos depois da sua publicação – cerca de um quarto de século – mantém, a meu ver, toda a atualidade, concorde-se ou não com as ideias defendidas.
Num tempo em que as chamadas “democracias liberais”, podadas logo à nascença – qual bonsai – para não crescerem mais do que o permitido, se encontram ameaçadas por toda a Europa, mas também por outras latitudes, importa clarificar a resposta que BSS dá, ainda que de forma apenas implícita, antecipando-se à pergunta: que fazer, se a extrema direita protofascista, por via do voto – esse meio que, na ausência de conteúdos de liberdade, igualdade e fraternidade desempenha apenas o papel de droga – tomar o poder?
“(…) O grau zero da legitimidade do Estado moderno é o fascismo, a rendição total da democracia perante as necessidades de acumulação do capitalismo. (…)”
Pela minha parte, “O grau zero da legitimidade” não deve significar outra coisa que não seja a suspensão da democracia, por parte dos novos poderes, o que deve implicar, sem reservas, a extração de todas as consequências e decisões a tomar por parte das forças democráticas, vencidas mas não rendidas, no novo quadro. Não sei se me faço entender. E isto, independentemente de quaisquer que sejam as novas formas que os novos fascismos venham a revestir. Por exemplo:
“(…) Não se trata do regresso ao fascismo dos anos trinta e quarenta. Ao contrário deste último, não se trata de um regime político mas antes de um regime social e civilizacional. Em vez de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo, promove a democracia até ao ponto de não ser necessário, nem sequer conveniente, sacrificar a democracia para promover o capitalismo. (…)”
Será que não estamos já próximos disto ou para lá caminhamos a passos largos? – O autor propõe uma alternativa:
“(…) um novo contrato social. Trata-se de um contrato bastante diferente do da modernidade. É antes de mais um contrato muito mais inclusivo porque deve abranger não apenas o homem e os grupos sociais, mas também a natureza. (…)”
Porque,
“(…) a democracia representativa perdeu as parcas virtualidades distributivas que alguma vez teve.(…)”
E,
“(…) O fascismo não é uma ameaça. O fascismo está entre nós. (…)”