17 de Março, 2025

Quem são os eleitores da extrema-direita?

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«Nem suficientemente ricos, nem suficientemente pobres»

Artigo no Le Monde Diplomatique | Edição portuguesa

Benoît Bréville

Um partido capaz de conquistar oito milhões de votos em vinte anos? Dá que pensar. Qual é a receita da Reunião Nacional (RN) em França? E em que consistem os seus ingredientes ideológicos ou sociológicos? Várias publicações recentes contribuem com preciosas respostas para estas e outras questões.

questão suscitou tantos livros, colóquios e teses que poder-se-ia pensar que está resolvida. Quem vota na extrema-direita, e porquê? Desde os seus primeiros sucessos há quarenta anos, a Frente Nacional (FN), que em 2018 se torna Reunião Nacional (RN), é «incontestavelmente o partido político francês mais estudado ao longo das últimas décadas», observa o cientista político Alexandre Dezé. Entre 1980 e 2017 foram-lhe dedicados não menos de 210 livros (1). E o fluxo continua. Como interpretar as lógicas territoriais da sua implantação? Será a sua ascensão um testemunho de uma direitização do país? Serão os seus eleitores principalmente animados por considerações sociais ou por preocupações culturais?

Os eleitores da RN não justificam o voto da mesma maneira, nem manifestam a mesma adesão a este partido; as suas motivações variam consoante os seus percursos biográficos, a idade, a origem social, profissional, geográfica… Dever-se-á então falar «dos» eleitores da RN, de tal forma este partido penetra em todos os terrenos. Nas eleições europeias de junho de 2024, a lista liderada por Jordan Bardella ficou em primeiro lugar em todas as categorias socioprofissionais, 53% nos operários, 40% nos empregados, mas também 20% nos quadros (em igualdade com Raphaël Glucksmann) (2). A RN assenta numa base popular e pouco diplomada, mas pode também contar com uma certa burguesia. A maioria dos universitários abstêm-se, então, de tirar ensinamentos demasiado gerais, de considerar objetos demasiado amplos, e privilegiam estudos parcelares sobre um dado bairro ou profissão, a fim de examinar todas as sinuosidades das escolhas eleitorais. Quanto aos media, não se deixam embaraçar por nuances deste tipo.

Logo na década de 1990, o geógrafo Jacques Lévy tornou-se conhecido pela teoria do «gradiente de urbanidade» (3): o voto na FN, muito reduzido no centro dos aglomerados urbanos, lugar de diversidade e de conexão internacional, aumentaria à medida que nos dirigíssemos para zonas menos densas e menos diversas, periurbanas e rurais, onde o apego às identidades locais e tradicionais é forte. Tudo assentaria no par densidade-diversidade. A tese de Lévy, invalidada por muitos contraexemplos, criticada por um uso duvidoso das estatísticas e por esquecer variáveis sociais, nem por isso desapareceu dos debates. Até porque alguns dos seus émulos a afinaram, juntando-lhe considerações económicas. Foi o caso do geógrafo e consultor Christophe Guilluy, autor de um livro de sucesso em 2014 (4). A seu ver, a clivagem territorial é bem real e opera-se entre uma «França metropolitana» próspera, atravessada pelos fluxos materiais, financeiros e humanos do capitalismo, a das «elites» e dos «vencedores da globalização», e a «França periférica», atingida pela desindustrialização, à margem da criação de riqueza, afastada das bacias de emprego, a do «povo» e dos «esquecidos», que vota em massa na extrema-direita. Diversos especialistas criticaram Christophe Guilluy por homogeneizar a França dos campos e das cidades de pequena dimensão, por dar uma imagem dela exageradamente sombria enquanto embeleza o destino reservado às periferias urbanas populares.

