6 de Dezembro, 2024

Que tipo de teatro era o do Teatro Operário de Paris? (11)

REVISITAR EXPERIÊNCIAS | O Teatro e o combate à extrema-direita (11)

Helder Costa (continuação – Teatro Centelha 1977) | Editado Carlos Ribeiro – SF

QUAL ERA O NOSSO “TIPO” DE TEATRO?

Bem, a primeira coisa que é preciso dizer, é que o nosso nascimento como grupo de teatro não foi propriamente ortodoxo nem clássico. Nós começámos a fazer, porque queríamos utilizar essa técnica de comunicação para propagandear uma determinada visão política

Por aqui, parece que não vem mal ao Mundo, pois é o que toda a gente faz, (mesmo os que, eventualmente, não tenham consciência disso), de uma forma mais ou menos aberta ou mascarada. 

Mas, é evidente, que a opção do “agitador político” acaba por cortar um pouco as pernas à procura estética, à imaginação e ao estudo, indispensável ao objecto artístico. 

E, com isto, não quero dizer, evidentemente, que só a imagem ou o exemplo metafórico ou “alusionista” mereçam o atestado de “Obra de Arte”. 

O Bordalo Pinheiro e o António Aleixo são bem directos e expressivos, no que desenharam e versejaram, e ninguém pensa (espero) acusá-los de artistas “inferiores”. 

Como balanço final, julgo que esse possível “pecado original” foi ultrapassado de uma forma correcta. Auxiliados por leituras indispensáveis, e retirando as lições da prática, chegámos às seguintes conclusões e reflexões: 

Ideologia

  1. O teatro reflecte sempre uma determinada ideologia; essa ideologia está sempre ao serviço de um dos interesses: ou os interesses dos explorados e oprimidos, ou os interesses dos exploradores e opressores. Em marxismo, diz-se: a favor da burguesia ou a favor do proletariado; 

Agitação e propaganda

  1. Toda a forma de arte é política, por conseguinte. O que quer dizer, que tem sempre a ver com formas de agitação e propaganda. Mas a agitação e propaganda exigem, para serem eficazes, uma Arte complicada e evoluída. Não bastam palavras, imagens, símbolos amontoados e slogans, para que se consiga convencer quem nos escuta, da razão que nos assiste; 

Claro, compreensível e sugestivo

  1. A responsabilidade máxima do trabalhador do campo artístico (profissional ou amador, isso não interessa), é precisamente a de saber utilizar todos os seus recursos, dotes e conhecimentos intelectuais, estéticos e imaginativos, de forma a tornar claro, compreensível e sugestivo, tudo o que apresenta“; 

Imaginativos e antitradicionalistas

  1. Ser claro e sugestivo, não significa ser primário e limitado. Aliás, nem a Arte Popular costuma ser naturalista ou meramente “fotográfica”. A imaginação dos poetas e dos escultores populares dá-lhes asas e o gosto de serem imaginativos e antitradicionalistas; 

O campo de pertença

  1. Não havendo, por conseguinte, a obrigatoriedade de ser “normal” e “natural”, o único problema que se põe na obra de Arte (conto, poema, canção, encenação de teatro, etc.), é o de saber até onde pode ir a imaginação do artista. Utilizando a metáfora e procurando o belo, o artista só tem de se preocupar com uma questão: a imagem que quer mostrar pertence, efectivamente, ao campo e à cultura popular, ou não passa de um artifício estético formalista burguês? 

Desviar e enfeudar

  1. O formalismo burguês tem de ser combatido. Não propriamente pelos prejuízos que pode causar ao povo, dado que será necessariamente incompreensível e vazio; mas sim, porque desvia o povo do campo artístico, e porque enfeuda o artista progressista a amarras e novo tipo de preconceitos que acabarão por o destruir; 

O povo como herói

  1. A linha condutora do nosso trabalho não era pessimista, nem derrotista. Separados do mundo da tragédia, porque não acreditamos no Destino nem em forças sobrenaturais, estamos ligados à vida, confiamos na luta, e combatemos pela transformação do mundo. Esta posição liga-nos a um trabalho assente na crítica, na sátira e no humor. E, como temática, obriga-nos a procurar o povo como herói e testemunho das nossas histórias;

Dialética e contradição

  1. Saber divertir, e saber fazer rir, tem a ver com a procura de uma técnica emocional. Mas nós não queremos que o nosso público esteja perante os nossos espectáculos como se estivesse a ouvir anedotas. E isso dá-nos novas responsabilidades bem difíceis: as de conseguir transmitir as teses essenciais que o povo tem de aprender para se conseguir libertar da exploração e da opressão. Para isso, excluídos o discurso e o slogan, a lição professoral e enfadonha, a angústia, o pessimismo e o derrotismo, resta-nos a única saída justa: saber comunicar de uma forma dialéctica e contraditória os dados, as informações e emoções indispensáveis para que os cérebros e as sensibilidades se abram ao que propomos. 

Brecht

  1. Como adquiri este saber? 

Os trabalhadores de teatro, como qualquer trabalhador da agricultura ou indústria, têm de ser bons executantes da sua profissão. Para isso têm de estudar e experimentar. Não podem ter peias nem complexos. E, fundamentalmente, têm de aprender o que Brecht dizia em relação aos actores: “Se o actor não quer ser nem um papagaio nem um macaco de imitação, precisa de assimilar os conhecimentos da sua época sobre a vida social participando na luta de classes”. 

Setembro 1977 

PEÇAS

O SOLDADO | 18 DE JANEIRO

A TERRA A QUEM A TRABALHA

Peça conjunta do Teatro Operário de Paris e do Teatro de Gentilly

Representada no Luxemburgo (fotos cedidas por António Paiva)

Fotos | Arquivo Carlos Neves e António Paiva

Editor

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