Teatro Universitário – Alegria e Resistência dos anos 60
I – REVISITAR EXPERIÊNCIAS | Teatro Universitário – COIMBRA (1)
Nesta primeira abordagem ao tema do Teatro e da sua relação com o combate à extrema-direita nos dias de hoje publica-se um artigo de Helder Costa sobre o teatro universitário que nos permite revisitar experiências dos anos 60 e refletir sobre processos de auto-organização e sobre as diversas linhas de orientação de projetos que se foram desenvolvendo pelo país fora. Nesta primeira parte do artigo publicamos as referências que o autor introduziu sobre Coimbra. Em próximos artigos serão divulgadas as atividades em Lisboa e no Porto. O artigo será publicado na sua versão integral no final do DOSSIÊ. Carlos Ribeiro | Sem Fronteiras
por Helder Costa, dramaturgo
Paralelamente aos sufocantes estudos Académico pernosticos e acacianos, muitos estudantes procuravam o conhecimento que abre as portas da consciência e da Liberdade.
Para essa acção, além da “ oferta da cidade”, as Associações de estudantes desempenhavam um papel importantíssimo criando secções culturais e de convívio, despertando a massa estudantil para a descoberta dos variadíssimos ramos da Cultura.
Cinema, literatura, artes plásticas, música e principalmente o teatro, desempenhavam um papel importantíssimo no enriquecimento cultural e consequente politização.
Com a singular vantagem de serem práticas ligadas ao prazer e à alegria, opostas ao cerimonial balofo e parolo dos “gatos pingados” que passavam a vida a “chatear a malta”. Claro que eles sabiam o que faziam: quem tem prazer e alegria tem mais capacidade de revolta e de resistência.
COIMBRA
Coimbra teve sempre um papel determinante nesta acção.
A Associação Académica e os seus organismos autónomos transportavam o prestígio de décadas de luta contra a tirania e pela Liberdade. Desde as lutas contra a Monarquia de que a greve de 1907 será o acontecimento mais relevante, até à luta contra o Decreto 40.900 no fim dos anos 50 que pretendia limitar a independência da Associação Académica.
Também é de referir a importância das Republicas, casas auto-geridas pelos estudantes que aí habitam, geralmente focos de debate cultural e formadores de hábitos de convivência cívica.
O TEUC
O TEUC – O Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, fundado em 1938, era o decano dos grupos Universitários Portugueses.
Dirigido pelo professor Paulo Quintela, especialista em encenações de Gil Vicente e de clássicos Gregos, tinha prestígio internacional com participação regular em Festivais de vários países e actuação obrigatória nas Delfíadas.
Outros encenadores que passaram pelo TEUC foram Luís de Lima, Júlio Castronuovo e também passaram por uma experiência de criação colectiva com orientação de José Oliveira Barata, hoje teatrólogo e professor na Universidade de Coimbra.
Romero Magalhães foi presidente da direcção em 62/63, ano em que o Ministério da Educação não homologou o nome de Paulo Quintela para grande indignação e protesto do prestigiado professor. Entre muitos que pisaram as tábuas representando o TEUC são de recordar José Carlos de Vasconcelos no “ Breve sumário da História de Deus”que esteve em Nancy e Verona, e Guida Lucas em “ A sapateira prodigiosa” de Lorca, grande êxito no 1º Festival de Teatro Universitário.
O CITAC
No fim dos anos 50, jovens estudantes de Liceu – Feliciano David, Polónio Sampaio,
Yvette Centeno, Assis Pacheco, Sinde Filipe e outros -,decidem criar um novo grupo de teatro investigando alternativas estéticas e problemáticas existenciais.
E assim nasceu o CITAC. Com inicio balbuciante mas sem desânimos.
As primeiras peças foram dirigidas por Vasco Lima Couto, Paulo Quintela e António Pedro, mas já em 1959 conseguiram organizar o I Ciclo de Teatro levando a Coimbra o que de melhor se fazia no país.
1961. Para mim, e muitos outros, foi aí que tudo começou.
O Circulo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC), com o apoio da Fundação Gulbenkian, o verdadeiro Ministério da Cultura de Portugal no período da ditadura Salazarista, organizou um curso de iniciação/divulgação teatral.
O curso era seguido por dezenas de estudantes e desenrolava-se na Faculdade de Letras.
Quem o dirigia era Luís de Lima, actor e encenador português há muito radicado no Brasil. Quando jovem tinha ido respirar para Paris onde tinha trabalhado como actor na companhia de mímica de Marcel Marceau e participado em alguns filmes, sendo o mais conhecido “ Le salaire de la peur” com Yves Montand.
Esta aura de vedeta conhecedora do Mundo, aliada a inegáveis qualidades pedagógicas, actualização teatral e modernidade de encenação, possibilitaram o início de um período brilhante para o CITAC e correlativos efeitos para o teatro desse tempo (também extra- Universitário).
Foi Luís de Lima quem primeiro traduziu e divulgou Ionesco, Adamov, Tardieu e encenou o português Prista Monteiro, abrindo a porta da Censura às mais avançadas experiências do Absurdo.
Luis de Lima
Já em 1962, com a agitação estudantil no auge, a Censura proibiu que o CITAC montasse “ Auto da Índia” de Gil Vicente. Era uma peça de 1512, era do nosso grande dramaturgo do século XVI, mas como ele dizia que na viagem à Índia “pelejámos e roubámos”, compreende-se a preocupação de ideias tão sinistras poderem influenciar os mancebos que o regime enviava para a guerra.
Curiosamente autorizaram “ Tartufo” de Molière, o fantástico libelo contra a hipocrisia e os falsos beatos. Mas a Pide estava atenta e expulsou Luís de Lima como “persona non grata”!
Seguiram-se encenações de António Pedro, Jacinto Ramos e Carlos Avilez e de 1965 a 1968 Victor Garcia dirige Calderon de La Barca, Lorca e Claudel com espectáculos de notável impacto estético e cenográfico, com apresentações de grande êxito no Festival du Théâtre des Nations, em Liège e na Biennale de Paris( melhor espectáculo de 1967 para “ O Grande Teatro do Mundo”).
Depois deste período absolutamente brilhante para o teatro em Portugal, a luta Académica contra o fascismo explodiu em 1969.
Seguiu –se um “ensaio” sobre Brecht com Ricard Salvat e uma experiência frustrante com Oviedo.
Em 1970 o CITAC foi encerrado pela polícia politica.
Nomes dessa “epopeia”?ao acaso, porque são muitos e é impossível que eu os recorde todos ou sequer os tenha conhecido, cito os nomes de Brochado Coelho, Emílio Rui Vilar, Francisco Delgado, Graça Marinha de Campos, Lobo Fernandes, Jorge Strecht, Marcelo Ribeiro, Eliana Gersão, Germano de Sousa, António Barreto, Isabel Pinto, Taborda e Fernanda, João Rodrigues, Pais de Brito…
É desse tempo e dessa experiência que eu guardei uma lição para a vida.
Foi a certeza de o teatro ser uma arma fantástica de comunicação, que convém tratar com delicadeza e sem ambiguidades.
Essa concepção de o teatro se afastar de uma “feira de vaidades” já vinha do trabalho com Luís de Lima no CITAC que, numa entrevista para a revista do grupo, tinha dito que os participantes no teatro Universitário deviam colaborar com o teatro Amador de forma a aumentar a sua qualidade e escolha de repertório. Foi sugestão que nunca mais abandonei e que segui sempre a par da participação nas lutas estudantis.