OPINIÃO – 70 anos depois das “balas do 14 de julho”
Outro desfile do 14 de julho é hoje necessário
Até 1953, há 70 anos, existiram dois desfiles. O oficial, militar na Champs-Élysées e o popular, da Praça da Bastille até à Praça da Nation. Naquele ano, a polícia dispersou uma manifestação de trabalhadores argelinos, matando 7 pessoas (6 argelinos e um sindicalista francês. Desde então, o desfile popular foi proibido.
E se retomássemos a tradição de um desfile popular e cidadão?
por Artur Monteiro, Paris
publicado no Club de Médiapart – Billet de blog | tradução livre Sem Fronteiras | Editado SF (ilustrações e subtítulos)
É uma data “quase” esquecida, a de 14 de julho de 1953, quando a polícia dispersou violentamente, no momento do deslocamento, uma manifestação de trabalhadores argelinos e matou sete pessoas. Era o desfile “tradicional”, outra forma de comemorar o feriado nacional, reunindo a esquerda sindical e política.
Uma placa comemorativa na Nation, na avenue du Trône, Paris 12, homenageia as vítimas desta violência policial… já naquela altura!
As balas de 14 de julho de 1953
Diretor Daniel Kupferstein. realizou um documentário histórico “As balas de 14 de julho de 1953”. Ele refaz a história através de uma longa investigação contra a amnésia. Investigação do dia-a-dia, para encontrar testemunhas, para pôr os historiadores a falar, para recolher informação nos jornais da época, nos arquivos e outros centros de documentação para melhor reconstituir o desenrolar deste drama, mas também para perceber como é que esta mentira de Estado funcionou tão bem..
Para Charlène Ferrand, membro da comissão de seleção de imagens das bibliotecas, que selecionou o documentário em 2015, explica a sua importância: “Este filme é um documentário memorial que mostra os factos, destaca as incoerências e reescreve a história esquecida e falsificada. Interpela as instituições judiciárias, comprova por áudios reconstruídos as tendências racistas do governo da época e remonta na história através de uma investigação precisa e minuciosa. O filme é realizado do começo ao fim, partindo de uma notícia para mostrar sua importância e transformá-la em fato histórico. Deve ser valorizado pour mostrar que o nosso presente está intimamente ligado ao passado.”
Um outro desfile do 14 de julho é necessário, hoje
Hoje, outro desfile de 14 de julho parece ser necessário e urgente. Sim, um desfile popular e cidadão diferente do militar nos Campos Elíseos.
Este ano um ilustre convidado, ao lado do Presidente e do governo francês, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, cujas orientações são explicitamente de extrema direita, e isso poucos meses antes das eleições indianas.
Outro aceno para as forças mais conservadoras, até as mais extremas de direita, da vida política francesa.
Narendra Modi,
Acabamos de vivenciar, após a morte do jovem Nahel, um episódio de extrema violência que marca a revolta e exclusão de parte da juventude; após a violência de um processo democrático-autoritário para impor a reforma “dos sistema de pensões” recusada pela maioria da população; sofremos uma repressão indiscriminada, criminalizando a oposição e resistência ecológica dos Soulévements de la Terre; estamos sujeitos à violência policial que se inscreve numa ruptura entre uma polícia protectora dos cidadãos e uma polícia repressiva contra qualquer manifestação de oposição, incluindo os ”protestos com tachos”… Podemos descrever infinitamente os excessos, a omnipotência, os abusos e a apropriação da democracia pelo poder atual, cuja sequência Schiappa-fonds-Marianne é ao mesmo tempo o símbolo da arbitrariedade, discriminação e arranjos entre correligionários.
Ser parte ativa no Dia Nacional
Impor-se de forma diferente e ser parte ativa do Dia Nacional, é também afirmar que aquele não pertence só à elite, e àqueles que a seguem cegamente, mas a todos os cidadãos que dão vida ao país e que são “essenciais”, condição revelada de forma particular pelo Covid, à sociedade como um todo.
Outra forma também de mobilizar a população para defender e exigir liberdade, igualdade e fraternidade. Valores que nunca são adquiridos mas que exigem o nosso compromisso permanente.
Após a logorreia presidencial, durante três dias em Marselha, de um presidente disfarçado de uma espécie de vendedor da banha da cobra, em mangas de camisa, os seus fiéis ministros a esforçam-se para servir de retransmissores destas operações de comunicação sob o olhar atento de uma força policial liderada, mais pelo seu sindicato, um lobby focado no conselho do ministro, do que por um policiamento democrático.
Pergunta final
Seremos determinados e numerosos o suficiente para estarmos presentes numa manifestação popular no dia 14 de julho comemorativo da repressão de 1953, mas também das outras que virão…?
** No primeiro comentário trechos de entrevista com Daniel Kupferstein, citando a origem das manifestações populares de 14 de julho e referindo-se à de 1953.
ANÚNCIO | VÍDEO