Alguns recordaram, apoiando-se em estudos, que o facto de se habitar em zonas periurbanas, quando a comuna de residência foi uma escolha e proporciona um quadro de vida agradável, não favorece o voto na extrema-direita (5). Outros sublinharam, cruzando um vasto conjunto de dados ao nível das mesas de voto (registos eleitorais, questionários à saída das urnas, estatísticas de recenseamento…), que a localização determina menos as escolhas eleitorais do que a idade, o diploma ou a profissão. O geógrafo Jean Rivière, que foi estudante na zona urbana de Nantes, sublinha que «as mutações eleitorais acompanham de forma estreita a trajetória sociológica dos bairros da metrópole» (6). A fragmentação dos blocos eleitorais e a política tripartida decorrente da vitória de Emmanuel Macron em 2017 prejudicou, de certa forma, a sua teoria, mas Christophe Guilluy não dá o braço a torcer: «Não há três blocos, mas dois; as metrópoles contra a França periférica», continuava ele a explicar no Le Figaro em 15 de julho de 2024, logo a seguir à segunda volta das eleições legislativas.

Kebabs, pastilhas de café e escolhas políticas

No mercado das explicações eleitorais feitas atirando mapas chocantes, o consultor sofre agora a concorrência de Jérôme Fourquet, do departamento de Opinião do Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP). Numa trilogia iniciada com o livro L’Archipel français (Seuil, 2019) e de que faz parte La France d’après. Tableau politique (Seuil, 2023), o sondador corrige alguns defeitos dos seus predecessores. Examina diversas variáveis, múltiplas escalas e dá visibilidade às fragmentações locais. O resultado é uma França, não cortada em dois, mas «arquipelizada», dividida entre grupos implantados em territórios diferentes, que não partilham os mesmos modos de vida, nem as mesmas conceções do mundo. No livro La France d’après aprende-se que na Alsácia os clubes de dança country concentram-se sobretudo nas zonas periurbanas (onde o voto na RN é forte), enquanto os kebabs se situam essencialmente nas grandes cidades (Estrasburgo, Mulhouse, Colmar) e nas respetivas periferias (onde a esquerda tem os seus melhores resultados). Fica-se a saber que quem possui máquinas de café em cápsula votou mais em Macron em 2022, enquanto quem tem uma máquina de café em pastilhas privilegiou Marine Le Pen. Ou que uma forte densidade de lojas de produtos biológicos, de cafés Starbucks, de estabelecimentos que servem brunch e restaurantes listados no guia Fooding, muito na moda, se traduziu numa votação elevada nos ecologistas nas eleições municipais de 2020, como aconteceu em Bordéus ou Grenoble. O livro é um garantido sucesso mediático.

Jérôme Fourquet conclui destes avanços conceptuais que a extrema-direita se dirige ao grupetto, aos relegados da sociedade de consumo, num raciocínio que confunde estratégia eleitoral e colocação de produto, grupos sociais e segmentos de mercado. Utiliza inúmeras variáveis, mas geralmente só cruza uma dou duas, oportunamente escolhidas, e a justaposição de mapas serve-lhe de demonstração. Que os eleitores das pequenas cidades da Somme e do Aude (quinhentos a cinco mil inscritos) onde estão implantadas eólicas tenham dado um «prémio de alguns pontos» a Marine Le Pen em 2022 deve permitir pensar que as medidas ecológicas alimentariam o voto na extrema-direita. Para ilustrar a fratura, no 18.º bairro de Paris, entre o «Butte (Montmartre) macronista» e o «Goutte d’Or melenchonista», Fourquet opta por recorrer ao imobiliário e à presença de lojas africanas, numa oposição caricatural entre brancos ricos e imigrantes pobres.

Examinemos estes dois exemplos com a ajuda de estudos universitários recentes. Vários investigadores debruçaram-se sobre a questão das eólicas nos Altos-de-França (7). Também eles observam um «sobrevoto» na RN nos municípios onde estes equipamentos são implantados. Mas não se limitam a esta constatação. A análise dos dados sociodemográficos destes territórios permite-lhes estabelecer que as comunas dotadas de eólicas albergam mais operários, precários e não-diplomados, ou seja, uma população mais disposta a votar na RN. «Cada vez mais», notam os sociólogos, «as eólicas espalham-se de forma socialmente inigualitária» em cidades entregues à desregulação territorial e que não têm meios para resistir à promoção agressiva dos operadores fundiários. Nesta perspetiva, o «sobrevoto» surge como o sintoma do tratamento reservado aos territórios populares, e não como a expressão de uma sensibilidade antiecológica dos eleitores de extrema-direita.

