Da subida dos direitos aduaneiros aos vários dias que abalaram o mundo

Parte VII – A GLOBALIZAÇÃO
[Este texto corresponde à sétima parte do artigo sobre a globalização que temos vindo a publicar e que é da autoria de Filipe do Carmo . Trata-se de uma abordagem atualizada do tema que também foi inserida na peça oportunamente publicada e que pode ser consultada em A GLOBALIZAÇÃO] .
Esta Parte VII do meu texto começou a ser escrita (e estava praticamente acabada…) fazendo referências à economia dos Estados Unidos, tal como revelada por uma evolução dos défices da respectiva balança de pagamentos, esses défices tendo sido evidenciados por gráficos da precedente Parte V. Problemas esses que, para algumas interpretações, poderão ter levado a que Donald Trump tenha sido atingido por uma espécie de pânico. Mas talvez não seja bem pânico. Uma personalidade como essa, com a importância que atribui a um contínuo enriquecimento, deverá estar bastante mais afectada por outros motivos que não especificamente a economia do seu país.
Ora se Trump chegou a falar em direitos aduaneiros de 60% a aplicar aos produtos chineses, mais tarde já só referia apenas 10%, e relativamente ao Canadá e ao México passou também de valores bastante elevados para outros mais baixos (e etc., etc.), neste momento ficou-se, em termos gerais, pelas “Tarifas Recíprocas”. Ou seja, a aplicação de direitos aduaneiros à generalidade das importações que deveriam ser equivalentes às que eram aplicadas nas fronteiras dos diferentes países às exportações com origem nos EUA[1].
Seguiam-se então no meu texto considerações que davam relevância a que, caso se fosse insistir numa política de subidas tarifárias, o mundo iria muito provavelmente cair numa nova guerra comercial. Caindo-se então na confusão e inevitavelmente em menores níveis de cooperação internacional quando o que urge fazer é encontrar soluções para as guerras em curso, a pobreza e as crescentes dificuldades em termos ambientais. E claro que haverá sempre desenvolvimentos políticos em curso a que é indispensável dar atenção e procurar soluções que muitas vezes estão associadas às problemáticas económicas, mas também frequentemente para lá delas. São referências importantes relativas a tais desenvolvimentos que serão de difícil apresentação num texto que não pode ser muito longo, mas não posso deixar de dar duas indicações cuja leitura será útil em tal contexto. Refiro-me a dois artigos que foram publicados entre nós, na página 6 do recente Público de 11 de Fevereiro[2]. No primeiro dos artigos, e apenas em particular, depois de se chamar a atenção para a necessidade de defender os direitos humanos, é referido que se assiste na actualidade ao desastre moral e estratégico da grande potência mundial nas mãos de um presidente e de uma oligarquia que não escondem o seu prazer pela deportação em massa ou pela limpeza étnica. E também que a luta pelos valores tem sido substituída pela procura do negócio, com a defesa dos direitos humanos a passar a ser um anacronismo. No caso ucraniano, tudo dependerá dos dividendos que os EUA e as suas oligarquias conseguirem extirpar das profundezas das terras invadidas pelos russos. No caso palestiniano, Trump estará a ir mais longe do que pensariam ir os mais extremistas do governo israelita, propondo a abjecção consistente na compra e terraplanagem da faixa de Gaza, com a sua transformação numa sucessão de hotéis e casinos antecedida da expulsão do povo palestiniano. Seria então ingénuo pensar que se trataria apenas de uma fanfarronice; as três semanas que se seguiram à tomada de posse desse presidente são a concretização do impensável. Esse curto período é suficiente para que a Europa então percebesse que talvez fosse melhor não contar com os EUA enquanto aliado, bem pelo contrário, e que haveria que reforçar a sua autonomia e defender a sua dignidade. Trump não trata das questões do país, mas sim dos seus negócios e dos daqueles que o bajulam. No segundo artigo, começa-se por referir que a presidência da hiperpotência militar do nosso mundo deu curso, em apenas três semanas, a um ataque ao direito internacional que já vai onde vai. Divagando sobre uma “Riviera do Médio Oriente”, Trump já evidenciava o carácter sinistro da forma como somou Gaza à lista de territórios que passaram a estar sob ameaça de ocupação (Gronelândia, Canadá, Canal do Panamá), afirmando que os EUA vão “ocupar” e “ser donos” da Faixa de Gaza para criar “desenvolvimento económico”. E os milhões de palestinianos deverão sair de Gaza, transferindo-se para “países vizinhos” que, esses sim, deverão ter “um coração humanitário”. Essa desfaçatez racista