Tempos de luta, de adversidade e de esperança
AGENDA | Emídio Santana
Tempos de luta, de adversidade e de esperança.
Por ocasião da emissão da RTP2 de hoje dia 8 de setembro na qual vai passar um documentário sobre Emídio Santana adiantamos através da seleção de Carlos Neves alguns elementos relevantes desta figura incontornável do pensamento e da ação anarco-sindicalista em Portugal.
A primeira sugestão consiste na leitura da Biografia realizada por Helena Pato e publicada no espaço de comunicação Fascismo Nunca Mais.
EMÍDIO SANTANA (1906 – 1988)
Emídio Santana
Emídio Santana é um dos mais destacados lutadores contra o fascismo. Cidadão fundador e militante do anarco-sindicalismo, foi preso por várias vezes e deportado. No dia em que fazia 31 anos, em 1937, participou no único atentado contra o ditador Salazar. Foi julgado e cumpriu 16 anos de prisão. Nem por isso saiu de combate.
1. Nasceu a 4 de Julho de 1906, filho de um serralheiro e mãe doméstica. Estudou na Escola Oficina nº1 no Largo da Graça, e começou a trabalhar aos 14 anos. A seguir ao golpe fascista do 28 de Maio, inicia a sua actividade contra a ditadura e organiza o movimento anarco sindicalista português. É o responsável pelo nascimento de várias tipografias clandestinas onde se imprimiam panfletos contra o regime. Foi membro do Sindicato dos Metalúrgicos, e director do jornal “A Batalha”.
Preso por várias vezes, nomeadamente no forte de Elvas, foi também deportado para os Açores em 1932.
Foi o autor, juntamente com outros camaradas, do único atentado a Salazar, em 1937.
Perseguido e preso em Londres para onde tinha fugido, é julgado e condenado a 16 anos de prisão, que cumpriu na penitenciária de Coimbra até 1953.
Após a sua libertação continuou na luta antifascista.
Ficou conhecido como autor de diversos artigos e ensaios sobre o anarco-sindicalismo e o mutualismo. Militou nas Juventudes Sindicalistas (1924), de que chegou a ser Secretário Geral. No Sindicato Nacional dos Metalúrgicos foi eleito para o Conselho Nacional da Confederação Geral do Trabalho (CGT) portuguesa (1927). Paralelamente, participou em várias iniciativas de movimentos culturais progressistas e do associativismo livre: Universidade Popular Portuguesa (1930), Ateneu Cooperativo (1954), Associação dos Inquilinos Lisbonenses (1964/65) e DECO (Assoc. Portuguesa para a Defesa do Consumidor), integrando o seu núcleo fundador (Fevereiro de 1974).
É co-fundador do Centro de Estudos Libertários e do Arquivo Histórico Social, doado à Biblioteca Nacional em 1985.
Morreu em lisboa a 16 de Outubro de 1988
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2. Num artigo de Jorge Costa (*) fica-se a conhecer e a perceber melhor o percurso de Emídio Santana:
«Relatada nas suas Memórias, a primeira impressão política de Emídio Santana é a greve ferroviária de Junho de 1919. Para evitar as sabotagens das linhas, o ministro Sá Cardoso manda atrelar vagões abertos à frente dos comboios, tripulados por militares, cheios de grevistas presos. O caso corre o país nas páginas d’A Batalha, o jornal da CGT anarco-sindicalista. O mundo do trabalho no Portugal dos anos 20 é dominado pela violência de classe: o ‘trabalho certo’ é privilégio de poucos; em alguns sectores, a jornada de trabalho quase duplica as oito horas legais; noutros, as crianças ocupam até um quarto da mão-de-obra; a esmagadora maioria dos trabalhadores não está abrangido por qualquer sistema de previdência. O anarco-sindicalismo é, desde os alvores da República, a força hegemónica na classe trabalhadora, muito vinculado a sectores profissionais de pequena indústria e serviços, com fortes estruturas sindicais e um imponente sistema de imprensa. “A Batalha” é dos diários mais lidos da capital.
Aos quinze anos, Emídio Santana inscreve-se no sindicato dos metalúrgicos como aprendiz de carpinteiro de moldes, mais tarde desenhador. Torna-se secretário de propaganda das Juventudes Sindicalistas e membro da CGT. A golpes de polícia, a ditadura militar vai preparando a proibição dos sindicatos livres. Santana conhece a sua primeira prisão (sete meses) logo em 1928, com a ilegalização da CGT na sequência das revoltas democráticas de 1927. Sucedem-se os ataques a instalações e jornais operários.