Quanto ao 18.º bairro, as variáveis escolhidas por Jérôme Fourquet têm como efeito associar automaticamente os imigrantes pobres ao voto em Mélenchon e os citadinos abastados ao voto em Macron. Um estudo levado a cabo numa zona urbana sensível do norte de Paris, com uma composição social próxima do Goutte-d’Or, salienta outras realidades (8). Por muito metropolitanos que sejam, os habitantes do bairro deram 13,7% dos seus sufrágios a Marine Le Pen na primeira volta das presidenciais de 2017, ou seja, três vezes mais do que a média parisiense. Entre estes eleitores encontram-se muitas famílias brancas que lamentam a degradação do seu bairro e responsabilizam os estrangeiros e os muçulmanos por essa realidade. Mas o voto na RN atrai também habitantes originários do Magrebe ou da África subsariana. Como Abdelmalik, antigo operário cabila que agora recebe uma pensão de invalidez e vê com horror os «islamitas», ou Nadine, católica emigrada do Congo e titular de um diploma de secretariado. Mostrando a ligação à RN, ambos esperam distinguir-se dos outros não-brancos, para melhor sublinharem uma integração bem-sucedida e mostrar que estão do «lado certo». Estes «casos improváveis» ilustram a força do mecanismo de distanciação nas escolhas da RN, muitas vezes decorrente de conflitos sociais localizados e de trajetórias individuais que a comparação de dois mapas rudimentares não permite apreender.

À força de infografias sobre as agressões a médicos e bombeiros, os assaltos, os locais dos «deals» ou os nomes próprios muçulmanos, a obra de Fourquet dá a sensação de uma França que se direitiza e se barrica à medida que a imigração aumenta. Vincent Tiberj, sociólogo, especialista em comportamentos eleitorais, não acredita nisso. Aglomerando dezenas de sondagens — mas pondo de parte as menos sérias —, construiu «índices longitudinais de preferências culturais, sociais e de tolerância» para medir a opinião dos franceses no longo prazo (9). Os seus resultados contraintuitivos enervaram o Le Figaro: porque, segundo Tiberj, a «direitização francesa» seria um «mito». Mais ainda: o país seria cada vez mais tolerante e progressista no que diz respeito à sexualidade, às religiões, à imigração, à igualdade entre homens e mulheres… Em 1981, 29% dos sondados consideravam a homossexualidade como «uma maneira aceitável de viver a sua sexualidade»; em 1995, eram 62%; e, desde o início do século XXI, a percentagem situa-se à volta de 90%. Em 1992, 44% das pessoas inquiridas viam os imigrantes como uma «fonte de enriquecimento cultural»; passados trinta anos, eram 76%. E assim sucessivamente no que diz respeito à pena de morte, à aceitação das minorias judaicas ou muçulmanas, ao uso de drogas… Esta constatação é corroborada pelo cientista político Luc Rouban (10). O seu «índice de alteridade» sugere que mesmo os eleitores da RN se tornaram mais tolerantes. O seu voto seria, por isso, acima de tudo motivado por preocupações sociais. Rouban apresenta como prova o «barómetro» elaborado em 2022 pelo Centro de Investigação Política de Sciences Po (Cevipof): 38% dos eleitores da RN colocavam o poder de compra no topo das suas preocupações e só 18% escolhiam a imigração.

Mas então, por que motivo não se observa nas urnas esta «esquerdização» da opinião pública? Para Vincent Tiberj, a culpa seria da «grande demissão» dos eleitores, isto é, a abstenção. «Se há tantas diferenças entre os valores dos cidadãos e os votos dos eleitores», avança ele, «é porque muitos deles já não se exprimem». Enquanto os eleitores conservadores, muitas vezes mais velhos, se mobilizariam em massa, galvanizados pelo discurso reacionário que pulula nos media, outros, muitas vezes jovens considerados mais progressistas, desinteressar-se-iam das cabinas de voto para marcar a sua distância relativamente à oferta política. O tempo jogaria, portanto, a favor da esquerda, que não precisa de convencer os eleitores da RN: bastar-lhe-ia esperar que as jovens gerações substituíssem os «boomers» e remobilizar os desiludidos da política favorecendo a democracia direta, nomeadamente a organização de referendos a todos os níveis.

