Israel tem medo dos moderados
A paz precisa de quem ainda acredita nela
“O verdadeiro problema é que Israel escolheu a ocupação em vez da paz e usou as negociações como uma cortina de fumo para avançar o seu projeto colonial. Todos os governos do mundo sabem desse simples facto”.
— Marwan Barghouti
Por Luis Vidigal

O único homem preparado para liderar um processo de paz na Palestina está preso. Israel prende os dirigentes capazes e deixa à solta os fanáticos. Assim pode invocar “legítima defesa” enquanto ocupa cada vez mais território.
Barghouti está preso há vinte e três anos. Desde o ataque de 7 de outubro de 2023 vive em confinamento solitário, sem direito a visitas. Chegam notícias de que foi recentemente espancado por soldados israelitas e é mais uma demonstração do medo que o poder tem dos moderados.
Nascido em 1959, na aldeia de Kobar, perto de Ramallah, tinha sete anos quando Israel ocupou a Cisjordânia na Guerra dos Seis Dias. O exército cercou a aldeia e apropriou-se das terras vizinhas para construir colonatos. O cão da família ladrava aos soldados, até que um deles o matou. O gesto continha uma lição de que na Palestina até um latido pode ser considerado resistência.
Aos 15 anos, Barghouti juntou-se ao Fatah. Três anos depois foi preso por pertencer a uma “organização terrorista”. Durante quatro anos de cativeiro estudou, ensinou outros prisioneiros e aprendeu hebraico. Nos anos 1990 foi eleito para o Conselho Legislativo Palestiniano e manteve contacto com políticos israelitas. Dizia que era necessário “combater Israel como ocupante, mas aceitá-lo como vizinho”.
Avisou repetidamente que o impasse no processo de paz empurrava a situação para a violência. Foi tratado como instigador, não como visionário. Em 2002 foi preso, acusado de envolvimento em ataques contra civis. Recusou reconhecer a legitimidade do tribunal e negou qualquer ligação aos crimes. Um relatório da União Interparlamentar concluiu que não teve julgamento justo. Ainda assim, foi condenado a cinco penas perpétuas e a mais quarenta anos.
Mesmo na prisão, Barghouti continuou ativo. Em 2006 foi o principal autor do Documento dos Prisioneiros, que obteve o apoio do Hamas para uma solução de dois Estados. Um feito inédito e talvez a razão principal para que continue encarcerado.
Em 2011, Israel trocou 1026 prisioneiros palestinianos por um soldado israelita e Barghouti não foi incluído. Mas Yahya Sinwar, um dos arquitetos do ataque de 7 de outubro, foi libertado nessa troca. O contraste é evidente, pois o moderado permanece preso e o radical regressa ao campo de batalha.
Netanyahu tem todo o interesse em que o Hamas continue a existir. Precisa dele como inimigo permanente, indispensável para justificar o cerco, os bombardeamentos e as demolições. Um Hamas suficientemente forte para assustar, mas suficientemente fraco para não vencer. Cada foguete disparado de Gaza renova a narrativa da “legítima defesa”, enquanto mais colonatos são erguidos na Cisjordânia.
A presença de Barghouti laico, popular e defensor de um Estado palestiniano democrático, ameaça essa arquitetura. Um líder assim tornaria inevitável o reconhecimento internacional da Palestina. É por isso que ele continua atrás das grades e é por isso que o radicalismo é, paradoxalmente, útil a Israel.
Enquanto o mundo se concentra nas ruínas de Gaza, o projeto colonial avança em silêncio, com casas demolidas, oliveiras arrancadas e aldeias cercadas. A guerra prolonga-se porque convém. A paz, se vier, porá fim à ocupação e é isso que o poder teme.
Marwan Barghouti escreveu: “Israel escolheu a ocupação em vez da paz”. Talvez essa seja a razão mais profunda da sua prisão. Porque a verdade, quando é dita por quem pode unir um povo, é sempre o maior dos perigos.