Pouco depois da constituição da Federação Anarquista da Região Portuguesa, Santana é de novo preso e deportado para os Açores, de Fevereiro de 1932 a Agosto de 1934. No seu regresso, o panorama sindical é desolador: ocorrera entretanto o 18 de Janeiro, a última afirmação insurreccional do movimento operário português, e o seu fracasso consuma uma derrota duradoura da oposição operária, com o envio para o campo da morte do Tarrafal de muitos dirigentes sindicalistas, entre os quais o líder anarquista Mário Castelhano e o secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, que ali morrerão. O anarco-sindicalismo resiste mal à repressão. Portugal vive as campanhas de ódio anti-comunista, com sermões na igreja e na rádio. Com o triunfo da Frente Popular nas eleições espanholas de Fevereiro de 1936 e com o pronunciamento militar de Franco, começa a “guerra civil europeia em território espanhol”. Emídio Santana é enviado ao congresso da CNT, o gigante anarco-sindicalista do país vizinho. Ao mesmo tempo que o conflito se adensa em Espanha, torna-se evidente o papel desempenhado por Salazar: em Outubro, Portugal rompe relações com a República espanhola. Enquanto Hitler e Mussolini se empenham com homens, aviões e artilharia, Portugal oferece a preciosa fronteira. A raia torna-se zona de passagem discreta de armamento para os franquistas, enquanto o não intervencionismo das democracias europeias fecha os olhos. Republicanos em fuga são perseguidos pela GNR e dados à morte aos sediciosos de Franco. O salazarismo é um pulmão logístico e diplomático do fascismo em Espanha.
Em 1937, depois de uma onda de atentados em Lisboa contra centros de colaboração com o franquismo, Emídio Santana está no centro da preparação do tiranicídio. A figura de Salazar há muito que se afirmou como o elemento central da ditadura, cujos contornos totalitários são cada vez mais evidentes. Contra o ditador, planeiam para Lisboa um acto da guerra civil europeia que abre caminho à guerra mundial: “se Salazar se sentia autorizado a comprometer o país no conflito espanhol, nós, cidadãos portugueses, na legitimidade dos nossos direitos, tínhamos o dever de opor-nos à vilania da agressão e preferimos a lealdade e a solidariedade”, (in Memórias). A 4 de Julho, há 69 anos, a avenida Barbosa do Bocage estremece com a explosão de uma bomba. Uma enorme cratera abre-se junto ao carro de Salazar, que no entanto escapa ileso. Um erro de posicionamento do petardo desviou a onda de choque e deitou a perder o atentado.
Hitler envia um telegrama felicitando Salazar pelo seu feliz salvamento. As polícias realizam prisões a esmo, torturas e anúncios de sucessos forjados.
Em poucos meses, vários inocentes perdem a vida, pela violência ou pelo suicídio. Para ajudar, Mussolini envia uma delegação da sua polícia política. Emídio Santana será preso só em Outubro, em Inglaterra, ao tentar o exílio, e entregue à PVDE de Salazar. Seguir-se-ão 16 anos de prisão.
Nas suas Memórias, conta como travou, “nos armazéns do Código Penal”, a mais singela das lutas contra a repressão: “sobreviver e ajudar os outros a sobreviver”. E como aceitou o convite – não pouco melindroso para um libertário -, para projectar os melhoramentos da cadeia onde está preso, em Coimbra, substituindo a indigna ala das mulheres, traçando o refeitório antes inexistente.
À saída da prisão, Emídio Santana encontra uma sociedade que mudou profundamente e onde o próprio tecido industrial já não corresponde à estrutura de classe e à cultura política em que o anarco-sindicalismo germinou. O meio libertário está desarticulado e, com os prenúncios do marcelismo, Santana colabora com círculos católicos progressistas e democráticos (intervenções em comícios da CEUD e da CDE, em 1969).
Com o 25 de Abril, participa na “apoteose de emoção colectiva”. A referência libertária de Maio de 68 leva alguns jovens ao grupo que volta a publicar “A Batalha”: “comentaram, criticaram e ridicularizaram tudo numa literatura mural impressionante”. Estes jovens “assumiam todas as rebeldias, sacudiam todos os jugos, mas também todas as obrigações.
Criava-se um vácuo entre gerações”. A tradição libertária no movimento popular estava interrompida. Até à sua morte, em 1988, Emídio Santana nunca cessou de colaborar n’A Batalha e de debater a história do movimento operário português e da resistência anti-fascista.
Nas suas ‘Memórias de um militante anarco-sindicalista’, garante que, mesmo nos períodos mais adversos da sua vida, não perdeu “o sentido do contributo que todos devemos ao futuro”.
Biografia escrita por Helena Pato em colaboração de Teresa Guimarães Rodrigues.
Fontes:
Ler ainda
– Uma descrição de vários acontecimentos no UNIÃO LIBERTÁRIA, assim como algumas fotos. LER
– Três entrevistas feitas por Luís Salgado d e Matos LER