havia, aliás, sido iniciada com a caça aos imigrantes e refugiados nos EUA, mas agora é recomendado aos outros que já acolhem milhões de refugiados palestinianos que façam o contrário do que ele faz no seu próprio país. E essa desfaçatez é acompanhada do desprezo mais absoluto (documentado como tal por várias agências da ONU) pelo direito internacional, que começou por levar o governo americano a encarregar Israel de proceder à limpeza étnica de Gaza, pressionando os seus “aliados” árabes a abrir as portas para a deslocação forçada da população. E tudo isso em nome do “desenvolvimento económico”! Mas não só: Se o direito internacional, as organizações que resultam da sua institucionalização, os tratados e convenções em que se sustenta são o que são – limitados – a isso acresce que Trump tenha então decretado sanções contra todos os funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI) responsáveis pelos mandatos de captura de Netanyahu e do seu ex-ministro da Defesa. É em momentos históricos como este que se percebe que o direito internacional e a institucionalização que o acompanha, servem em princípio para disciplinar os outros, mas não em geral para defender os direitos humanos e a autodeterminação dos povos. E, verificando-se que tratados e convenções convivem com as guerras, constata-se que, no dia em que as organizações internacionais encarregadas de os fazer cumprir são desmanteladas, é só mais simples fazer a guerra.
E tudo isto já se dizia antes da Conferência de Segurança de Munique (que teve lugar recentemente, de 14 a 16 de Fevereiro), ocasião em que o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, apresentou o que se pode considerar “os fundamentos da prática política dos Estados Unidos desde a sua fundação: o poder assenta na força dos fortes e é essa força que permite apresentar os poderosos como virtuosos” (já Maquiavel fazia a mesma afirmação alguns séculos antes)[3]. Contudo, já pouco antes (11 de Fevereiro), na Cimeira de Paris sobre a Inteligência Artificial (IA), esse alto responsável político dos EUA tinha feito afirmações que deixaram os europeus atónitos. Começando por criticar as “veleidades” do Velho Continente ao procurar regulamentar tecnologias que estão em pleno desenvolvimento, justificou tais críticas apresentando a defesa da prosperidade e da liberdade de expressão (dando especial relevo ao facto de tais esforços de moderação prejudicarem as empresas americanas) e afirmando que a IA deve ser defendida de preconceitos ideológicos. É em tal contexto que os Estados Unidos (acompanhados do Reino Unido) recusaram assinar a declaração final da Cimeira negociada por 58 países (entre os quais a China, a Índia e os Estados membros da UE) a qual propunha o respeito pelo Ambiente, pelos Direitos Humanos, pela Integridade da Informação e pela Propriedade Intelectual. Face às críticas de Vance e à não assinatura da referida declaração pelos EUA e UK, personalidades como Emmanuel Macron e Ursula von der Leyen, tiveram reacções bastante moderadas, o que contrasta com o comentário desenvolvido por uma americana que participou na fundação de uma ONG crítica da IA (AI Now Institute): “A cimeira acabou em ruptura. Os partidários da aceleração da IA querem a expansão nua e crua: mais capitais, mais energia, mais infraestruturas privadas e nada de proteccionismos”.[4]
Ora, na Conferência de Munique, dias depois[5], Vance não só voltou a defender a prosperidade e a liberdade de expressão (e, desta vez, ainda a liberdade religiosa), alegadamente ameaçadas pelos europeus, destacando em particular situações que considerou pouco simpáticas para posições de extrema-direita por parte de instituições europeias. E isso de modos que deixou de novo atónitos os presentes na Conferência. Para além da estupefacção que atingiu os europeus presentes na Conferência, será também interessante destacar a incompreensão e confusão que os atingiu relativamente ao que a iniciativa de Trump para pôr fim à guerra na Ucrânia significava de facto. O que havia sido conhecido até então era que o processo para chegar à paz só começaria por incluir a participação, além dos EUA, da Rússia. Daí que começassem por surgir posições, como era de esperar, que exigissem em primeiro lugar a participação da Ucrânia e dos Europeus nas negociações. Havendo a seguir muito a discutir sobre questões de fronteiras no respeitante aos espaços ocupados pelos russos e garantias de segurança para a Ucrânia (incluindo a possibilidade de adesão à NATO). E mais, em particular, para os Europeus a questão de “deverem” aumentar as participações nas despesas da NATO e investir bastante mais em armamento.
