DOSSIÊ ICE | O terramoto Delgado e a contestação da guerra colonial, 1958-1968
SEM FRONTEIRAS | 19 de fevereiro | DOSSIÊ Imprensa clandestina e do exílio (Período IV)
4. O “TERRAMOTO DELGADO” E A CONTESTAÇÃO DA GUERRA COLONIAL, 1958 – 1968
por José Manuel Cordeiro
A candidatura do general Humberto Delgado à presidência da República em 1958, não obstante as suas posições conservadoras e o facto de provir das fileiras do Estado Novo, desencadeou uma enorme corrente de entusiasmo popular, com grandes manifestações de rua, que desafiaram a repressão imediatamente desencadeada pelo regime.
A estrondosa fraude que constituiu o acto eleitoral lançou o Estado Novo numa crise de que não mais se recomporá. Com o exílio do general e a actividade oposicionista que passou aí a desenvolver, assim como do de Álvaro Cunhal após a fuga da prisão de Peniche em Janeiro de 1960 e o empenho do PCP em recuperar a tradicional linha da “unidade” com os sectores liberais, criaram-se condições para a formação, em Dezembro de 1962, da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), com base nas Juntas de Acção Patriótica (JAPs) e na Junta Patriótica Central, que tinham sido constituídas em Portugal nos finais de 1959.
A imprensa da FPLN
A FPLN veio a estabelecer-se em Argel, beneficiando do auxílio proporcionado pela recém-independente República Popular Democrática da Argélia, então um dos principais centros da luta anti-imperialista. No ambiente político pós 1958, o PCP começou publicar jornais que correspondessem às novas necessidades da luta anti-fascista, como o Boletim de Informação Política, com seis números publicados entre Março de 1959 e Março de 1960, mas será a imprensa da FPLN a que conhecerá maior expressão, com mais de três dezenas de títulos editados durante toda a década de 1960, até 1971, uma boa parte deles publicados no Exterior, nomeadamente em Argel.
Em Abril de 1961 iniciou-se a publicação do Tribuna Livre, órgão nacional das Juntas de Acção Patriótica, de que se editaram cinco números até Fevereiro de 1962, e em Novembro surgiu o Amanhã. Jornal de Jovens para todos os Jovens. Ao Serviço das Juntas Patrióticas da Juventude, que conheceu dez números até Maio de 1965 e cujo cabeçalho foi desenhado por José Dias Coelho, para além do Jovens Livres, órgão das Juntas de Acção Patriótica da Juventude do Norte, de que se conhecem dois números de 1963 e 1964.
No Exterior, para além da Argélia, começou a publicar-se, em 1961, O Emigrante Democrático, órgão da Junta Patriótica Portuguesa de Caracas, Venezuela, que tinha sido constituída em Fevereiro de 1959 e era presidida pelo Eng.º Júlio da Costa Mota e por Sérgio Alves Moreira, e no ano seguinte o Tribuna de Portugal, órgão da Frente Antitotalitária de Portugueses Livres no Exílio, fundada por Henrique Galvão em São Paulo, e do qual se editaram oito números em 1963. Publicaram-se, ainda, desde 1961, a Oposição Portuguesa, órgão do Movimento Democrático de Liberación de Portugal y sus Colónias, de Caracas, Venezuela, e o Portugal Livre, em Montevideu, Uruguai, com seis números durante os anos de 1961 e 1962.
