DOSSIÊ ICE | Olha O Alarme, jornal dos trabalhadores portugueses!
SEM FRONTEIRAS | 7 de março 2021 | Dossiê Imprensa clandestina e do exílio
O Jornal saía. Ainda com o cheiro forte da tinta de impressão a pairar no ar e já as agendas fervilhavam. Começavam as marcações e a definição dos pontos de encontro.”Às oito da manhã, em ponto, para chegarmos logo no arranque do mercado” confirmava um dos elementos da equipa do sábado de manhã.
“Desta vez vamos para a praceta junto à frente do Monoprix. É aí que pára mais gente e deixamos o cruzamento das avenidas para a semana” a programação continuava e como nos recorda Irene “Assim que saia o jornal era logo informada e ia imediatamente buscá-lo ou alguém trazia-o a casa. Muitas vezes era a Merita, a Shirrah a Christiane ou uma outra camarada. As mulheres eram mais lestas nesta faina!”
O Alarme era vendido em vários lugares. No “Mercado da Abbaye – Grenoble” como relembra Manuel Branco. Christiane Duret Branco completa a informação com o “mercado nos cais, junto ao rio Ródano em Lyon”.
Muita adrenalina e emoção
Teresa Couto era uma vendedora residente no mercado de S. Bruno. Nunca faltava. Esclarece que “o espaço era muito frequentado por portugueses, era sempre um dia de muita adrenalina e muita emoção”. Para a Teresa aquelas vendas eram particularmente importantes “Não só pelo facto da convivência, mas também pelo debate que aí se debatiam todos os problemas do povo português. O “Alarme” não era um jornal qualquer! Pois o seu objetivo era informar e combater as atrocidades cometidas pelo fascismo no nosso país e denunciar a guerra colonial assassina levada a cabo nas colónias africanas”.
Tenho muito orgulho de ter feito parte desta equipa, Teresa Couto
Por sua vez Irene Martins recorda com pormenor a rota de mercados e espaços de venda do jornal.
“Em Grenoble, vendíamos no Mercado público do bairro de São Bruno aonde viviam muitas famílias portuguesas e eu mesma. E noutros bairros como o da” Abbaye” de “Estacad””, e a sua aglomeração como “ST Martin d’Hères, ,” Fontaine”, “Echirolles”, “Sassenage”, ” Seyssins”, “Claix”, “Pont de Claix”. Assim como, em localidades mais distantes, cidades do distrito Grenoble onde também viviam muitos portugueses como Voiron, Tullin, S. Marcelin, Fures,Vinnay, La Tour du Pin, Morestelle”.
As reações dos portugueses
Alguns, segundo Manuel Branco perguntavam “Para onde vai o dinheiro das vendas do jornal ? ” e, afirmavam ainda, com alguma amargura “Eu tive de gramar a tropa e vocês são contra. Porquê ? “.
Branco recorda que “Os vendedores explicavam, alertavam e continuavam em vos alta: COMPREM O ALARME o jornal que fala mal dos patrões”.
Teresa tem memória que as reações não eram lineares e que havia “de tudo um pouco. Por alguns era acolhido com muita esperança, mas havia também pessoas menos informadas que não estavam de acordo, Havia debate intenso!”.
Christiane recorda que
“levava o meu filho numa alcofa e todo o grupo ajudava a tomar conta dele”.
O Alarme de Babel
“Rapidamente organizávamos a venda do jornal. Como eu tinha carro disponível, víamos quem podia ir vender comigo o jornal nos sábados e nos domingos seguintes nos mercados e feiras mais distantes de Grenoble : Tullins, Fures, S. Marcelin” recorda Irene Martins.
“Eu vivia então no Bairro popular de São Bruno onde viviam também muitas outras famílias portuguesas. Assim guardava para mim a venda do “O Alarme” no mercado deste bairro. Gostava muito de o fazer, a maior parte das vezes sozinha, outras vezes com um, ou uma, camarada. Eram momentos de grandes discussões e muitas risadas. Fazíamos tal banzé que outros vendedores de jornais “politicos” sobretudo do Partido Comunista e Luta Operária não conseguiam fazer-se ouvir. Para além dos portugueses, também argelinos, tunisinos, marroquinos vinham ao nosso encontro.
Havia então uma espécie de”comício livre” durante o qual todos falavam diversas línguas e defendiam as suas ideias”
relembrou Irene com muita precisão e rigor.
Tínhamos voz activa
E continuou “Claro que as mulheres portuguesas faziam-se ouvir, destemidas falavam forte e bem, das lutas sociais que defendiam, contra as explorações que sofriam tanto dos patrões como dos maridos que em casa se sentiam como patrões. Era bom podermos falar abertamente da vida de imigrantes, trabalhadoras, mulheres e mães, sentir que juntas, sem medos, tínhamos voz activa, que se fazia ouvir.
Os miúdos corriam por todo o lado, nós não os perdíamos de vista e sentíamo-nos mulheres, alegres e orgulhosas por existirmos como gente grande e livre!
Já tarde, no fim da feira, os homens partiam beber um copo no “bistrot”… e nós as mulheres fazíamos as compras que nos faltavam para irmos para casa fazer o almoço. Levávamos connosco esta alegria e orgulho que nos enchia a vida
Esperávamos assim o sábado e o domingo seguinte.
Os ardinas de paris e o atelier de serigrafia
Para além dos mercados e dos vendedores-militantes outras atividades de produção gráfica era levada a efeito em Paris, com um Atelier especializado em serigrafia que elaborava cartazes pela noite dentro e em condições de semi-clandestinidade. Aqui se reproduzem alguns dos exemplares que depois de imprimidos eram divulgados pelas associações e clubes recreativos da Região de Paris.
Colaboração de Manuel Branco, Teresa Couto, Christiane Branco, Irene Martins e Arnaldo Franco.