9 de Dezembro, 2024

DOSSIÊ ICE | A crise da guerra e o fim das ilusões, 1941-1958

SEM FRONTEIRAS | 18 de fevereiro 2021 | Dossiê Imprensa Clandestina e do Exílio (Período III)

3 – A CRISE DA GUERRA E O FIM DAS ILUSÕES, 1941-1958

por José Manuel Cordeiro

Após a grave crise por que passou no final da década de 1930 o Partido Comunista virá a ser reorganizado em 1941, reiniciando-se a publicação do Avante! a partir de Agosto desse ano, impresso numa casa da Avenida Capitão Meleças, em Alverca do Ribatejo, onde viviam José Gregório, Amélia Fonseca do Carmo e Joaquim Correia, responsáveis pela produção dos números 1 a 10 da nova série do órgão central do PCP, que por lapso se numerou erradamente como VI Série, em vez de IV Série, desde então sido assumida como tal e tendo tido continuidade na VII Série, iniciada com o 25 de Abril.

A reorganização tinha sido feita à margem do PCP existente – dirigido por Cansado Gonçalves, Vasco de Carvalho, Velez Grilo e Francisco Sacavém –, no qual os reorganizadores não confiavam e suspeitavam de se encontrar infiltrado pela polícia, o que para eles constituía a única explicação para as sucessivas prisões dos dirigentes e militantes do partido.

Dois Avante!

Nesse mesmo mês de Agosto de 1941 inicia-se também a III Série do Avante!, da responsabilidade do partido existente, da qual se publicaram pelo menos três números em 1941 (n.º 1, Agosto, n.º 2, Novembro, e n.º 3, Dezembro), coexistindo a partir de então e até 1945 dois jornais com o mesmo título e ambos reclamando-se constituírem o órgão central do PCP (SPIC), não obstante este tivesse sido suspenso pela Internacional Comunista em finais de 1938.

O partido existente publicará ainda uma IV Série do Avante!, iniciada em Novembro de 1943 com o n.º 10, que dava continuidade à numeração da Série anterior, e que se publicou até ao n.º 20, de Janeiro-Fevereiro de 1945, quando o “grupelho provocatório”, como os reorganizadores denominavam o partido existente, cessou a actividade.

Ainda antes do reinicio da edição do Avante! pelos reorganizadores, estes iniciaram a publicação, a partir de Junho de 1941, a III Série do O Militante: boletim de Organização do PCP, inicialmente policopiado mas que após o n.º 17, de Fevereiro de 1943, passará a ser impresso. A partir do n.º 89, de Dezembro de 1956, haverá uma alteração do subtítulo, passando a figurar como Boletim do Comité Central do PCP.

Em 1941 iniciou-se também a publicação de uma nova série do S.V.I.: boletim de organização do Socorro Vermelho Internacional, pelo menos até ao n.º 16, de Junho de 1943.

Frente antifascista

Em Dezembro de 1943, num momento de viragem da II Guerra Mundial a favor dos Aliados, constituiu-se o Movimento Nacional de Unidade Anti-Fascista (MUNAF), uma organização clandestina com um amplo carácter frentista onde se encontravam representados o Partido Republicano Português, a recém-fundada União Socialista, o Partido Comunista Português, a Maçonaria, o grupo da revista Seara Nova, católicos, monárquicos, anarquistas, personalidades sem filiação partidária, e cujo Conselho Nacional era presidido pelo general Norton de Matos.

O MUNAF desenvolveu uma intensa actividade oposicionista, como se pode apreender pelos inúmeros títulos de imprensa que publicou a partir de 1944, entre os quais a Voz do Povo: integrado nos objectivos do Conselho Nacional Anti-Fascista – a partir do n.º 5 (?) o subtítulo foi alterado para “Contra o fascismo, pela democracia” –, o qual se publicou pelo menos até ao n.º 31, de Julho de 1946, o jornal Libertação Nacional: porta-voz do Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista, que se iniciou em Novembro de 1944 e cujo último número conhecido é o de Setembro de 1948 (Ano III, n.º 2).

