Carta ao Senhor Doutor João da Ega
OPINIÃO | 1 de fevereiro de 2022
por Rita do Vale Anjos
Os Maias
(…) – É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm imenso talento. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis! (…)
Eça de Queirós
Caríssimo Senhor Doutor João da Ega,
Escrevo-lhe no ano de 2022 a um domingo em que nós, neste abençoado país, escolhemos um governo que substitua o anterior, caído em desaprovação orçamental.
Lamento informá-lo que mantemos a tradição de ser governados por cavalgaduras com imenso talento, que insistem em viver a atividade política na crista da incompetência. Senão vejamos:
Estamos no mês de janeiro e as temperaturas no nosso país são primaveris. O sol brilha, não há pinga de chuva… o campo seca e os incêndios florestais, que aconteciam no verão (como se a estação a isso obrigasse), já tiveram lugar. Tudo devido a um conceito novíssimo que criámos para conseguirmos manter o très chic estilo de vida a que nos habituámos, Aquecimento Global. Crê o Senhor Ega que algum dos candidatos insistiu neste tema no decorrer da campanha eleitoral?
Vivemos uma crise na educação que, de resto, se mantém atual há muitos anos… não a educação, mas sim a crise nela. As crianças, os adolescentes, os adultos, os velhinhos não aprendem, mas pior, não querem aprender. As massas colam-se a ecrãs que as entretenham. Queira desculpar o palavreado, não pretendo soar incompreensível, porém, no tempo em que vivemos existem retângulos onde acontecem coisas enquanto nós, as massas, os espectadores observam. A sensação é a de o ser não vivo estar a viver, enquanto o ser vivo está como que morto observando. Crê o Senhor Ega que algum dos partidos referiu a urgência na educação?
Para não me alongar irei apenas falar-lhe da questão da saúde… essa tem sido um gigantesco calcanhar de Aquiles acerca do qual ninguém pode comprometer-se a dizer absolutamente nada porque o que se disser hoje, será absolutamente mentira amanhã! Dado que nenhum dos senhores candidatos a formar governo quer ser apanhado na curva, a estratégia foi clara, não se fala mais nisso.
Como os talentos sempre falham, e uma vez que também já se concluiu que, tendo sido experimentados os imbecis em terras “Além-Atlânticas” com péssimos resultados, os políticos desta choldra depositaram a fé nos seus animais de estimação, passando-lhes procurações de plenos poderes em plena campanha eleitoral.
Com elevadíssima estima e consideração,
Da sua amiga e admiradora,
Rita do Vale Anjos
Inicialmente publicado no blogue Leituras de Salto Alto, transcrição autorizada pela autora