10 de Outubro, 2025

Neste, desta vez, meu menos querido mês de agosto

OPINIÃO – Se abrirem a janela das demissões, a da Ministra da Administração Interna deverá ser acompanhada, pelo menos, pela da Saúde e pela do Emprego

Francisco Melro

Acabei de almoçar na zona das Laranjeiras e caminhei em direcção ao Alto dos Moinhos por uma rua paralela à Avenida dos Lusíadas. Sete trabalhadores, todos imigrantes, realizavam, à hora de maior calor, trabalhos de corte de vegetação seca no separador central dessa avenida. Há cerca de duas semanas, uma equipa semelhante tinha cortado a vegetação seca, já bastante alta, que há meses ia cobrindo o terreno entre a Escola Delfim Santos e o passeio que liga a estação do Metro do Alto dos Moinhos ao início da Rua Professor Reinaldo dos Santos.

Não é só no interior abandonado que há falhas nestas limpezas, há-as também no centro das áreas mais superpovoadas. Só que neste último caso, as falhas devem-se só a negligência e a irresponsabilidade puras.

Regressei ontem da minha terra, Alfaiates, junto à fronteira no concelho do Sabugal, onde passei, como gosto, a semana das Festas de Agosto. A aldeia decuplica a sua população neste período, devido ao afluxo dos emigrantes e dos seus descendentes. As temperaturas máximas estiveram sempre muito elevadas, entre os 35 e os 40 graus, e durante os últimos dias, os fogos alastraram pelo concelho e rondaram a aldeia. Como esta se localiza num ponto elevado, foram sendo observáveis os sinais do fogo circundante, os ventos trouxeram até nós as cinzas, os cheiros e as nuvens escuras do fumo e os visitantes ou residentes, que iam chegando, foram dando notícias sobre os cortes nas estradas de acesso e sobre as voltas que tiveram de dar para chegarem. Ontem quando partimos para Lisboa, logo pelas 7 da manhã, ficámos surpreendidos pela temperatura amena, em torno de 14º, e aventurámo-nos pelo percurso tradicional, atingindo sem perturbações a A23. Quando chegámos a Lisboa fomos informados de que os acessos à A23 tinham voltado a ser cortados, entre Sabugal e Caria, pouco depois de termos passado. Viemos pela A23 sempre acompanhados por fumo e cinzas intensas e sem sinais de Sol, até perto das Portas do Ródão. A situação pareceu-nos particularmente complicada na zona serrana entre a Covilhã e o Fundão.

Não imaginam o que ouvi enquanto estive na minha terra sobre as causas dos problemas, sobre os culpados disto tudo e sobre as soluções radicais para pôr termo a isto tudo. Nem o Ventura se atreveria a ir tão longe.

Os vídeos que para aí circundam, poupam-me nesta parte da reportagem.

Existe consenso de que estamos perante novos desafios que derivam das alterações climáticas, do despovoamento e envelhecimento do interior do País, da falta de tratamento das terras e da limpeza das matas. Como vivi na aldeia até aos 10 anos, reconheço o corte radical com os tempos em que o mais pequeno pedaço terra era cultivado, em que as matas de carvalhos eram rigorosamente limpas por necessidade absoluta, era a única fonte de energia e toda a madeira para diferentes fins vinha dali, em que até os arbustos que cresciam junto dos caminhos eram disputados pelos que não dispunham de mata própria e em que, ao menor sinal de incêndio, toda a aldeia acorria para lhe pôr cobro. O único grande incêndio de que me recordo ocorreu, ao anoitecer de um dia de Verão, numa eira junto à aldeia, consumindo, perante a impotência, o olhar, o silêncio e o lamento colectivos, todas as medas com os molhos de centeio e de trigo que aguardavam a respectiva debulha. Arderam “o pão” de todo o ano e as sementes do ano seguinte. A sua causa nunca foi apurada. Falou-se na ponta de um cigarro. Serve-me para ter presente que, mesmo com os maiores cuidados, as tragédias com incêndios podem ocorrer.

O repovoamento não irá ocorrer, pelo menos com a intensidade e a urgência necessárias. Também não se poderá contar, num grande número de situações, com os actuais donos para limpar as suas matas. Pelo que conheço, não só porque muitos são demasiado idosos, sem meios financeiros para o fazerem e sem retornos económicos compensatórios expectáveis, mas também porque muitos outros, ou desconhecem que são proprietários ou quando tomam conhecimento da sua relação com essas matas, não estão em condições de assumir a sua propriedade, registada ainda em nome de ascendentes familiares, sendo propriedade legal de numerosos descendentes de que, na maioria das situações, após décadas de emigração, desconhecem a localização ou até a existência.

Estamos perante desafios de uma guerra prolongada, com batalhas dramáticas nos períodos de Verão, que exige planeamento, recursos, direcção e organização adequados.