Voltando ao artigo já referido de Matos Gomes, será de destacar algumas questões não encontradas no artigo do Le Monde. Em primeiro lugar, Vance terá explicado que o êxito dos EUA e a vitória de Trump resultam do facto de o poder ser exercido por uma conjugação de tirania e oligarquia, na classificação de modos de governo estabelecido por Platão em A República. Na descrição que se segue, a tirania deixa de ser considerada, com Vance a afirmar que a oligarquia é preferível à democracia, oligarquia essa que durante milénios teria sido eficaz para os poderosos exercerem os seus poderes e gozarem os seus privilégios. Assim, desde o final da 2ª Guerra Mundial, o sistema de governo que é habitualmente designado por “democracia” corresponderá a “versões de oligarquias adaptadas aos meios para as legitimar”. E, diante daqueles que aparentemente considera “funcionários políticos europeus”, Vance terá afirmado que o perigo para a Europa se encontra no seu interior (na falsidade em que os políticos europeus assentam os seus princípios, na distância entre as afirmações e as suas práticas e na fraqueza do poder político quer na União Europeia quer nos seus Estados Nacionais). Será assim, devido a tal contexto e à fraqueza dos seus dirigentes bem como à busca de novas formas de participação por parte dos povos nos seus governos, que os funcionários (sempre muito moderados) se apressam a classificar alguns participantes como extremistas e radicais.[6]
O que se passou na Conferência de Munique levou naturalmente a que entre a Europa e os EUA se tenha verificado uma fractura profunda, uma ruptura histórica, como é referido no editorial do Le Monde de 2025-02-18, cujo título é “L’Europe face à un défi historique”. E, na continuação, refere-se que a tempestade Trump que deflagrou sobre o Velho Continente levou a danos consideráveis, com os três dias que a Conferência durou a abalarem o pilar do sistema internacional desde a 2ª guerra mundial, ou seja, a relação transatlântica. Esse choque imposto num designado clima execrável pela administração americana teve, contudo, nos dizeres do editorial “o mérito de provocar uma tomada de consciência relativa à insuficiência dos meios destinados à defesa”. “Mérito” que é aliás muito discutível, interpretação derivada da “concretização do impensável” já acima referida, com os aumentos que têm sido propostos para aumentar os gastos em defesa por parte dos países da NATO a traduzirem sobretudo as ambições por parte dos multimilionários americanos – apoiados por Trump e pela sua equipa – a elevar ainda mais os seus já fartos lucros.