Argel
Em 1963 começou a ser publicada A Verdade, órgão das Juntas Patrióticas do Norte, com nove números entre Abril desse ano e Setembro de 1965. Em Argel, a FPLN iniciou a publicação do JAPPA, boletim da Junta de Acção Patriótica dos Portugueses da Argélia, com seis números durante o ano de 1964, e em Portugal o Unidade e Acção, da Comissão Executiva da Junta Central, do qual se editaram três números em 1964. Em 1965 começou a publicar-se o Boletim de Informação da Frente Patriótica de Libertação Nacional, que teve também edições em francês e italiano editadas em Argel – que se publicou até 1969 – onde a partir de 1966 também era publicado Liberdade, o órgão da FPLN, que contou com a colaboração, entre outros, de Manuel Sertório, Pedro Ramos de Almeida, Manuel Alegre, Fernando Piteira Santos, Manuel Teixeira Ruela, A. Garcia e Miguel Urbano Rodrigues e se editou até Outubro de 1969, entre muitos outros títulos, alguns de existência efémera, igualmente da responsabilidade da FPLN.
A guerra
O início da guerra nas colónias africanas em 1961 reflectiu-se no surgimento de jornais de carácter anti-colonial, publicados não só no interior do país como no exílio, por jovens que recusavam a incorporação militar. Em Janeiro de 1960, o PCP iniciou a edição do Tribuna Militar, órgão da Comissão de Unidade Militar, do qual se publicaram pelo menos dez números, até Agosto de 1961, e em 1963, do Jornal Anti-Colonial. Pela Paz e Auto-Determinação dos Povos Coloniais, que conheceu onze números, até Janeiro de 1969, assim como o Boletim da Paz. Para a Paz Internacional, Pelo Desarmamento Geral, Para a Paz em Angola, Pela Autodeterminação, do qual se conhecem quatro números, de 1963 e 1964. Em 1966 surgiu o Passa Palavra, que conheceu dois subtítulos, órgão dos Militares da FPLN e Jornal do Soldado Português • Contra a Guerra Colonial, e que se publicou até Julho de 1968.
Sectores sociais e profissionais específicos
Nos finais da década de 1950 o PCP prosseguiu a edição de jornais dirigidos a sectores sociais e profissionais específicos, com a publicação, de Maio de 1963 a 1974, da II Série da A Terra, para os pequenos e médios agricultores do Norte e Centro – que veio substituir O Lavrador do Norte, publicado desde 1961 –, num total de 34 números, e A Folha da Pequena Lavoura, que se publicou entre 1962 e 1965.
Para os sectores operários lançou em 1962 o Unidos e Firmes, para os trabalhadores do Porto e arredores, e O Têxtil, principalmente para o operariado das fábricas algodoeiras do Grande Porto, Bacia do Ave e dos lanifícios da Serra da Estrela (Covilhã, Gouveia, Tortosendo, Manteigas, Unhais da Serra, etc), inicialmente policopiado, mas que passou a ser impresso a partir do n.º 3. O jornal publicou-se com regularidade entre Janeiro de 1956 e Março de 1974, com excepção de um intervalo de cerca de quatro anos, entre o n.º 60, de Novembro 1967, e o n.º 61, de Maio 1971, dando início, incorrectamente, a uma 2.ª Série, uma vez que manteve a numeração sequencial.
Em 5 de Dezembro de 1958, a tipografia onde era impresso sob a direcção de Agostinho Saboga e sua mulher Lucinda Saboga, em S. Mamede de Infesta, foi assaltada pela PIDE, o que, contudo, não interrompeu a edição do jornal. Margarida Tengarrinha foi uma das responsáveis pela sua elaboração.
Entre 1971, quando O Têxtil voltou a ser de novo publicado após um interregno de quatro anos, e 1973, foi impresso numa das últimas tipografias clandestinas que a Direcção da Organização Regional do Norte do PCP tinha instalada em Rio Tinto, na Rua Eça de Queiroz, n.º 112, sob a direcção de Joaquim Rafael e da sua companheira Catarina Machado, onde também era impressa A Terra. Merece também destaque, pela sua regularidade, o Boletim dos Trabalhadores da CUF, do qual se editaram pelo menos 23 números entre Julho de 1963 e Maio de 1967, e ainda O Trabalho, boletim do Movimento Sindical Anti-Fascista Português, que publicou 17 números entre Março de 1966 e Abril de 1973.
