15 de Setembro, 2024

MUNDO | DOSSIÊ Albânia Hoje (7) – 03 de agosto 2022 | DEBATE | Opinião

OPINIÃO | Shqipëria ime (a minha Albânia) 

por Maria do Carmo Gomes

A improvável Tirana 

Fez este ano dez anos em que me mudei para Tirana, a capital da Albânia, por motivos profissionais. Lá fiquei de 2012 a 2016, mais de quatro anos de uma experiência pessoal e profissional intensas e de uma riqueza extraordinária. Da Albânia pouco sabia para além dos fatos históricos a que todos fomos mais ou menos tendo acesso – o regime de Enver Hoxha, a transição iniciada em 1989 e que culmina em 1991, e a lenta abertura e processo de modernização. A Albânia foi sempre um exemplo de um dos países europeus mais fechados devido ao regime comunista de Hoxha, e paradoxalmente, uma agonia para a maioria do seu povo e a glória para alguns dos dirigentes e da elite política do regime. 

Quando cheguei, na Primavera de 2012, fui imediatamente remetida para a ideia longínqua de um Portugal rural e pobre dos anos 60, com alguns sinais da crescente presença de um capitalismo emergente – o parque automóvel, a expansão imobiliária (absolutamente desordenada), a aparente pujante e moderna vida social e económica da capital albanesa.  A lenta transformação do tecido social e económico mesmo no contexto dos Balcãs (em particular dos países provenientes da ex-Jugoslávia) era, no entanto, evidente.  

Para além de Tirana

Sair de Tirana implicava um exercício de retorno ao passado. As estradas esburacadas, inacabadas, sem asfalto… as casas por terminar de construir à medida das remessas dos emigrantes, as aldeias isoladas sem abastecimento publico de água, … e muitas vezes ainda de eletricidade… as populações rurais pobres, esquecidas, isoladas. O contraste com Tirana era evidente. As restantes cidades de media dimensão eram um misto de urbanidade e ruralidade, pobreza e desenvolvimento em curso para alimentar principalmente a indústria da construção e do turismo (principalmente no Sul e na costa). E as perplexidades eram diárias.

Era o pais mais pobre da Europa, a umas escassas centenas de quilómetros da União Europeia, a sul pela fronteira com a Grécia, a norte pela fronteira com a Croácia, a Oeste… a um Adriático de distância de um dos países mais desenvolvidos da Europa, La bella Italia

O caminho para a União Europeia 

Há uns dias atras, a União Europeia abriu as negociações para a adesão da Albânia como Estado-Membro. Ocorre esta decisão no contexto de uma guerra entre a federação Russa e a Ucrânia(uma ex-república da ex-URSS). A história tem sempre estas ironias. Tal como a ex-Jugoslávia ficou pelo caminho e as suas repúblicas não conseguiram a adesão na altura à União Europeia também por causa de uma guerra (neste caso a Guerra dos Balcãs na década de 90), a Albânia e a Macedónia do Norte veem agora este processo iniciar-se após longos anos de condicionalismos, exigências e discussões técnico-políticas, também sem dúvida por causa de um outro conflito que se passa noutra geografia, num outro contexto político. 

Na Albânia, trabalhei sempre no setor da educação, formação e emprego. Coordenei por quase três anos (2012-15) um projeto financiado pela União Europeia para o desenvolvimento destes setores, e fiquei mais um ano e meio como assessora do Ministro do Trabalho e do Bem-estar Social (2015-16). Coincidiu este projeto com o fechar de um ciclo de governação de Sali Berisha (liderado pelo Partido Democrático) e o início do ciclo de Edi Rama (liderado pelo Partido Socialista), que prometia a Rilindja (o renascimento albanês) e a aproximação ao projeto europeu como grandes desígnios nacionais. 

Emprego, educação e formação

O setor da educação e formação passava inevitavelmente pelo ajustamento da transição para a democracia. O setor do emprego passava inevitavelmente pelo ajustamento da transição para o capitalismo.  

Os desafios da transição democrática para o sistema educativo passavam por diferentes aspetos. Apenas para nomear alguns,

  • a massificação do acesso ao ensino superior através da proliferação de estabelecimentos de ensino privados,
  • o acelerado desinteresse e desmantelamento do ensino técnico-profissional (quer pelo caráter obsoleto das infraestruturas, dos equipamentos e das qualificações oferecidas, quer pelo desinteresse dos alunos e famílias por este tipo de ensino que trazia as reminiscências do passado),
  • a fraca qualidade do sistema de ensino e dos resultados de aprendizagem obtidos pelos alunos (corroborados pelos resultados nos testes internacionais como PISA, TALIS),
  • a corrupção endémica em todos os serviços públicos albaneses que permite o acesso e os resultados mediante contrapartidas financeiras,
  • o controlo politico dos dirigentes escolares em todo o sistema público, e por fim,
  • uma oferta de formação profissional continua totalmente desajustada, desatualizada e, muitas das vezes, fictícia. 