Duas posições distintas apresentadas na imprensa portuguesa (especificamente no Público em 19 de Fevereiro, na página 6) sobre o que sucedeu, desde o telefonema entre Trump e Putin e até às declarações de Vance em Munique, têm conteúdos interessantes para serem contrapostas. A primeira posição, de autoria de Nuno Severiano Teixeira (“Três dias que abalaram o mundo”) começa por referir que há momentos em que a História acelera e dias que valem por décadas, parecendo esse um dos momentos históricos que se seguem ao fim das guerras e mudam a ordem mundial (segundo diz, terão sido os casos do Tratado de Versalhes, em 1919, os de Ialta e Potsdam, em 1945, e o da queda do Muro de Berlim, em 1989). No respeitante à crise actual, o autor apresenta argumentos que procuram mostrar que é a Rússia que está a ser beneficiada pelas decisões que têm estado a aparecer, que a Ucrânia e a Europa constituem os perdedores, enquanto os EUA são os que, na prática abandonam os seus aliados. Tudo isto inserido num conjunto de acontecimentos em que não foi a Rússia que ganhou a guerra, foram os americanos que impuseram a derrota aos aliados e deram a vitória ao inimigo. Dizendo ainda que o que está em jogo vai muito para além da Ucrânia e da segurança europeia, a mudança sendo da própria ordem mundial. E, se os EUA asseguraram desde a 2ª Guerra Mundial a cooperação internacional, a segurança e a paz, criando uma ordem internacional baseada em regras que prevaleceram tanto durante como após a Guerra Fria, é precisamente essa ordem internacional baseada em regras (já em erosão) que Trump rejeita e a que agora pôs termo. E isso, explica, porque as regras e as instituições internacionais impõem limites (tanto no plano económico como no político) à sua acção nacionalista, unilateral, transaccional e predadora. E isso porque Trump pretende uma ordem internacional baseada nos negócios e na diplomacia coerciva (as tarifas, as sanções, as ameaças) que os sustenta, em que a força vale mais que a lei, o poder mais que a razão. É o regresso à velha rivalidade entre as grandes potências e ao choque dos imperialismos (em que a expansão territorial das grandes potências é considerada legítima).
A segunda posição, de autoria de Manuel Loff (“Guerra e paz”) começa por referir um discurso belicista que existia antes da situação na actualidade em que a paz era descrita como uma ilusão ingénua e a guerra uma inevitabilidade para a qual “nos temos de preparar”. Daí ter disparado a corrida ao armamento elevando-se progressivamente a meta do gasto militar a atingir: 2%, depois 3% e a seguir 5% do PIB. E acrescenta que, já na primavera passada, dirigentes europeus e da NATO desataram a pedir o regresso da conscrição militar, a assegurar que estávamos em “época de pré-guerra” e que “se queres a paz” faz a guerra, e a apelar à “defesa dos nossos valores e do nosso modo de vida com armas na mão e arriscando as nossas vidas”. E, neste presente em que Trump surge a aparentar fazer uma pausa nas guerras em curso (Ucrânia e Gaza) há cada vez mais pressões da NATO, da UE e dos EUA para acelerar a corrida ao armamento. E tais pressões para fazer a Europa rearmar-se mais do que nunca (o que significa sempre mais compras aos EUA) já vêm desde a primeira presidência Trump, foram muito fortes durante toda a guerra da Ucrânia e tornaram-se desenfreadas desde o telefonema de Trump a Putin. E o autor acha conveniente referir ainda que o argumentário que no passado tem procurado justificar as corridas ao armamento (a ameaça soviética, a iraquiana, a norte-coreana, a islamista…) poderá ressurgir em breve com as ameaças americanas a territórios UE como a Gronelândia. Apresentando ainda a securitização como uma forma de regime (político, económico, social) baseado em teses autoritárias que pretendem que nenhuma forma de liberdade e nenhum direito podem ser usufruídos sem que primeiro se garanta a segurança. A finalizar, o autor diz que não houve corridas ao armamento que não tenham redundado em guerra, generalizada (as duas mundiais) ou as que pareceram regionais (Coreia, Vietname, Médio Oriente, Ucrânia). É que não se desviam recursos para o armamento para o deixar quietinho.
