14 de Outubro, 2024

TRIBUNA | Banir ou não banir o Chega ou a democracia imperfeita

SEM FRONTEIRAS | 13 de fevereiro 2021 | Tribuna | Tolerância e firmeza na defesa da democracia

Hélder Costa para além de emitir regularmente opiniões no plano político e ideológico sobre os acontecimentos mais relevantes da cena nacional e internacional recomenda a leitura do texto de Eugénio Lisboa sobre a ilegalização, ou não, do partido Chega.

O tema é complexo, como afirma o autor e o debate aprofundado dos argumentos presentes pode ser útil para o combate à extrema-direita. Pois então debatamos e reforcemos o combate comum, através de uma reflexão construtiva. Editado CR – Sem Fronteiras

Banir ou não banir o Chega, por Eugénio Lisboa

A minha ex-colega na embaixada de Portugal, em Londres, Ana Gomes, pessoa cuja inteligência, energia e coragem muito admiro – tendo um invejável percurso em defesa de grandes causas – fez recentemente uma participação à PGR no sentido de se ilegalizar o CHEGA. O assunto é complexo e o paradoxo democrático que implica não é de hoje.

Barreto o anti-Platão

António Barreto, no Diário de Notícias, classifica expeditamente o acto da diplomata portuguesa, sem a ela explicitamente se referir, como estúpido e irracional. Acho curioso e um bocadinho bizarro um juízo tão expedito e sumário sobre uma perplexidade que tem preocupado os filósofos desde Platão para cá: a de saber-se se os tolerantes devem ou não tolerar os intolerantes. Há quem pense que sim, seja qual for o grau de intolerância, a bem da pureza da democracia.

O notável filósofo Karl Popper chamou a isto o “paradoxo da democracia” porque, se por um lado, não aceitar tolerantemente a intolerância dos outros pode ferir a imagem da democracia, por outro, aceitá-la pode levar à morte dela.

Popper

O problema não é de fácil solução, pelo que não deve ser despachado à pressa, com dois qualificativos injuriosos. No seu notabilíssimo livro – The Open Society and its Ennemies – Popper pronunciou-se, não só do alto da sua imensa cultura filosófica e científica, mas também ao sabor da sua experiência de cidadão germânico que assistiu ao assalto ao poder congeminado pelas hostes de Hitler, que a República de Weimar não quis ilegalizar (mesmo depois de Hitler ter deixado bem claro ao que vinha).

A democracia alemã jogou o jogo da democracia impoluta e os nazis aproveitaram-se dessa fraqueza para se alcandorarem ao poder, alterando então as regras para se perpetuarem nele. Ficou-se à espera do “crime cometido” para só então se poder “democraticamente” agir. Simplesmente, uma vez cometido o crime, já era tarde para o punir e corrigir.

Ficar à espera?

Quando se diz que, só quando o CHEGA cometer um claro atentado violento (“tiros e pistolas”) contra a democracia, se poderá ilegalizá-lo, está-se a escancarar a porta a uma tirania. A verdade, repito, é que o partido nazi já tinha deixado bem claro ao que vinha, e não me parece particularmente sensato que se tenha ficado à espera de ele destruir toda a Europa, para, finalmente, se intervir.

O CHEGA já deu claramente indícios de que não quer jogar o jogo da democracia e quem não quer jogar segundo as regras do jogo não deve sentar-se à mesa de quem joga. Pode ser que assim, como se diz, a democracia fique ligeiramente imperfeita, mas é preferível ficar com ela imperfeita a assistir ao seu suicídio, a bem da pureza. A perfeição não é deste mundo e eu prefiro viver com uma democracia um bocadinho imperfeita a cair de novo na ignomínia de um regime regido por um tiranete. Os demagogos intolerantes e famintos de poder fazem-me e sempre me fizeram mau sangue.

Como dizia o meu admirado Jean Rostand, grande biólogo, excepcional escritor e admirável pensador aforístico, “há, na intolerância, um grau que confina com a injúria”.

Eugénio Lisboa

Editor

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