Que tipo de teatro era o do Teatro Operário de Paris? (11)
REVISITAR EXPERIÊNCIAS | O Teatro e o combate à extrema-direita (11)
Helder Costa (continuação – Teatro Centelha 1977) | Editado Carlos Ribeiro – SF
QUAL ERA O NOSSO “TIPO” DE TEATRO?
Bem, a primeira coisa que é preciso dizer, é que o nosso nascimento como grupo de teatro não foi propriamente ortodoxo nem clássico. Nós começámos a fazer, porque queríamos utilizar essa técnica de comunicação para propagandear uma determinada visão política.
Por aqui, parece que não vem mal ao Mundo, pois é o que toda a gente faz, (mesmo os que, eventualmente, não tenham consciência disso), de uma forma mais ou menos aberta ou mascarada.
Mas, é evidente, que a opção do “agitador político” acaba por cortar um pouco as pernas à procura estética, à imaginação e ao estudo, indispensável ao objecto artístico.
E, com isto, não quero dizer, evidentemente, que só a imagem ou o exemplo metafórico ou “alusionista” mereçam o atestado de “Obra de Arte”.
O Bordalo Pinheiro e o António Aleixo são bem directos e expressivos, no que desenharam e versejaram, e ninguém pensa (espero) acusá-los de artistas “inferiores”.
Como balanço final, julgo que esse possível “pecado original” foi ultrapassado de uma forma correcta. Auxiliados por leituras indispensáveis, e retirando as lições da prática, chegámos às seguintes conclusões e reflexões:
Ideologia
- O teatro reflecte sempre uma determinada ideologia; essa ideologia está sempre ao serviço de um dos interesses: ou os interesses dos explorados e oprimidos, ou os interesses dos exploradores e opressores. Em marxismo, diz-se: a favor da burguesia ou a favor do proletariado;
Agitação e propaganda
- Toda a forma de arte é política, por conseguinte. O que quer dizer, que tem sempre a ver com formas de agitação e propaganda. Mas a agitação e propaganda exigem, para serem eficazes, uma Arte complicada e evoluída. Não bastam palavras, imagens, símbolos amontoados e slogans, para que se consiga convencer quem nos escuta, da razão que nos assiste;
Claro, compreensível e sugestivo
- A responsabilidade máxima do trabalhador do campo artístico (profissional ou amador, isso não interessa), é precisamente a de saber utilizar todos os seus recursos, dotes e conhecimentos intelectuais, estéticos e imaginativos, de forma a tornar claro, compreensível e sugestivo, tudo o que apresenta“;
Imaginativos e antitradicionalistas
- Ser claro e sugestivo, não significa ser primário e limitado. Aliás, nem a Arte Popular costuma ser naturalista ou meramente “fotográfica”. A imaginação dos poetas e dos escultores populares dá-lhes asas e o gosto de serem imaginativos e antitradicionalistas;
O campo de pertença
- Não havendo, por conseguinte, a obrigatoriedade de ser “normal” e “natural”, o único problema que se põe na obra de Arte (conto, poema, canção, encenação de teatro, etc.), é o de saber até onde pode ir a imaginação do artista. Utilizando a metáfora e procurando o belo, o artista só tem de se preocupar com uma questão: a imagem que quer mostrar pertence, efectivamente, ao campo e à cultura popular, ou não passa de um artifício estético formalista burguês?
Desviar e enfeudar
- O formalismo burguês tem de ser combatido. Não propriamente pelos prejuízos que pode causar ao povo, dado que será necessariamente incompreensível e vazio; mas sim, porque desvia o povo do campo artístico, e porque enfeuda o artista progressista a amarras e novo tipo de preconceitos que acabarão por o destruir;
O povo como herói
- A linha condutora do nosso trabalho não era pessimista, nem derrotista. Separados do mundo da tragédia, porque não acreditamos no Destino nem em forças sobrenaturais, estamos ligados à vida, confiamos na luta, e combatemos pela transformação do mundo. Esta posição liga-nos a um trabalho assente na crítica, na sátira e no humor. E, como temática, obriga-nos a procurar o povo como herói e testemunho das nossas histórias;
Dialética e contradição
- Saber divertir, e saber fazer rir, tem a ver com a procura de uma técnica emocional. Mas nós não queremos que o nosso público esteja perante os nossos espectáculos como se estivesse a ouvir anedotas. E isso dá-nos novas responsabilidades bem difíceis: as de conseguir transmitir as teses essenciais que o povo tem de aprender para se conseguir libertar da exploração e da opressão. Para isso, excluídos o discurso e o slogan, a lição professoral e enfadonha, a angústia, o pessimismo e o derrotismo, resta-nos a única saída justa: saber comunicar de uma forma dialéctica e contraditória os dados, as informações e emoções indispensáveis para que os cérebros e as sensibilidades se abram ao que propomos.
Brecht
- Como adquiri este saber?
Os trabalhadores de teatro, como qualquer trabalhador da agricultura ou indústria, têm de ser bons executantes da sua profissão. Para isso têm de estudar e experimentar. Não podem ter peias nem complexos. E, fundamentalmente, têm de aprender o que Brecht dizia em relação aos actores: “Se o actor não quer ser nem um papagaio nem um macaco de imitação, precisa de assimilar os conhecimentos da sua época sobre a vida social participando na luta de classes”.
Setembro 1977
PEÇAS
O SOLDADO | 18 DE JANEIRO
A TERRA A QUEM A TRABALHA
Peça conjunta do Teatro Operário de Paris e do Teatro de Gentilly
Representada no Luxemburgo (fotos cedidas por António Paiva)
Fotos | Arquivo Carlos Neves e António Paiva