Constata-se que o Executivo governamental não concedeu as devidas atenção e importância a estes assuntos, nem sequer no período em que os problemas já emergiam. Esteve focado no combate às mães que amamentam no período laboral, na liberalização dos despedimentos e dos contratos de trabalho, na descida das taxas de IRC e nas medidas para dificultar a chegada de novos imigrantes e para desincentivar a criação de raízes pelos que já cá estão e em assegurar o suporte do Chega à governação. Prevenção de fogos e avaliação da adequação do plano e dos meios aos perigos emergentes, tal como soluções para os problemas da habitação, não fizeram parte nem do foco nem dos acordos de Montenegro com o Ventura.

Essa desatenção e desfocagem foram visíveis na concentração das forças governamentais nos festejos dos feitos governamentais, alegremente celebrados pelo PSD na festa partidária de Verão, numa altura em que os fogos já incendiavam o país e a paciência dos cidadãos.

Confrontado pelo choque do País face à insensibilidade e ao alheamento governativos, Montenegro fez-se de morto, deixando o menino nas mãos da ministra dos incêndios.

A ministra poderá ser boa senhora e ter muitos recursos, que desconheço, mas que, seguramente, não tem perfil para preparar, organizar e dirigir o País e as suas forças no combate aos incêndios. Montenegro só apareceu, tal como o Ventura, quando as imagens dos fogos e os protestos populares inundaram os écrans televisivos e as redes sociais e o Marcelo entrou em cena. O Ventura esqueceu os acordos, fazendo coro com os protestos, mas direcionando-os para a Ministra e poupando o Montenegro.

Se abrirem a janela das demissões, a da Ministra da Administração Interna deverá ser acompanhada, pelo menos, pela da Saúde e pela do Emprego, por total incompetência e indecentes e muito más figuras na governação.

Olhemos para o que tem corrido mal.

É preciso prevenir mais e melhor, dispor e usar mais meios de vigilância adequados, atacar os incêndios logo no seu início, dispor de meios próprios de combate aos incêndios em quantidades adequadas, incluindo helicópteros e aviões, que o Estado deverá adquirir, dotando a Força Aérea de capacidades financeiras e humanas adequadas para os pilotar e para os reparar, em oficinas próprias, com maquinaria, mecânicos e peças suplentes, pondo fim ao triste espectáculo de concursos anuais, que podem ser impugnados e impedir a operacionalização dos recursos em tempo útil, em que ganham empresas, que depois vão contratar aparelhos e pilotos e que não conseguem substituir nem reparar em tempo úteis os aparelhos avariados.

Para fazer prevenção adequada e em tempo certo, é preciso dotar as autarquias com equipamentos pesados que lhes permitam a limpeza efectiva dos caminhos e de acessos.

Fotos © NSF – CVR

Devido à diversidade de entidades e meios públicos a movimentar, a dirigir e coordenar, algumas com características militares e militarizadas, a direcção operacional desta guerra terá de ter sempre uma cabeça política com a autoridade e os poderes de gestão e decisão adequados.

Será sempre preciso assegurar uma organização centralizada e hierarquizada, mas adequadamente regionalizada, integrando as autoridades e organizações locais que conhecem o terreno e as populações (ouvi várias referências a falhas graves resultantes dos operacionais mobilizados desconhecerem o ambiente em que estavam a operar), com agilidade suficiente para se adaptar e acorrer com urgência a situações em localizações ou com gravidade imprevistas, como ocorre numa guerra. O perfil dos dirigentes desta estrutura e das relações operacionais estabelecidas terão de ser os que as guerras aconselham como adequadas. Não terão de ser militares, mas se forem civis, deverão ter perfis similares. É por isso que a ministra não está no lugar certo.

Como não é realista contar com a limpeza das matas por parte de muitos proprietários, será necessário que as autoridades locais os substituam nas limpezas, contratando, sempre que indispensável, empresas para o efeito, o que, em conjunto com as funções de vigilância, poderá dinamizar actividades que contribuam para o repovoamento e rejuvenescimento das regiões do interior. Para o efeito, deveriam contar com legislação que o possibilite e com os financiamentos indispensáveis do Orçamento do Estado. Tratar-se- ia de investimentos preventivos, em benefício de todos nós.

Para repovoarem as terras de RibaCoa, outrora flageladas pelas disputas guerreiras entre muçulmanos e cristãos, os reis de Leão e de Portugal concederam aos seus habitantes forais com privilégios. Que sirvam de inspiração para os governantes dos nossos dias.

Francisco Melro

Editado NSF, opção subtítulo, destaques no texto e foto de destaque © CVR – Limpeza nas estradas no concelho de Pampilhosa da Serra – julho 2025

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