Alípio de Freitas, caminhante por terras de luta e esperança
Faria no dia 17 de Fevereiro de 2024, 95 anos
Foi padre português, revolucionário brasileiro, cooperante em Moçambique. Privou com os grandes do mundo em Moscovo e partilhou a vida dos camponeses no Nordeste brasileiro.
Alípio Cristiano de Freitas nasceu em 1929, em Trás-os-Montes. Ordenado padre em 1952, desde logo quis viver junto das comunidades a quem se dirigia. Instalou-se primeiro junto dos camponeses pobres na Serra de Montesinho.
Paulo Esperança com Alípio de Freitas com Zeca Afonso por perto.
Foi depois para o Brasil, a convite do arcebispo do Maranhão. Deu aulas na universidade e fundou uma paróquia. Queria ser entendido e recusou dizer missa em latim. Disse-a depois em português, desafiando uma Igreja que ainda tinha que adoptar as decisões do Concílio Vaticano II.
Mas a mensagem nada valia sem a acção: Alípio de Freitas empenhou-se em organizar a criação de uma escola e de um posto médico. Envolveu-se na luta política e apoiou a candidatura de Miguel Arraes ao governo do Estado de Pernambuco, numa ampla coligação de comunistas, trabalhistas e social-democratas. Essa ousadia valeu-lhe um primeiro sequestro por um grupo paramilitar e detenção durante mais de um mês à ordem do Exército.
A detenção não o intimidou, antes fomentou a sua determinação. Naturalizou-se brasileiro e, ao lado de Francisco Julião, tornou-se co-fundador das Ligas Camponesas. Organizou a ocupação de latifúndios no que era um sinal precursor do actual Movimento dos Sem Terra.
Depois de ter enterrado vários desses pacíficos ocupantes de terras, Alípio cada vez mais se foi decidindo a organizar a auto-defesa do movimento: pistoleiros e mandantes deveriam doravante recear as consequências dos seus crimes. Viria a ser citado anos mais tarde com o apelo: “Trabalhadores, ontem ensinei-vos a rezar e hoje aqui estou para ensinar-vos a pegar em armas e lutar”.
Com o golpe militar de 1964, o ex-padre partiu para Cuba, onde recebeu instrução de guerrilha. Antes, em 1962, estivera na URSS, para participar no Congresso Mundial da Paz. Aí conheceu o dirigente soviético Nikita Kruchev, o poeta chileno Pablo Neruda e a lendária dirigente espanhola Dolores Ibarruri.
Na clandestinidade, foi dirigente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores e da Acção Popular. Em Maio de 1970 foi preso e sujeito a intensa tortura. Recusou sempre prestar declarações e apenas deveu a vida à ampla campanha de solidariedade internacional de que foi alvo. Nessa campanha inscreve-se a canção que lhe dedicou José Afonso, no álbum Com as Minhas Tamanquinha, faixa 10..
Libertado em 1979, após várias intervenções da diplomacia portuguesa, foi viver para Moçambique, e pôs a sua experiência nas Ligas Camponesas ao serviço da reforma agrária no novo país lusófono. Foi alvo de um atentado dos serviços secretos sul-africanos, que, por engano, vitimou um companheiro da mesma cooperativa onde trabalhava.
Regressou a Portugal ainda na década de 1980, tendo trabalhado na RTP até 1994. Foi co-autor de vários programas (“Fim de Semana”, com Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho e José Nuno Martins, “À Procura do Socialismo”, com Mário Lindolfo). Foi também eleito para a Comissão de Trabalhadores da RTP. Em Lisboa foi fundador (1993-94) da Casa do Brasil. Fundador, em 2004, da Casa Grande do Brasil, no Seixal, associação que atende às necessidades e interesses das comunidades brasileiras na margem esquerda do Tejo (Almada e Seixal).. A partir de 1999 foi professor convidado na Universidade Lusófona de Lisboa. Membro do Tribunal Mundial do Iraque. Divulgador e promotor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Portugal. Registou a Associação Lisboa – Ponto de Cultura, com o objectivo de promover as relações interculturais na cidade. Foi Presidente da Direcção da Associação José Afonso.