Desafios económicos

Os desafios económicos não eram menores. Para começar, a predominância do setor informal da economia e omnipresente desregulação das relações laborais, os monopólios económicos crescentes, a debilidade das micro e pequenas empresas de base familiar e maioritariamente no setor do comércio e dos serviços, a especulação do setor da construção e imobiliário, a crescente presença e dependência do setor do turismo, a dependência industrial. 

E, para alem de todos estes elementos de transformação, a pirâmide demográfica a inverter-se e a transição digital como uma realidade inexorável. 

Era esta a Albânia de 2012, aos meus olhos e nos relatórios que ia lendo. 

Os desafios estratégicos na educação, formação e emprego 

Uma das minhas responsabilidades foi apoiar o governo albanês a preparar uma Estratégia Nacional para as Competências e o Emprego, para o período 2014-2020. Esse documento, aprovado em Conselho de Ministros de Novembro 2015, delineou uma visão para os setores da educação, formação e emprego, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, identificou as prioridades estratégicas e foi complementado por um plano de ação com medidas concretas a serem aplicadas.  

Foram quatro os pilares em que esta estratégia assentava:

  • 1. Promover o trabalho digno através de medidas de emprego eficazes;
  • 2. Oferecer educação e formação de qualidade a jovens e adultos;
  • 3. Promover a inclusão social e a coesão territorial; e
  • 4. Reforçar os mecanismos de governo do mercado de trabalho e do sistema de qualificações. 

Dada a sua abrangência, esta estratégia acabou por ser o principal documento de referência para o desenvolvimento destes setores, para os apoios da União Europeia e outros doadores internacionais, e está atualmente ainda em vigor. 

Novo ciclo de planeamento

Tenho regressado com muita frequência à Albânia pelas funções que desempenho atualmente. E na minha última missão ao país, em Abril de 2022, fui convidada para ser oradora na conferência nacional sobre o futuro da educação, na qual se iniciou a preparação do novo ciclo de planeamento estratégico. Os desafios permanecem gigantescos. Se, por um lado, verificaram-se muitos avanços no plano legislativo, regulatório e institucional – os chamados mecanismos de governação (ou governança) do setor – as áreas em que menos se avançou foram exatamente as que ligam o mundo da educação e da formação ao mundo do trabalho, a coesão social e territorial, e em certa medida, garantir a qualidade dos resultados de aprendizagem em todos os níveis de ensino e setores de educação-formação. 

O novo ciclo promete um foco e atenção maior a participação dos parceiros sociais e do setor privado, em particular, na regulação, na definição e na promoção da oferta educativa e formativa. Promete também olhar para os territórios rurais, mais pobres e com populações mais vulneráveis social e economicamente e garantir que os mecanismos de promoção da igualdade de oportunidades começam a fazer o seu caminho, e que a igualdade mais que uma condição de partida, é uma condição de chegada.

Promete ainda criar condições mais favoráveis para os jovens albaneses que pretendem estudar, trabalhar e viver no seu país, travando o êxodo massivo de pessoas em idade ativa que se tem verificado nos últimos anos.  

E, finalmente, promete que aos adultos em idade ativa sejam permitidas oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional e proporcionadas oportunidades de aprendizagem ao longo da vida.

A maioria dos albaneses não acredita que a escola publica e o sistema de ensino público tenha a qualidade necessária para as ambições enormes dos seus filhos que são europeus e querem ser cidadãos europeus de pleno direito.  

O estado albanês democrático, livre e promotor de uma economia de mercado deve-lhes isso! Que o tempo de um desenvolvimento económico equilibrado e justo, e da igualdade de oportunidades para todos e cada um, seja a Shiperia Ime!!! E que em breve possamos dizer “Mirësevini” à União Europeia! 

Fotos © Maria Garmo Gomes

Maria do Carmo Gomes, Investigadora Associada, CIES-IUL-ISCTE, ex-vice- Presidente da Agência Nacional para as Qualificações, atual Coordenadora/Perita da Fundação Europeia para a Formação para um programa integrado nos diversos países dos Balcãs.

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