Corrente marxista-leninista, ou maoista.
As transformações ocorridas na sociedade portuguesa a partir do inicio da década de 1960, decorrentes da entrada de Portugal na EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre –, a emigração massiva para os países europeus e o início da guerra colonial, provocaram também alterações no panorama político da Oposição, até então hegemonizada em grande parte pelo PCP, com o surgimento de novas correntes de opinião e novas organizações políticas.
Nos finais de 1963, em consequência do conflito sino-soviético, ocorreu uma cisão no PCP – protagonizada por Francisco Martins Rodrigues, membro do Comité Central no interior do Pais – que no início do ano seguinte deu origem à Frente de Acção Popular (FAP) e ao Comité Marxista-Leninista Português (CM-LP), o qual irá estar na base da constituição da denominada corrente marxista-leninista, ou maoista.
A FAP irá publicar o Acção Popular, do qual se editaram oito números entre Junho de 1964 e Fevereiro de 1966, e o CM-LP a revista teórica Revolução Popular, com seis números publicados entre Junho de 1964 a Dezembro de 1965. A FAP publicou também o Estudante Revolucionário, que conheceu cinco números entre Junho e Agosto de 1965.
Exílio
A repressão exercida sobre estas organizações e que as desmantelou por completo no interior do país obrigou os seus membros que não foram presos a exilarem-se, onde passaram a editar a sua imprensa, nomeadamente O Proletário, o novo órgão do CM-LP, do qual se publicaram oito números entre Maio de 1967 e Maio de 1968, A Centelha, órgão do CM-LP para o Exterior, que conheceu doze números entre Janeiro de 1968 e Maio de 1969, e ainda o boletim de organização O Novo Militante, que começou a publicar-se em Junho de 1967.
Em Novembro de 1964 surgiu a Acção Socialista Portuguesa (ASP), fundada em Genebra por Mário Soares, Manuel Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa, que terá como jornal o Portugal Socialista, editado em Itália, do qual se publicarão 36 números, de Maio desse ano a Maio de 1973.
Outras novas correntes
A diversificação das correntes de oposição ao regime ocorrida na década de 1960, tanto em Portugal como no Exterior, onde a emigração e a juventude que recusava a guerra colonial engrossavam de ano para ano, traduziu-se também na criação de vários movimentos e grupos, que procuraram adoptar uma nova prática política e acompanhar a evolução das profundas transformações, assim como os acontecimentos que marcaram aquela década.
É o caso da corrente dos católicos progressistas, que em 1963 iniciará a publicação do Direito à Informação, dinamizado pelo casal Maria Natália e Nuno Teotónio Pereira, do qual se publicaram 18 números até Julho de 1969.
Na sequência da crise da Universidade de Lisboa de 1962, surgiu o Movimento de Acção Revolucionária (MAR), integrando, entre outros, José Medeiros Ferreira, Vítor Wengorovius, Manuel de Lucena, João Cravinho, Nuno Brederode dos Santos e Vasco Pulido Valente, que publicará diversos boletins, entre os quais o Acção Revolucionária, primeiro em Argel onde vários dirigentes do MAR estavam exilados (tendo integrado a FPLN) e a partir de Setembro de 1965 em Portugal (7 números de 1964 a 1966).
Em Novembro de 1967 surgiram em Paris os Cadernos de Circunstância, uma revista teórica fundada por Alfredo Margarido, Aquiles de Oliveira, Fernando Medeiros, João Rocha, José Porto e Manuel Villaverde Cabral, aos quais se juntaram Alberto Melo e José dos Santos e, depois, Jorge Valadas, Hipólito dos Santos, João Freire e José Maria Carvalho Ferreira, entre outros, que publicou sete números até Março de 1970.
José Manuel Lopes Cordeiro, autor do artigo Imprensa clandestina e do exílio 1926-1974 (sendo o texto acima publicado um excerto correspondente ao período específico de 1958-1968).
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