Os que pagam muito e não recebem nada

Esta demonstração, essencialmente fundada em sondagens, contém várias falhas. Em primeiro lugar, os jovens acabam por envelhecer. Na segunda volta das eleições presidenciais de 2002, só 7% da faixa dos 18-24 anos tinha votado em Jean-Marie Le Pen, cerca de três vezes menos do que os da faixa dos 25-34 anos (22%) e os da dos 35-44 anos (18%). Chegados à idade adulta, esta mesma coorte (agora com idades entre os 38 e os 44 anos) deu a Marine Le Pen 47% dos votos em 2022 — bem mais do que os da faixa dos 65-79 anos (29%). O tempo não tem, portanto, nada a ver com isto, e o horizonte é ainda mais sombrio porque a RN agora parte de muito alto: em 2022, 32% dos da faixa dos 18-24 anos votaram em Marine Le Pen…

Nada indica também que uma massa de esquerda esteja escondida na sombra da abstenção. A tendência pode observar-se em certos bairros populares das periferias urbanas, mas noutros lugares é mais duvidosa. Os inquéritos eleitorais indicam que muitos eleitores se abstinham antes de terem decidido dar o seu voto à RN. O perfil sociológico dos abstencionistas aproxima-se, além disso, do dos eleitores de extrema-direita, mais popular do que a média e menos diplomado. Um aumento da participação não beneficiaria automaticamente a esquerda, portanto. Aliás, a RN obtém muitas vezes os seus melhores resultados nos escrutínios mais mobilizadores, a começar pelas eleições presidenciais.

Acresce que a abordagem por sondagens aglomeradas não permite apreender as dinâmicas políticas que atuam por trás das evoluções das mentalidades, em particular a maneira como a extrema-direita coloca em concorrência certas causas, opondo a imigração e o islão à defesa das mulheres e dos homossexuais. Sem contar que a frente da mudança social não está congelada. Novos combates aparecem quando os anteriores são vencidos, o que permite ao campo conservador alimentar a polarização cultural. É o que observam Matt Grossmann e David Hopkins a propósito dos Estados Unidos, onde — em certa medida — os republicanos secundarizaram os ataques contra os homossexuais para visar as pessoas transgénero, o «wokismo», a cancel culture… O mesmo esquema pode, assim, repetir-se década após década: «Primeiro, os conservadores exprimem a sua fúria face às novas mudanças culturais, enquanto os progressistas as defendem como se fossem valores comuns», resumem os investigadores. «A seguir, os conservadores adaptam-se progressivamente a esta mudança aceitando a evolução das normas. Por fim, os progressistas saem vencedores, estabelecendo o seu ponto de vista como um novo consenso — mesmo que percam muitas eleições pelo caminho» (11).

Um país mais tolerante e menos racista, eleitores da RN motivados principalmente por preocupações sociais? O inquérito de terreno efetuado por Félicien Faury entre 2016 e 2022 em várias cidades de pequena dimensão da região de Provença-Alpes-Côte d’Azur (PACA) revela uma outra realidade, onde o racismo é consistentemente palpável (12). Os eleitores da RN — mas não só — evocam os «árabes», os «turcos» ou os «muçulmanos» para se queixarem da falta de lugares nas creches, da degradação da oferta escolar, do desaparecimento do comércio tradicional no centro das cidades, das dificuldades de acesso aos serviços públicos, da diminuição do poder de compra, dos impostos demasiado elevados para financiar «os que não fazem nada»… «A força da extrema-direita não residiu na sua capacidade de impor no debate público “um” só tema, o da imigração, mas mais precisamente na de propor, ininterruptamente, ligações entre esta temática e uma lista cada vez mais longa de outras questões sociais, económicas e políticas», analisa o sociólogo, que considera, portanto, não fazerem sentido os «barómetros» que convidam os eleitores a hierarquizar as suas preocupações, escolhendo entre vários itens.