É altura de recuar um pouco nas intenções que tinha de dar uma ideia global actualizada do que se passa neste mundo específico a que me tenho referido. A “actualização” tornou-se-me impossível e, além disso, arriscada no sentido de vir a traduzir algo que ameaça ser realidade mas que pode não passar disso e que aquilo que está de facto a passar-se só será de facto conhecido com um mínimo de rigor daqui a algum tempo (duas, três semanas ou mesmo mais). E se as 24 horas que Trump referia, antes de ser presidente, para acabar com a guerra na Ucrânia, ou as tarifas aduaneiras de 60% a aplicar à China, constituíam meros exageros de negociante que propõe preços de venda estratosféricos ou valores ridículos de compra para chegar a valores reais de transacção que lhe são mais favoráveis, já o que vi na passada quarta-feira (2025-02-26) em meros minutos no telejornal da RTP2 amplia de modo incomensurável o que até agora tendia a referir como “meros exageros”. Recordo desse telejornal a inquietação de Zelensky (habitualmente na expectativa de protecção por parte dos governantes americanos) quando percebeu que Trump esperava que o presidente ucraniano, na sua deslocação próxima a Washington, assinasse um acordo que não só garantisse aos EUA a exploração das terras raras no seu país mas também que reconhecesse uma dívida aos Estados Unidos de 500 mil milhões de dólares (todos nós temos presente que o que se passou no decorrer da guerra ainda em curso com o envio repetido de armamentos à Ucrânia se tratava de uma ajuda e não de uma “ajuda”). A dita inquietação de Zelensky, convém dizer, não o impediu de dizer que não há dívida nenhuma da Ucrânia, nem de 500 mil milhões nem de nenhum outro valor.
Não obstante o acima anunciado recuo, acho ainda útil assinalar o que se passou no final da Conferência de Munique no que respeita às preocupações que atingiram os políticos europeus. Essas preocupações foram tais que Emmanuel Macron convocou uma reunião a ocorrer em Paris e a ter início de imediato, dia 17 de Fevereiro, com alguns dirigentes europeus (7 além de Macron, um deles o primeiro ministro britânico), mas também alguns representantes da NATO e dois da UE (Von der Leyen e António Costa). Convirá desde já concluir que, se o que se passou até então com as decisões do governo americano mostrou que os Estados europeus deixaram de ser aliados dos EUA, passando a ser, com a aquiescência europeia, meros vassalos, já a ausência de 19 dos representantes dos Estados europeus da UE começa por mostrar que começa a perceber-se que esses 19 Estados estão a ser tratados como apenas sub-vassalos.
Macron foi a Washington depois da reunião de Paris, com intenções que não parecem as mais claras e depois de ouvir do secretário geral que os europeus se deviam impor, não se queixando, mas com proposições concretas, em particular exigindo garantias de segurança. Não vou procurar perceber adequadamente as perspectivas que o presidente francês levava para Washington. Isso requereria longas leituras a que não me posso entregar de imediato sob pena de se tornar difícil terminar este texto em tempo útil. Retenho apenas que o furor que se podia esperar desse presidente depois das posições assumidas por Trump não o impediram de acompanhar este com manifestações de grande alegria como é visível em duas páginas do Público de 25 de Fevereiro.
Não quero acabar esta parcela do meu texto sem retomar uma opinião minha que já expressei em escritos anteriores e que é algo que considero que os cidadãos europeus (e, naturalmente, também os de outros países) necessitam de ter consciência: os regimes políticos em que vivemos não são, tal como é considerado na maioria dos tratados políticos e na grande maioria dos órgãos de comunicação social, democracias. Serão sim oligarquias, que combinam poderes predominantemente plutocráticos com órgãos de natureza burocrática e que merecem, para que seja traduzida a sua habilidade que consiste em permitir aos cidadãos terem a ilusão de que as eleições lhes dão o poder político, que as passem apenas a designar, como me pareceu que Matos Gomes fez no seu texto acima referido, como “democracias”. Mas há muito mais a dizer para expressar adequadamente a natureza das ilusões de natureza política em que todos nós estamos a viver. E eu tenho consciência que me continuam, não obstante os meus esforços para superar tal situação, a faltar conhecimentos que me permitam explicitar como gostaria tais conjuntos de circunstâncias. Resta-me de momento recomendar aos meus leitores para poderem ir um pouco mais longe, um artigo recente de alguém que deverá ser lido. Estou a pensar em Viriato Soromenho-Marques, que recentemente escreveu “Sobre as relações da UE com os EUA”[7].
