9 de Dezembro, 2024

A agitação nas Forças Armadas e o 16 de março nas Caldas

DOSSIÊ | Caldas da Rainha TRL, 21 de março de 2022

A agitação no seio das forças armadas antes do 25 de abril tem a sua história. O 16 de março, o denominado Golpe das Caldas, só poderá ter existido porque uma dinâmica contestária estava instalada e uma corrente de oposição ativa estava em marcha. Uma coisa é a agitação, a difusão de ideias, o apelo à ação para esta ou aquela iniciativa. Outra é a persuasão e a construção de uma plataforma que se constitui como auto-organização em torno de objetivos precisos que se ligam á necessidade de agir.

O espelho das movimentações diversas que estavam em curso foi o 16 de março que confirmou a agitação, a auto-organização e a motivação para a ação direta.

O 16 de março nas Caldas | Os oficiais presos na sequência do Golpe.

Sintomas visíveis de mal-estar

Tiago Moreira de Sá sistematiza as várias abordagens ao tema que publicações diversas foram oferecendo ao longo dos anos e recorda em 2007, na sua tese de Doutoramento Os Estados Unidos da América e a Democracia Portuguesa. As Relações Luso-Americanas na Transição para a Democracia em Portugal que “Os primeiros sintomas visíveis de um mal-estar entre as Forças Armadas portuguesas surgiram na sequência da realização do Congresso dos Combatentes do Ultramar, embora tenham existido manifestações anteriores na Guiné entre os círculos “spinolistas”. O evento, organizado pelos chamados ultras do regime e destinado a apoiar a continuação do esforço de guerra no Ultramar, foi contestado por vários oficiais do Quadro Permanente que fizeram circular um abaixo-assinado de protesto onde afirmavam «não reconhecer aos organizadores do Congresso, e portanto ao própria congresso, a necessária representatividade».1 Esta iniciativa, que partiu de elementos próximos de Spínola, reuniu num curto espaço de tempo cerca de 400 assinaturas às quais se juntaram depois as de muitos oficiais em comissão na Guiné”.

Momento decisivo do DL 353/73

Para o autor esta primeira manifestação de vontade surgiu apenas como inicial já que “o momento decisivo foi o da publicação dos decretos – lei nº 353/73 (13 de Julho de 1973) e nº 409/73 (20 de Agosto de 1973) que alteraram as regras de acesso dos milicianos ao Quadro Permanente (QP), bem como o posicionamento na escala de antiguidades, tendo desencadeado uma reacção de protesto por parte dos cadetes que esteve directamente na origem do Movimento dos Capitães. Na sequência da publicação dos diplomas, 136 oficiais reuniram-se perto de Évora e decidiram entregar um abaixo-assinado a Marcelo Caetano onde declaravam aguardar com esperança uma rápida intervenção para que fossem derrogados os decretos-lei, a fim de conscientemente ser estudada, pelos órgãos competentes, uma solução de justiça para os que ingressaram ou venham a ingressar no QP depois de terem prestado serviço como oficiais do QC (Quadro de Complemento), sem todavia comprometer nem os interesses dos oficiais do QP nem o prestígio do Exército que devotadamente servem e estão determinados a não deixarem alienar“.

Évora e o mês seguinte

A progressão que foi possível verificar nas atitudes, formas de pensar, iniciativas de partilha e de concertação teria que inevitavelmente atingir o nível da auto-organização e foi precisamente o que aconteceu na capital do Alentejo “A reunião de Évora ocorrida a 9 de Setembro, assinalou o início simbólico do “Movimento dos Capitães”. A partir desta data, a conspiração entre os oficiais de patente intermédia prosseguiu de forma ininterrupta, alargando-se progressivamente a sua representatividade e a própria natureza das reivindicações até se transformar num movimento destinado a derrubar o regime. No início de Outubro, os “capitães” efectuaram uma nova reunião, em Lisboa, que contou com a presença de representantes da Marinha e da Força Aérea, ainda que na qualidade de observadores, tendo decidido levar mais longe os protestos através da apresentação do pedido de demissão colectiva do Exército caso não fossem revogados os decretos–lei e satisfeitas outras condições. No mês seguinte ocorreram mais duas reuniões – Aveiras de Cima e São Pedro do Estoril –, tendo-se colocado pela primeira vez no Estoril a hipótese de levar a cabo um golpe de Estado, solução que foi remetida para votação no plenário previsto para 1 de Dezembro, em Óbidos, ocasião em que foi preterida em favor da via “legalista”.

Escolha dos líderes e estruturação do Movimento

O caminho estava traçado e apesar do desfecho desejável para uns não o sernos mesmos moldes para outros a base organizativa surgiu como de interesse comum e captou um consenso absoluto. Como adianta Tiago Moreira de Sá “O movimento” tornou-se irreversível nesse último mês de 1973 com a aprovação das suas estruturas organizativas e a escolha dos possíveis líderes. Primeiro, na reunião de Óbidos, onde foi escolhida a Comissão Coordenadora e Executiva (CCE) definitiva do “Movimento dos Capitães” – que passou a chamar-se “Movimento de Oficiais das Forças Armadas” (MOFA) – e foram votados os seus chefes, recolhendo Costa Gomes o maior número de preferências a grande distância de Spínola. Depois, no encontro da Costa da Caparica, com a designação da direcção da CCE – composta por Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves -, a constituição de diversas comissões – Estudo da Situação, Ligação Interna (Metrópole e Ultramar), Estudos Psicológicos e Secretariado e Ligação com a Marinha e a Força Aérea – e a decisão de iniciar a redacção do programa de acção”.

