COMUNA 150 | O 18 de Janeiro e o Teatro Operário de Paris
SEM FRONTEIRAS | 19 de janeiro de 2021 | COMUNA 150 | Teatro Operário de Paris – O 18 de janeiro de 1934.
O 18 de janeiro de 1934 e em particular a revolta na Marinha Grande foi tema da segunda peça que o Teatro Operário de Paris levou à cena com a orientação de Helder Costa.
Nos diversos países da imigração portuguesa na Europa, nos anos sessenta e princípios de setenta, o controlo pelos operários vidreiros e por outros elementos da população local do posto da Guarda Nacional Republicana e do posto dos CTT da vila, foi assunto largamente debatido e conversado. Milhares de imigrantes, por ocasião de festas e de encontros realizados nas associações, contactaram com as lutas do passado para pensarem nas lutas do presente e do futuro, contra a ditadura em Portugal.
Vale a pena lutar
A mensagem associada aos acontecimentos apresentados no palco, com energia e com humor, era que o derrube do regime era possível e que valia a pena lutar.
O 18 de Janeiro de 1934 foi estreado no dia 14 de setembro de 1971 num centro de apoio ao bairro de lata de Nanterre na periferia de Paris. Vários outros grupos levaram a peça ao palco e já depois do 25 de Abril, em Portugal, foram realizadas outras montagens nomeadamente em 1974 e 1975 Teatro Universitário do Porto, Grupo de Teatro do Formigueiro (Águas Santas-Porto), Grupo de Teatro do Chão Duro (Moita), Grupo de Teatro dos CTT (Lisboa), Grupo de Teatro do Pendão (Queluz) e em 1976 Grupo Coral e Cénico de Santo Amaro (Lisboa(.
O Teatro Operário e a peça nas palavras de Helder Costa
Paris, fim dos anos 60.
Um milhão de portugueses, fugidos à fome, à Pide, à guerra colonial, e também alguns que, muito simplesmente, procuravam a liberdade de viver e de pensar.
A interrogação para os que já tinham actividade política em Portugal, e que tinham aceitado essa graciosa “bolsa de estudos ” do Salazar, era o que fazer com essa enorme massa de emigrantes.
Ao lado da actividade política partidária, era evidente ser necessário criar formas de Associativismo, de animação cultural e de apoio social e educacional.
Entre as iniciativas mais influentes contava-se a Liga Portuguesa para o Ensino, apoiada pela sua congénere francesa, de espírito laico e republicano.
TEATRO OPERÁRIO DE PARIS
Aí se desenvolveu um grupo de teatro, se criou um jornal, e também aí a acção se foi estiolando como consequência de guerras entre grupos políticos.
As divergências eram várias entre os exilados .
Falando de teatro, havia quem pensasse fazer peças que fossem autorizadas pela Censura em Portugal (!) ; outros, apresentavam peças no centro de Paris, destinadas à intelectualidade portuguesa emigrada e aos seus amigos franceses ; e até havia, uma escória (que eu me recuso a pôr ao mesmo nível destes “caminhos diferentes” com quem estou em desacordo), que tentava (e conseguia) obter patrocínios do consulado de Portugal para formar “um teatro para os portugueses” – tentativa sempre falhada, tanta era a incompetência dos seus ” empreendedores” e a impopularidade do projecto.
O COMEÇO DO GRUPO
O minúsculo grupo que arrancou com a ideia do “Teatro Operário” tinha outros planos: era preciso levar o teatro, a música, a cultura, a arte, a agitação política, os jornais anti-fascistas, a alfabetização, a ajuda social, a quem mais precisava de tudo isso: as centenas de milhares de emigrantes que se empilhavam em bairros de lata e foyers miseráveis.
E 1970, com “Histórias para serem contadas” de Oswaldo Dragún, assinalou a nossa estreia.
O trabalho era difícil? Era. Principalmente, porque era preciso vencer o medo dos emigrantes, e combater os provocadores que, desde a estreia do grupo apareciam com bandeirinhas portuguesas (como se vê, também tinham tendência para a teatralidade!), tentando expulsar os “agitadores que tinham terminado com o belo sossego daquele recanto”. Nada feito. O público dava todo o apoio para nós refilarmos, e não perdíamos a ocasião…
Resultado: no fim do espectáculo, havia debate e convidavam-se eventuais interessados em aderir ao trabalho de teatro. Uns, ficavam a organizar um grupo nesse local, e para isso, um dos elementos do “Teatro Operário” reservava umas noites por semana para dar o primeiro empurrão aos novos artistas. Outros, mais livres, aderiam ao “Teatro Operário” e passavam a fazer parte do grupo.
Novos grupos na periferia
Em seis meses criaram-se dois grupos nos arredores, e o grupo passou de cinco para 17 elementos. E, ao mesmo tempo, deram-se 40 espectáculos.
Convém informar que toda esta gente não recebia nenhum subsídio da Secretaria de Estado da Cultura, nem de nenhum partido político nacional ou estrangeiro; os espectáculos eram gratuitos, e todas as despesas eram suportadas militantemente por cada elemento do grupo; convém também informar que isto não era nada de excepcional, dado que todos os elementos eram trabalhadores com salário garantido. (E os desempregados, que também havia, eram ajudados como calhava, pelo colectivo)
Lá diz o povo, “quem corre por gosto, não cansa”. Mas isso já é outra conversa.
18 DE JANEIRO DE 1934
Este foi o título do 2º espectáculo, já seguindo a linha da tentativa de criação colectiva.
Porquê procurar a “criação colectiva”?
Porque nenhum de nós tinha experiência suficiente para definir uma linha dramatúrgica ou estética, e fundamentalmente porque o trabalho no teatro tinha também objectivos pedagógicos (melhor dizendo, de politização, de tentativa de criar futuros militantes anti-fascistas).
E foi assim que se escolheu estudar essa data do movimento revolucionário português, um acontecimento único: os operários da Marinha Grande, reagindo contra a fascização dos Sindicatos ordenada por Salazar, prenderam a Guarda Republicana e o chefe dos Correios, e durante algumas horas implantaram o soviete da Marinha Grande!
A repressão foi implacável, e muitos terminaram os seus dias no Tarrafal.
Como se depreende pelo tema e seu resultado, não poderia haver a glorificação cega da acção; mas era necessário, nesses tempos de absoluta passividade partidária e cívica, dar a conhecer marcos da luta popular para que as massas se mobilizassem e começassem a criar a consciência da necessidade da revolta. Mesmo que fossem derrotas.
Começou-se pelo princípio: recolha dos documentos da época, tanto de militantes que tinham participado, como de textos oficiais do Governo, discursos de Salazar, etc.
Seguiu-se a subdivisão do grupo em pequenas equipas, responsáveis pela escrita de cenas previamente discutidas e seleccionadas.
E depois, os ensaios, onde tudo era rediscutido e posto em causa… até à gloriosa estreia em 1971, num centro de apoio ao bairro de lata de Nanterre (Paris).
Nessa altura, já começávamos a ter uma espécie de rede por onde circulávamos com as peças: foyers, casas de cultura, clubes portugueses (que ajudávamos a construir e que, em muitos casos, estavam ligados a igrejas católicas ou protestantes), sindicatos…
Com o 25 de Abril, esta peça teve ampla divulgação com várias montagens em meios Universitários e Associações populares, o que demonstra a verdade do que julgávamos importante: divulgar momentos da História que sempre tinham sido ocultados pelo fascismo.
Com reprodução de reflexões e declarações de Helder Costa