Lisboa, 1 de Março de 2025
Filipe do Carmo
[1] Veja-se o artigo de Sérgio Aníbal – ”’Olho por olho’, Trump prepara taxas recíprocas para o resto do mundo” – no Público de 2025-02-13, pág. 24. No quadro apresentado, há 15 países com taxas de 4,75% (México) a 11,87% (Índia); os valores mais baixos (países economicamente mais desenvolvidos) vão de 2,42% (Japão) à China (3,12%). Num Editorial (“Protectionnisme: les dangereuses gesticulations de Trump”) do Le Monde de 2025-02-17, pág. 31, são justificadas as tarifas mais elevadas devido a disposições da Organização Mundial do Comércio (OMC), a qual considera que deve ser adoptado um tratamento diferenciado em função do nível de desenvolvimento dos diferentes países, os mais pobres necessitando de maiores protecções ou de condições de exportação preferenciais.
[2] Refiro-me a “O mundo é um negócio e Trump quer lucrar com ele”, de Amílcar Correia e “Isto ainda é só o início”, de Manuel Loff.
[3] Ver o artigo de Carlos Matos Gomes, “O Esplendor da Oligarquia”, em A Viagem dos Argonautas, 18 de Fevereiro de 2025.
[4] Estas referências à Cimeira de Paris são baseadas num artigo do Le Monde de 2025-02-13 (pág. 13), da autoria de Alexandre Piquard e Philippe Ricard: “IA: un sommet parisien qui acte des divisions”. Num Editorial do mesmo dia do mesmo jornal (“Intelligence artificielle: la necessité d’une troisième voie”, pág. 31) é referido que, sendo a IA uma tecnologia bastante prometedora, ela é, no entanto, excessivamente exigente em energia, tem uma forte capacidade para manipular as opiniões e exercer uma vigilância perigosa para as liberdades públicas, tende a desestabilizar o mercado de trabalho e pode ser utilizada para matar quando integrada em sistemas de armamento.
[5] Ver em geral, para os desenvolvimentos que se seguem, um artigo no Le Monde de 2025-02-17, página 2, de título “À Munich, un parfum de guerre idéologique” e da autoria de Elsa Conesa e Sylvie Kauffmann. Para se ter uma ideia mais completa das reacções europeias às posições assumidas por Vance, considere-se ainda o título que surge no mesmo jornal – página 1: “J.D. Vance déclare une guerre idéologique à l’Europe” – e também o título do outro artigo da página 2: “Après Elon Musk, J.D. Vance prend parti en faveur d’Alternative pour l’Allemagne”. Todos saberão certamente que “Alternative pour l’Allemagne” é o partido da extrema direita alemã que disputou recentemente as eleições no seu país.
[6] O artigo de Matos Gomes é mais longo, mas continua a desenvolver-se de um modo que torna difícil, na minha opinião, distinguir o que Vance de facto afirmou daquilo que o autor desenvolve como crítica às respectivas afirmações ou ao pensamento e às práticas da actual Administração Política americana. Daí que me seja difícil transmitir o que é realmente a minha intenção, que visa fundamentalmente as ditas afirmações e o pensamento e práticas referidas.
[7] Esse artigo pode ser obtido no seguinte link: https://www.pressreader.com/portugal/jornal-de-letras-9Y9B/20250219/282076282596667?srsltid=AfmBOorNsIClPPkNc9U01KSgNEiJDeQtcajzQ6mB8uBEBFFHee_Iygjt . Para outros artigos do mesmo autor, escritos para o Diário de Notícias, ver o link https://www.dn.pt/t/viriato-soromenho-marques/ .