Eleições

Com o aproximar do fim da II Guerra Mundial começaram a editar-se inúmeros jornais de carácter anti-fascista. No ambiente de entusiasmo suscitado pelo final do conflito e a derrota do nazismo, ao qual se somavam as manifestações que vitoriavam os Aliados, o movimento grevista, e a reclamação de Eleições Livres, o regime assumiu uma postura defensiva, tanto mais que se encontrava momentaneamente isolado no plano externo.

Neste contexto, em Agosto de 1945, Salazar prometeu eleições livres, “tão livres como na livre Inglaterra”, declaração hipócrita, mas que foi de imediato aproveitada por um sector importante da Oposição para forçar a constituição de uma organização legal, o Movimento de Unidade Democrática (MUD), em Outubro de 1945, inicialmente tolerado pelo regime, mas que terminou após a campanha eleitoral do general Norton de Matos, em 1949.

O MUD contou com o apoio dos republicanos, socialistas, comunistas, anarquistas, católicos independentes e de alguns monárquicos, vindo a adquirir muito rapidamente um carácter de massa, principalmente nas cidades, onde as respectivas comissões difundiam variada propaganda contra a ditadura, atraindo à acção anti-fascista largos sectores da população.

Tal como se verificara com o MUNAF – que manteve a sua acção, em simultâneo, ainda durante algum tempo – o MUD desenvolveu uma intensa actividade editorial, com a publicação de diversos boletins e jornais.

Jovens

A actividade editorial do MUD foi, de facto, particularmente prolífera, o que também traduzia a ampla aceitação da organização por vastos sectores da população e, particularmente, da juventude, conduzindo à criação do MUD Juvenil em Abril de 1946, o qual chegou a agrupar mais de 20 000 jovens, entre a sua fundação e 1948, quando foi ilegalizado.

A fim de congregar o maior número de jovens e ampliar a actuação do MUD Juvenil, o PCP decidiu dissolver a FJCP nesse ano de 1946, passando os seus militantes a actuar no âmbito da nova estrutura juvenil. O MUD Juvenil desempenhou um importante papel na mobilização e organização dos jovens para a resistência ao fascismo, uma experiência que marcou fortemente todos os que nele participaram.

A sua produção editorial foi intensíssima, mesmo após a ilegalização, com inúmeros boletins publicados em várias localidades do país – Lisboa, Porto, Braga, Faro, Setúbal, Barreiro, Região Norte, Região Oeste, Alentejo, Distrito de Faro –

destacando-se o MUD Juvenil: Boletim da Comissão Central, cujo primeiro número surgiu em Agosto de 1946, tendo-se editado, pelo menos, até Agosto de 1949, não obstante a feroz perseguição que o regime lhe moveu, vindo a ilegalizá-lo em 1948.

Novos jornais

Com o objectivo de multiplicar as acções de massas que contribuíssem para a desagregação do regime, após a II Guerra Mundial o PCP criou um conjunto de novos jornais, para diversas frentes de luta, como O Camponês – tendo o seu cabeçalho sido desenhado por Álvaro Cunhal –, dirigido aos operários agrícolas do Sul, cuja publicação se iniciou em Maio de 1947, tendo sido editados 122 números, até Junho de 1969, O Ferroviário (1956), para os operários dos caminhos de ferro, e a União no Andaime(1957) para os trabalhadores da construção civil.

Para o mundo rural, lançou O Camponês das Beiras, destinado aos camponeses dessa região, iniciado em Setembro de 1947, mas do qual não são conhecidos exemplares, A Terra, para os pequenos e médios agricultores do Norte e Centro, que conheceu duas Séries, a primeira com início em Janeiro de 1949, da qual não se conhece quantos números foram publicados. Para os sectores operários lançou, em Junho de 1955, O Corticeiro, que se publicou até ao n.º 44, de Janeiro de 1967.

A reorganização do Partido Comunista Português em 1941 dotou-o de um bem estruturado aparelho clandestino que lhe permitiu desenvolver uma actividade regular até ao 25 de Abril e fazer face às contínuas investidas da PIDE.

Um dos aspectos que nos revela a preocupação que a partir de então foi prestada ao aparelho partidário, conferindo-lhe uma melhor estrutura, traduz-se na criação de publicações internas destinadas a quebrar o isolamento dos militantes clandestinos e reforçar-lhes o ânimo nas difíceis condições que defrontavam.

