Teatro Universitário – Alegria e Resistência dos anos 60 (3)
I – REVISITAR EXPERIÊNCIAS | Teatro Universitário – PORTO (3)
Cidadãos de corpo inteiro
Nesta terceira abordagem ao tema do Teatro na sua relação com o combate à extrema-direita, nos dias de hoje, publicamos a última parte do artigo de Helder Costa sobre o teatro universitário que nos permite revisitar experiências dos anos 60 e refletir sobre processos de auto-organização e sobre as diversas linhas de orientação de projetos que se foram desenvolvendo pelo país fora. Numa primeira parte do artigo publicámos as referências que o autor introduziu sobre Coimbra, numa segunda a.s referentes a Lisboa e terminamos com o PORTO. Carlos Ribeiro | Sem Fronteiras
por Helder Costa, dramaturgo
PORTO
O TEATRO UNIVERSITARIO DO PORTO
È um dos grupos mais antigos do país, tendo sido fundado em 1948.
Com actividade mais intensa durante os anos 60, o Teatro Universitário do Porto – TUP contou com o imprescindível apoio de António Pedro, o pintor surrealista que deixou uma marca inconfundível no teatro português como pedagogo com livros sobre cenografia e como encenador principalmente no Teatro Experimental do Porto.
Além de ter criado cursos de teatro, foram dele as montagens de “Mofina Mendes”, “Auto do Vaqueiro” e outros de Gil Vicente, “O Marinheiro” de Fernando Pessoa, e “ Os Pássaros” de Aristófanes que participou no Festival de Erlangen ( Alemanha) em 1965.
O TUP também contou com o apoio de Deniz Jacinto, o mítico Diabo de Gil Vicente das encenações de Paulo Quintela no TEUC.
Também teve a participação do argentino Augusto Fernandez que dirigiu um espectáculo polémico a partir de Macbeth.
Outro encenador essencial do TUP foi Correia Alves que dirigiu entre outros espectáculos, “ D. Quixote”, um Pirandello , uma notável “ Fuenteovejuna” de Lope de Veja em 1968 e encenou o ultimo espectáculo do período da ditadura : “História de uma boneca abandonada “ de Alfonso Sastre, em Janeiro de 1974.
À semelhança dos outros grupos Universitários, também o TUP foi o berço de alguns nomes com futura relevância artística e cívica: o professor Nuno Grande, Francisco Beja, Vítor Valente, Manuela de Melo, Sérgio Godinho, Mário Viegas …
Mário Viegas
O que existiu de comum na vida dos grupos de teatro dos anos 60?
Os diferentes caminhos de investigação dramaturgica e/ou estética tinham um objectivo : a procura da relação com o publico e a descoberta dos temas que interessavam à sociedade e ao mundo em que se vivia.
O pluralismo das práticas teatrais e o absurdo de uma Censura cega e totalitária, faziam com que qualquer abordagem sobre a responsabilidade colectiva que se inclinava para o comprometimento de acção radicalmente política, ou o outro tipo de espectáculo que se debruçasse sobre os dramas individuais, acabassem por possuir a mesma força de impacto subversivo.
A crise do regime fascista motivada pela guerra Colonial, pela fuga de milhões de emigrantes, desertores e refractários e o isolamento internacional de Salazar, faziam aumentar a contestação nacional. E também o teatro Universitário esteve nessa luta, nas greves estudantis e no aparecimento de espectáculos que se inseriam na técnica de agit-prop, nomeadamente o Cénico de Direito e O Citac.
Tratava – se de um “Teatro de urgência”, sinal de direito e dever cívico.
Foi esse movimento que acabou por fornecer actores, encenadores e dramaturgos que enriqueceram o teatro independente que nasceu pouco antes e após o 25 de Abril : Comuna, Cornucópia, Barraca, Bando, Seiva Trupe, Évora…
É essa linha de trabalho, corajosa pela comunicação e popular pela sua abordagem, que me convenceu, desde sempre, que a animação cultural só será verdadeiramente conseguida com a integrante teatral.
- Porque o grupo de teatro não está a criar exclusivamente gente de Teatro.
- Antes de mais, está a criar pessoas com disponibilidade e curiosidade cultural.
- Está a criar cidadãos de corpo inteiro.
Hélder Costa