Félicien Faury apresenta o racismo como omnipresente, mas não o concebe como «um ódio abstrato ao outro», sendo antes o produto de «uma série de interesses especificamente materiais, em que a hostilidade racial se mistura com preocupações económicas». Contrariamente às numerosas investigações que incidem sobre regiões em declínio, atingidas pela desindustrialização, Faury fez a sua investigação numa zona próspera, estimulada por uma economia turística e residencial de serviços, mas submetida a forte pressão imobiliária e a um grande aumento das desigualdades. Aqui, são sobretudo as classes populares estabilizadas, as pequenas classes médias e os pensionistas que votam na RN, verificando-se neste voto uma sobrerrepresentação de certos setores (artesanato, comércio, profissões da segurança…). Estes eleitores estão protegidos do desemprego, mas apesar disso percecionam a sua situação como frágil. Consideram que pertencem ao «meio mau»: não são suficientemente ricos para estarem descansados, nem suficientemente pobres para beneficiarem de apoio público; pagam muito e não recebem nada. Assim se desenha uma nova relação de desconfiança em relação às instituições e, de forma mais geral, ao Estado-providência, visto como injusto e faltoso, privilegiando sempre «os outros» em relação «aos que realmente o merecem». A socióloga Clara Deville também observou esta realidade no Libournais (Gironda), onde acompanhou beneficiários de proteção social no périplo que efetuam para fazer valer os seus direitos (13). Entre encerramentos de balcões, desmaterialização e controlos minuciosos, o inferno administrativo por vezes acaba por gerar preconceitos, quando um inquirido acredita na sua perceção de que «os negros e os árabes» conseguem mais do que ele: «Você vai dizer que eu sou racista, mas não, é só que eu vejo bem que na CAF (caixa de apoios familiares) são os negros e tal que fazem fila e que reclamam». Assim, as discriminações de que certas minorias são vítimas contribuem, num círculo vicioso, para aumentar o estigma que sobre elas pesa.

«Aqui toda a gente pensa assim»

Na Provença-Alpes Côte d’Azur, o sentimento de se ser comprimido combina a tenaz social com o torno territorial, numa região onde os preços do imobiliário explodem e a mobilidade residencial está muito bloqueada. Apanhados entre espaços inacessíveis e outros desejáveis, os eleitores da RN temem a desclassificação do seu bairro. Neste contexto, escreve Félicien Faury, as pessoas não-brancas parecem «desvalorizar, pela sua simples presença, os territórios onde se instalam. O que é mais temido, mais ainda do que os bairros situados na periferia, é a instalação de novos residentes imigrantes num bairro vizinho ou, pior, no seu próprio bairro». A abertura de um café sem álcool ou de um talho halal no centro da cidade pode dar que falar durante meses.

