DOSSIÊ ICE |Portugal Democrático: a voz dos exilados portugueses no Brasil
SEM FRONTEIRAS | 24 de fevereiro 2021 | Dossiê Imprensa clandestina e do exílio | Aprofundamento temático – Portugal democrático
Portugal Democrático: a voz dos exilados portugueses no Brasil
Isabel Travancas
O jornal Portugal Democrático foi criado em 1956 em São Paulo por opositores à ditadura de Antônio de Oliveira Salazar – uma das mais longas do século XX – exilados no Brasil. O regime autoritário durou quase 40 anos (1926-1974), foi denominado Estado Novo e tinha como característica ser um Estado policial e repressor que não lutou contra o analfabetismo, nem estimulou a modernização do país. O periódico encerra suas atividades em 1975, um ano depois da Revolução dos Cravos e da volta da democracia ao país (TRAVANCAS, 2020)
Os exilados portugueses no Brasil (PAULO, 2006-2007) fundaram o jornal com o intuito de divulgar o governo ditatorial de Salazar e lutar à distância pelo seu fim. Estes exilados, em sua maioria homens, faziam parte de distintas correntes ideológicas e diferentes projetos políticos. Eram comunistas, socialistas, republicanos liberais e até monarquistas que vieram para o Brasil fugindo da perseguição da ditadura salazarista. Este grupo criou outros veículos como o Portugal Livre, a Semana Portuguesa, Oposição Portuguesa e Duas Bandeiras. Entretanto, o Portugal Democrático se destaca, entre outros aspectos, pela sua longa duração. Foram 205 edições no formato tabloide em três décadas de existência. Ele reunia seções, artigos, reportagens, poesias, desenhos, entrevistas, todos tendo sempre o mesmo foco. O periódico era mensal e tinha tiragem de cerca de 3 mil exemplares.
Em comum a identidade de exilados
O perfil de seus colaboradores era diversificado incluindo intelectuais, artistas, jornalistas, escritores, operários, técnicos, vendedores, advogados, torneiros mecânicos, engenheiros, comerciantes, além de militantes e voluntários. Se seu perfil profissional e político era variado, eles tinham em comum a identidade de exilados. E essa identidade demarcava uma distinção entre eles e os emigrantes que, além de serem em maior número, eram, em sua grande maioria, salazaristas.
A lista de pessoas que colaboraram com o jornal é vasta – mais de 50, alguns afirmam terem sido mais de 100 – e incluí não só portugueses exilados, mas também um número expressivo de intelectuais, artistas e políticos brasileiros. O grupo português reuniu nomes como: Miguel Urbano Rodrigues, Victor da Cunha Rego, Joaquim Barradas de Carvalho, Antônio Bidarra da Fonseca, Joaquim Quitério, Joaquim Duarte Baptista, Joao Sarmento Pimentel, Jaime Cortesão, Thomas Ribeiro Colaço, João Alves das Neves, Carlos Maria de Araújo, Adolfo Casais Monteiro, Sidônio Muralha e Fernando Lemos que foi do Conselho de Redação. Havia também algumas mulheres como Maria Archer, Maria Antonia Fiadeiro e Manuela Gouveia Antunes.
Democracia ao som da bossa nova
Seu projeto gráfico foi se transformando ao longo do tempo como podemos ver /a seguir na capa de duas edições importantes: o primeiro número do jornal de 7 de julho de 1956, e a última edição do periódico, de março de 1975, que comemora o primeiro aniversário da Revolução dos Cravos.
É importante destacar que o contexto político brasileiro mudou ao longo da história do jornal. No seu início, em 1957, o presidente Juscelino Kubitschek iniciava a construção da nova capital do país – Brasília –. O Brasil vivia uma democracia ao som da bossa nova. Ao longo da trajetória do Portugal Democrático o país foi se modificando. 31 de março de 1964 é a data do golpe militar ocorrido no país. E se, como apontam Santos de Matos e Pereira Gonçalves (2014, p. 233), os exilados portugueses “foram acompanhados e controlados pela Polícia Política”, depois do golpe militar as pressões aumentaram e os dossiês do DOPS/SP – Departamento de Ordem e Política Social de membros do jornal, como Vitor Ramos, são a prova concreta da vigilância aos “comunistas portugueses” no Brasil.
Intelectuais brasileiros
O jornal recebeu o apoio e a colaboração de vários os intelectuais brasileiros como Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Antonio Candido, Álvaro Lins, Lygia Fagundes Telles, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Claudio Abramo e Enio Silveira. E engenheiros e advogados como Octavio Martins Moura, Edson Rodrigues Chaves e Sylvio Band que ocuparam cargos de direção no jornal.
Para Helder Costa, estudante na época do jornal e ligado ao Partido Comunista Português (2003, apud RAMOS, 2005, p. 8) “O Portugal Democrático foi a voz da resistência portuguesa antifascista no exterior”. Ele conta como era o processo de produção do jornal e enfatiza a importância do engajamento dos colaboradores nas diferentes funções que exerciam.
“Os patriotas que o produziam constituíam-se numa equipe de ouro de militância de corpo inteiro e a 24 h por dia, na plenitude do que é editar um jornal em semelhantes condições: escreve-lo, leva-lo à estampa, distribuí-lo pelas bancas, depois empacota-los para expedição, horas a fio, dia a dia e encaminha-los aos Correio com direção de todas as partes do mundo, além de ter pago do próprio bolso as despesas inerentes a tudo isto, quase sem apoios.
Lutar contra o regime salazarista
O Portugal Democrático, durante os quase 20 anos de existência, mudou seu formato e sofreu várias alterações em termos visuais e gráficos, incluindo seu logotipo, mas não mudou o seu perfil político. Ele foi sempre um veículo voltado para um público específico, politizado e intelectual. Pode ser considerado um jornal editorializado na medida em que sua razão de ser era lutar contra o regime salazarista. Não por acaso sua última edição é de 1975 – um ano após a Revolução dos Cravos. Com a volta à democracia em Portugal o jornal perdeu sentido de existir e deixou de circular.
Referências
PAULO, H. “O exílio português no Brasil: “Os ‘Budas’ e a oposição antisalazarista. Portugueses Studies Review, New Hampshire, 14(2), 2006-2007, pp125-142.
RAMOS, U. B. Portugal Democrático: um jornal de resistência ao salazarismo publicado no Brasil. Op. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2005.
SANTOS MATOS, M. I.; PEREIRA GONÇALVES, L.P. (2014). Exílios e resistências antisalazaristas em São Paulo/Brasil. O jornal Portugal Democrático: questões e debates (1958-1975). Projeto História, São Paulo, nº50, pp. 224-246, ago. 2014.
TRAVANCAS, I. “A Resistência no exílio: o Portugal Democrático na voz de seus colaboradores”. Via Atlântica, São Paulo, n. 37, dez. 2020, pp.278-311.
Isabel Travancas
Formada em Jornalismo pela PUC-Rio(1985) é Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS do Museu Nacional-UFRJ(1991) e Doutora em Literatura Comparada pela UERJ. É professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 2008, onde tem atuado como docente e pesquisadora na área de Produção Editorial