História com H |Cambedo da Raia, aldeia bombardeada por ser solidária
SEM FRONTEIRAS | 21 de dezembro de 2020 | História com H Grande |
por Xosé Lois Carrión González, Ourense
20 de Dezembro de 1946.
As ditaduras de Salazar e Franco cravaram as suas garras sanguinárias numa pequena aldeia portuguesa da raia, que foi cercada por tropas portuguesas do exército, da Guarda Nacional Republicana, da PIDE e também da Polícia de Segurança Pública, para além de membros da Guarda Civil Espanhola. Eram cerca de mil homens no total. À sua frente tinham apenas uma população desarmada.
O crime daquela gente. que justificou o ataque acima referido. foi ter albergado 3 guerrilheiros galegos: Demetrio García Álvarez, Juan Salgado Riveiro e Bernardino García García. Durante 2 dias bombardearam a aldeia com morteiros, causando para além da destruição de casas, a morte de dois guerrilheiros e a prisão do terceiro, Demetrius, que foi enviado para o campo de concentração do Tarrafal em Cabo Verde, juntamente com 25 homens e mulheres, residentes da aldeia.
A batalha de Cambedo
Estamos falar da Batalha de Cambedo. A imprensa oficial portuguesa considerou este confronto uma simples escaramuça para deter alguns criminosos de delito comum. Na imprensa espanhola, nem uma palavra. A aldeia de Cambedo da Raia, a 10 quilómetros de Verín e a 20 de Chaves, desapareceu da história. Foram inventadas mentiras sobre os factos, transformando-se uma aldeia onde reinava a harmonia e a tranquilidade, quer de um lado quer de outro da raia, numa aldeia maldita na qual só viveriam criminosos. A ditadura de Salazar chegou a baptizá-la como terra de assassinos.
Agradecimentos
O silêncio acabou por ser quebrado no início dos anos 80 graças à investigação da amiga galega de Lisboa Paula Godinho que num trabalho de campo em Cambedo entrevistou uma mulher que lhe relatou os acontecimentos de 1946, quando ela era muito jovem. Paula foi uma das promotoras da homenagem em 1996 aos guerrilheiros. Nessa cerimónia foi colocada uma placa com o texto: Em memória de seu sofrimento 1946-1996 e, ao mesmo tempo, foi pronunciado um agradecimento à solidariedade dos aldeões que acolheram os antifascistas no seu seio como mais alguns, entre eles.
Homenagem de Ourense
Anos mais tarde, em 2004, foi a associação Amigos da República de Ourense que quis homenagear o comportamento solidário de Cambedo. E para o efeito, cerca de vinte pessoas daquela localidade deslocaram-se a Ourense acompanhadas pelo presidente da Câmara Municipal de Chaves e de representantes da Câmara Municipal de Montalegre. A comitiva foi oficialmente recebida na Câmara Municipal pelo seu Presidente e nessa ocasião foi também apresentado o livro “Cambedo da Raia 1946. Solidariedade Galego-Portuguesa Silenciada”, editado pela Amigos da República, com a colaboração do município. À noite decorreu a Ceia da República, que contou com a presença de meio milhar de pessoas. De referir que Ourense possui uma praça que homenageia as gentes de Cambedo, mais especificamente a Praza dos Veciños do Cambedo, denominação que resultou de uma decisão aprovada em 2010 pela autarquia local e que se materializou na subsequente inauguração da placa naquele lugar.
Escavações arqueológicas
Em 2018, foram realizadas escavações arqueológicas contemporâneas em Cambedo pelos amigos Rui Gomes Coelho e Xurxo Ayan Vila que encontraram, além de impactos de balas na parede de uma casa que ainda existe, fragmentos de granadas e morteiros, vários restos de louça quebrada e um distintivo da Guarda Fiscal, elementos que ajudam a saber muito melhor o que aconteceu em Cambedo naqueles dias de 20 e 21 de dezembro de 1946. Para um conhecimento mais aprofundado sobre o que aconteceu na altura naquela aldeia da raia, recomendo a leitura do poema de Xosé Luís Méndez Ferrín, que participou nos eventos realizados em Ourense em homenagem ao povo de Cambedo, poema incluído no livro “Estirpe“.
Na foto , a laje comemorativa – fotografia tirada numa recente visita a Cambedo pelo autor
Igreja, Cambedo
Tradução do Galego – Carlos Ribeiro |SF | Editado CR-SF