11 de Setembro, 2024

Os livros e publicações sobre o 16 de março 1974

DOSSIÊ | Caldas TRL – Os livros e publicações (1)

Quando iniciamos uma conversa sobre o 11 de março, nas Caldas da Rainha, emerge de forma espontânea uma convergência dos participantes em torno de um nome que é incontornável: Joana Tornada. Pode-se tentar prolongar a abordagem inicial, inquirir sobre aspetos mais ou menos relevantes do tema, a resposta é sempre a mesma com uma indicação categórica: fale com a Joana Tornada!

À procura da Joana

Então o nosso destino estava traçado. A tarefa não era fácil. Os alertas sobre as inúmeras atividades da potencial interlocutora eram generalizados e ainda por cima seria necessário procurá-la para os lados da Ericeira. Até que o livro nos caiu nas mãos por obra e graça da Carla, profissional competente e despachada da Biblioteca Municipal da Caldas da Rainha. Como é que disse que se chama o livro? começou por perguntar. Timidamente referi-lhe que procurava o “Nas vésperas da democracia em Portugal – O golpe das Caldas de 16 de março de 1974” sem qualquer esperança de o poder consultar.

O livro no Parque

A bibliotecária, que mergulha nos títulos de livros como uma campeã olímpica de salto ornamental em plataforma de 10m, mostrou-o, ao longe, com a capa recheada de cores bem características Cardeal e Bordeaux e perguntou triunfante “É este?”.

Com o troféu tão desejado debaixo do braço, entrei no Parque e constatei que o Clube de Ténis celebrava 64 anos. O vermelho dos bancos de madeira, de estrutura tradicional, parecia querer relembrar, com uma acutilância invulgar, que no meio do cenário verde que nos era oferecido, o vermelho não se apagava. E peguei no livro que nos convida para um percurso detalhado dos acontecimentos e nos oferece versões claras e diretas que resultam da utilização de uma metodologia absolutamente incontornável neste tipo de investigação, a história oral.

São as vozes dos protagonistas do 16 de março que ouvimos através das páginas que Joana Tornada desenhou com rigor e coerência, tendo transformado em livro aquilo que poderíamos denominar em linguagem desportiva e radiofónica “O Grande Relato do Golpe das Caldas”.

Que viagem nos proporciona o livro?

Para aqueles que gostam de sínteses e de poucas palavras a INTRODUÇÃO do livro surge como suficiente e adequada para “problematizar”. Para os apaixonados pelos pormenores, pelos acontecimentos, pelas personagens concretas atoras das ações concretas, que dêem um passo em frente, como na parada da Escola de Sargentos dos Exército naquela noite, e avancem para as páginas seguintes com entusiasmo como o fizeram os militares que obedecendo ao Tenente Rodrigues embarcaram nas viaturas para vir até Lisboa.

O que nos indica a Introdução?

O estudo do Golpe das Caldas permite um contacto e uma avaliação sobre o contexto “tenso e polifónico que concomitantemente conduziu o Estado Novo ao seu fim, como os militares para a revolução”.

Ou seja, para perceber o que aconteceu 40 dias depois no 25 de Abril, nada melhor que entrar nos meandros dos acontecimentos que ainda antes do 16 de março e depois dele, transformaram as diversas dinâmicas em presença num acelerador de algo que era inevitável mas que precisava de correr bem. Alguns falam de balão de ensaio outros de precipitação spinolista, o que é certo é que estudar e conhecer no seu pormenor o 16 de março leva-nos a conhecer melhor o 25 de abril e o processo complexo que se lhe seguiu.

Estiquemos a orelha para ouvir o Vasco Lourenço sobre assunto:

Uma introdução desafiadora

E da introdução ao livro podemos ainda registar alguns temas de importância maior, tratados no melhor espírito científico e abordados na sua dimensão deafiadora:

  • a aparente acalmia daqueles tempos;
  • o surgimento de posições antagónicas no seio dos militares revoltosos;
  • o enunciado da necessidade de associar democracia a um projeto nacional (Medeiros Ferreira, 1973)
  • uma tentativa falhada de derrube do regime que se torna num sinal da necessidade da democracia
  • a tensão gerada por um regime em crise e um grupo de militares ansiosos pela resolução da Guerra Colonial
  • o problema político da guerra colonial
  • a falta de oficias e a forma como o regime quis solucionar o problema;
  • a dimensão pública dos fatos e a forma íntima como cada militar ia vivendo o evoluir dos acontecimentos
  • a versão dos livros publicados depois do 25 de Abril e de Otelo Saraiva de Carvalho que reafirma a visão do “balão de ensaio”;
  • o relato dos acontecimentos entre 5 e 16 de março, pela voz de de um oficial do RI5
  • os dois meses alucinantes desde a saída do livro de Spínola e o 25 de Abril
  • as interpretações do Golpe das Caldas à luz das teorias de conspiração (eventual protagonismo da PIDE na retaguarda)
  • a importância das fontes orais para clarificar situações
  • os diferentes discursos sobre o 16 de março

Um miolo bem recheado

Quanto ao “miolo” do livro a autora apresenta-nos a obra dividida em três partes:

  • Uma primeira sobre os Comprometidos do 16 de março, com uma abordagem personalizada e baseada nas memórias dos participantes.
  • Uma segunda intitulada O Golpe de 16 de março de 1974 que procura clarificar os fatores que explicam a saída a coluna sublevada do quartel das Caldas da Rainha.
  • Uma terceira parte aborda o Epílogo do 16 de março.

E como abrir um livro com entusiasmo e paixão?

A autora responde de forma inequívoca: uma canção, uma balada, uma poesia. E que proposta nos faz?

A canção do Exilado do Regimento de Infantaria

1

Saímos da Unidade

Por um sublime ideal

Unidos com lealdade

Viemos p´ra Capital

3

Entretanto vou sonhando

Vou sonhando acordado

O tempo está passando

E eu ficando tramado

5

Exilados aqui estamos

Unidos até ao fim

Nós contra ninguém lutámos

Nem morreremos assim

2

Agora que aqui estamos

Só nos resta esperar

P´lo dia da liberdade

P´rá vida recomeçar

4

Sonhámos com dignidade

O sistema derrubar

Cremos no Movimento

Que nos vem daqui tirar

O Fado do 16 de março de 1974 foi escrito a 23 de Março de 1974 pelo Capitão Gonçalves Novo na prisão do Regimento de Artilharia Ligeira (RAL) com o apoio do Tenente Gabriel Mendes. Esta canção era acompanhada com a música do fado canalha de César Morgado.

Editor

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