Esta exploração das lógicas de normalização «por baixo» da RN aproxima-se de algumas das observações de Benoît Coquard nos campos desindustrializados do Grande Leste (14), onde o voto na extrema-direita está também muito disseminado, nomeadamente entre os operários, os precários e os jovens adultos. Os dois sociólogos destacam territórios onde o voto na RN se tornou uma espécie de norma — não um desvio, um gesto vergonhoso a esconder, mas um ato que se pode reivindicar, um orgulho. É uma maneira de assinalar que não se é um «assistido», um «caso social», alguém «que não quer trabalhar», em suma, um «dos que se aproveitam do sistema». Toda a gente conhece amigos, pais, familiares, comerciantes que fazem o mesmo, e a sociabilidade conduz a um autorreforço. «Aqui toda a gente pensa assim», «toda a gente vai lhe dizer isto», «eu não sou o único a dizer isto», responde-se frequentemente aos dois sociólogos. «O voto na RN, partilhado por um número crescente de eleitores, pode então ser apresentado, não como uma patologia, mas como “lógico”; não já como extremo, mas “muito normal”», observa Félicien Faury, enquanto Benoît Coquard concorda: «Aqui, exibir que se é “pela Le Pen” é um posicionamento legítimo, fácil de sustentar em público».O mesmo não acontece com quem afirma ser de esquerda. Nos campos do Grande Leste, alguém de esquerda arrisca-se a «provocar críticas e escárnio sobre o tema da presumida falta de vontade para trabalhar ou da ingenuidade». A esquerda, praticamente ausente destes territórios, nomeadamente por causa das dinâmicas territoriais que empurram os diplomados para as grandes cidades, é identificada com o fechamento entre si das elites locais ou com os bem-falantes de Paris. Pessoas que vivem confortavelmente, mas ainda assim se permitem «dar lições», numa mistura de hipocrisia e presunção. São particularmente visados os professores, os universitários, os artistas, os jornalistas, mas também os trabalhadores associativos locais e os quadros dos serviços públicos. Isto é, a pequena elite do diploma, que simboliza o saber no quotidiano.

Sun Tzu teorizou-o em A Arte da Guerra: para vencer uma batalha é preciso conhecer o adversário, mas também conhecer-se a si mesmo. Serão, portanto, de esperar igual número de livros sobre a esquerda, os seus dirigentes, militantes e eleitores para nos dizer como pôde ela apartar-se tanto das classes populares.

Benoît Bréville

(1) Alexandre Dezé, «Que sait-on du Front national?», em Olivier Fillieule, Florence Haegel, Camille Hamidi e Vincent Tiberj (dir.), Sociologie plurielle des comportements politiques, Presses de Sciences Po, Paris, 2017.

(2) «Sociologie des électorats et profil des abstentionnistes. Élections européennes, 9 de junho de 2024», www.ipsos.com 

(3) Jacques Lévy, L’Espace légitime. Sur la dimension géographique de la fonction politique, Presses de Sciences Po, 1994. 

(4) Christophe Guilluy, La France périphérique. Comment on a fracturé les classes populaires, Flammarion, Paris, 2014. 

(5) Éric Charmes, Lydie Launay e Stéphanie Vermeersch, Quitter Paris? Les classes moyennes entre périphéries et centres, Créaphis, Grane, 2019. 

(6) Jean Rivière, L’Illusion du vote bobo. Configurations électorales et structures sociales dans les grandes villes françaises, Presses universitaires de Rennes, 2022. 

(7) Jimmy Grimault, Tristan Haute, Leny Patinaux e Pierre Wadlow, «Les voix du vent. Développement éolien et vote aux élections régionales dans les Hauts-de-France», Mouvements, vol. 118, n.° 3, Paris, 2024. 

(8) Lorenzo Barrault-Stella e Clémentine Berjaud, «Quand des minorités ethno-raciales des milieux populaires soutiennent le Front national», em Safia Dahani, Estelle Delaine, Félicien Faury e Guillaume Letourneur (dir.), Sociologie politique du Rassemblement national. Enquêtes de terrain, Presses universitaires du Septentrion, Villeneuve-d’Asq, 2023. 

(9) Vincent Tiberj, La Droitisation française. Mythe et réalités, PUF, Paris, 2024. 

(10) Luc Rouban, La Vraie Victoire du RN, Presses de Sciences Po, 2022, e Les Ressorts cachés du vote RN, Presses de Sciences Po, 2024. 

(11) Matt Grossmann e David A. Hopkins, Polarized by Degrees. How the Diploma Divide and the Culture War Transformed American Politics, Cambridge University Press, 2024. 

(12) Félicien Faury, Des électeurs ordinaires. Enquête sur la normalisation de l’extrême droite, Seuil, Paris, 2024. 

(13) Clara Deville, L’État social à distance. Dématérialisation et accès aux droits des classes populaires rurales, Éditions du Croquant, Vulaines-sur-Seine, 2023. 

(14) Benoît Coquard, Ceux qui restent. Faire sa vie dans les campagnes en déclin, La Découverte, Paris, 2019.

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