Assim, em Janeiro de 1946 surgiu o 3 Páginas, “boletim interno para as camaradas das casas do Partido”, com o objectivo melhorar o nível político e cultural das militantes clandestinas das casas ilegais, o qual será publicado, embora com algumas interrupções, de Janeiro de 1946 a Janeiro de 1956, num total de 68 números, e que entre outras contou com Maria Helena Magro, como redactora.

A caixa de fósforos

Em 1956, a responsabilidade do boletim passou para Margarida Tengarrinha, que o transformou no A Voz das Camaradas das Casas do Partido, dirigindo-o desde a sua criação até 1960. Maria Helena Magro, foi outra das redactoras, usando o pseudónimo de “Manuela”.

O novo boletim tinha como objectivo estimular o estudo, aumentar o nível cultural e político das funcionárias do partido e encorajá-las a escrever, para além de divulgar uma troca de experiências, ajudando a quebrar o isolamento da clandestinidade.

Publicava também cartas e dava conselhos práticos. Margarida Tengarrinha celebrizou o pseudónimo “Leonor” com um artigo sobre a importância das funcionárias terem uma caixa de fósforos junto aos documentos, para que estes fossem rapidamente queimados em caso da casa ser assaltada pela PIDE (n.º 41, Maio de 1956).

Dando continuidade a um objectivo que já tinha concretizado na década de 1930 com a criação da Liga dos Amigos da URSS, o PCP lançará em 1958 um novo boletim para divulgar a realidade da União Soviética, o Portugal-URSS, o qual se publicou até 1960, cujo cabeçalho foi concebido por José Dias Coelho.

No ambiente de Guerra Fria que marcou o final da década de 1940 e se prolongou pela seguinte, e no contexto de divisão que a mesma instalou no seio da Oposição entre os comunistas e os não comunistas, o PCP procurou combater a ruptura existente com os outros sectores oposicionistas e evitar o seu isolamento através da criação do Movimento Nacional Democrático (MND), que surgiu no Porto em 13 de Fevereiro de 1949 aproveitando as estruturas de apoio à candidatura de Norton de Matos que não tinham aceitado a dissolução determinada pelo candidato, o qual contou com a participação de Rui Luís Gomes – que foi seu Presidente – e Virgínia de Moura, entre outros. O MND publicou diversos boletins, entre os quais o Unidade!, boletim da sua Comissão Central, que se publicou entre Junho de 1951 e, pelo menos, Agosto de 1953.´

Legal só no exílio

O rompimento da unidade antifascista levou a que outros sectores da Oposição, ensaiassem a criação de organizações legais, como foi o caso da Causa Republicana, em Novembro de 1954, promovida pelo Eng.º Cunha Leal, Dr. Eduardo Ralha, Dr. Adão e Silva, Dr. Rodrigues dos Santos, Dr. Gustavo Soromenho, entre outros, que publicou o boletim Causa Republicana (sendo on.º 5, de Fevereiro de 1956 o único conhecido), mas cuja legalização veio a ser proibida pelo regime em Junho de 1955.

A única possibilidade de editar imprensa legal era no exílio, onde surgiu em Julho de 1956 o Portugal Democrático, fundado por um núcleo de portugueses emigrados e de oposição ao salazarismo residentes em S. Paulo, tendo publicado 205 números até 1975, ou o Portugal Livre, editado igualmente em S. Paulo, que se editou entre 1959 e 1961.

A corrente anarquista, bastante debilitada, ensaiou durante este período uma tentativa de reorganização, tendo publicado entre 1947 e 1949 uma V Série da A Batalha, com o subtítulo órgão Confederação Geral do Trabalho aderente à Associação Internacional dos Trabalhadores, num total de doze números.

José Manuel Lopes Cordeiro, autor do artigo Imprensa clandestina e do exílio 1926-1974 (sendo o texto acima publicado um excerto correspondente ao período específico de 1941-1958).

Artigo anterio do tema pelo autor | Imagens, fonte @ JM Cordeiro

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