21 de Setembro, 2025

Assim como Kirk, também o Chega se apresenta como vítima de censura enquanto procura impor uma narrativa única

por Luis Vidigal

Charlie Kirk não foi um mártir da liberdade de expressão, como muitos tentam agora apresentar. Basta recuperar as suas palavras para perceber o contrário. “O que falta nos Estados Unidos são execuções públicas. Deviam ser rápidas, televisivas e até patrocinadas pela Coca-Cola. Deviam obrigar os miúdos a assistir. A partir dos 12 anos já é idade suficiente.” Noutra ocasião, afirmou que o Civil Rights Act “criou um monstro, e esse monstro transformou-se numa arma anti-branca”. Sobre pessoas trans, dizia sem rodeios: “És uma abominação para Deus”.

O seu discurso não se limitava a divergir, pois transformava minorias em inimigos e normalizava a violência como parte da vida política. Fez carreira a inflamar ressentimentos e a convertê-los em espectáculo. Quando agora é apontado como vítima, apaga-se a sua verdadeira obra de promoção sistemática do ódio.

Entretanto, Donald Trump regressou à Casa Branca com a promessa de “restaurar a liberdade de expressão”, através da Executive Order 14149. No papel, parecia uma defesa absoluta da Primeira Emenda. Na prática, tornou-se uma ferramenta de censura seletiva.

Enquanto garantia proteção aos aliados, surgiram pressões sobre programas televisivos críticos (como o Jimmy Kimmel’s late-night show) e propostas para cortar fundos a meios públicos acusados de “viés” ideológico. A liberdade proclamada era afinal condicional, pois servia para amplificar o conveniente e silenciar o incómodo.

Em Portugal, o Chega reclama ser a voz dos silenciados, mas recorre à mesma lógica de exclusão. Rita Matias descreveu o país como “amordaçado e aprisionado por teias marxistas” e gerou polémica ao falar em “limpar Lisboa dos ratos”, expressão entendida como desumanização de imigrantes. A estratégia é idêntica, de transformar frustração em narrativa política, inventar inimigos internos e cobrir a agressão retórica com o manto da defesa da liberdade.

Assim como Kirk, também o Chega se apresenta como vítima de censura enquanto procura impor uma narrativa única. E, tal como Trump, utiliza a “liberdade de expressão” como escudo para proteger o intolerável.

É aqui que o paradoxo da tolerância de Karl Popper se impõe. Uma democracia que tolera sem limites os discursos intolerantes acaba corroída por dentro. Até que ponto aceitar que se chame “aberração” a uma pessoa ou “rato” a um imigrante é realmente compatível com a convivência democrática?

A experiência americana demonstra que o ódio normalizado regressa sempre como bumerangue. A trajectória de Tyler Robinson, jovem moldado no mesmo caldo tóxico que Kirk ajudou a semear, é prova disso.

Portugal ainda vai a tempo de aprender. Defender a liberdade de expressão é essencial, mas confundi-la com o direito de incitar ao ódio é abdicar da própria democracia. Quando a liberdade é sequestrada para justificar a intolerância, deixa de ser liberdade e passa a ser apenas mais uma arma política.

Luís Vidigal

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