Nota de Tiago Moreira de Sá |

Dada a existência de uma extensa bibliografia sobre a contestação entre as Forças Armadas
portuguesas no contexto do 25 de Abril e em particular no que diz respeito à origem e evolução do
“Mo
vimento dos Capitães” optámos por apresentar aqui a sua história de forma muito resumida. Para um estudo mais aprofundado do tema, para além da obra citada de Avelino Rodrigues, Cesário Borga e
Mário Cardoso, ver por exemplo: Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Ulmeiro, 3ª
edição, 1984; Diniz de Almeida, Ascensão, Apogeu e Queda do MFA, 2 vols., edição do autor, sd; Luís
Banazol, A Origem do MFA, Lisboa, Prelo, 1974; José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos
Militares. Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal no séc. XX, Lisboa, Estampa, 1992.


As reuniões e os boletins de informação

Um primeiro boletim de informação foi elaborado na base da reunião havida a 15 de setembro de 1973.

Cópias dos originais do Boletim de Informação nº 1 e de Ata de uma reunião realizada em Lisboa.

O aparecimento do dec-lei 353/73 teve o mérito de unir pela 1ª vez , em quase meio-século, a atenção dos Oficiais do Exército do Q.P., face ao vertiginoso descalabro do seu Prestígio.

O descontentamento e activo repúdio perante medidas arbitrárias tomadas por determinados escalões mais altos do Exército, há muito se materializava através de inúmeras exposições e profunda consciência de grupo, que o mal-estar geral aglutinava não só os quadros e jovens, designadamente capitães e majores, atingiram a saturação, como também somos mandados por inúmeros outros oficiais superiores de idoneidade incontestada…e não só!

Após a publicação do discutido Decreto, gerou-se forte movimento de união, corolário da indignação geral, de que resultaram 2 significativos êxitos.

AUTENTICAÇÃO

!º Grupo PFXHV | 2º Grupo TFEY5 | 3º Grupo NCQ2J

DISTRIBUIÇÃO GERAL


Reunião de 10 de novembro de 73

ORDEM DE TRABALHOS

  • 1 – Ponto da situação
  • 2 – Orientação a dar ao movimento
  • 3 – Memorando a apresentar ao MINISTRO
  • 4 – Propostas a apresentar à Comissão Coordenadora
  • 4 – 1 – Representantes das armas e serviços à Comissão Coordenadora em substituição
  • 4 – 2 – Necessidade da consolidação e eficiência da circulação da informação
  • 4-3- – Necessidade dos documentos passarem a ser autenticados
  • 4-4- Difusão seca e sem comentários

PRÓXIMA REUNIÃO ACADEMIA MILITAR EVENTUALMENTE EM LOCAL

CAPITÃO RAMALHO ORTIGÃO

15 DE NOVEMBRO DE 1973

Documentos de suporte


CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO 25 DE ABRIL

7 de Setembro
•Reunião de capitães em casa de Diniz de Almeida. Conta com a presença de Ponces de Carvalho, Sousa e Castro, Bicho Beatriz, Vasco Lourenço, Rosário Simões, Carlos Camilo e Diniz de Almeida. Ultimam-se os preparativos para a realização de uma reunião de capitães em Évora.
•Reunião de ex-cadetes na Guiné em que se defende a institucionalização do Movimento.

9 de Setembro
•Em Monte Sobral (Alcáçovas), numa herdade do Alentejo, 136 capitães assinam um documento dirigido ao Presidente do Conselho, com conhecimento ao Presidente da República, posteriormente posto a circular, para recolha de assinaturas de solidariedade.
•É eleita uma Comissão Provisória do Movimento dos Capitães com a seguinte composição: Capitães Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Mário Frazão e Diniz de Almeida; Majores Hugo dos Santos, Mariz Fernandes, Campos Andrade e Sanches Osório.

10 de Setembro
•94 oficiais do Quadro Permanente em serviço em Angola assinam uma exposição em que avisam o Presidente do Conselho de Ministros de que a entrada em vigor dos D. L. 353/73 e 409/73 “provocará indubitavelmente uma onda de descontentamento generalizado, pelo menos nas classes de oficiais do Quadro Permanente directamente afectadas.”

13 de Setembro
•107 oficiais do Quadro Permanente em serviço em Moçambique, assinam uma exposição de teor idêntico ao de Angola.

14 de Setembro
•Na sequência de uma nota confidencial do Governo Militar de Lisboa, é emanado do gabinete do Secretário de Estado do Exército um documento ameaçando os militares envolvidos no Movimento de incorrerem em penas previstas no Regulamento de Disciplina Militar ( RDM).
•Encontro dos generais António de Spínola, Venâncio Deslandes e Kaúlza de Arriaga, durante o qual é levantada a hipótese de substituição de Marcelo Caetano.

15 de Setembro
•É publicado o primeiro número do Boletim de Informação do Movimento dos Capitães.

21 Setembro
•Reunião em Luanda do Movimento dos capitães, na qual se decide elaborar um pedido colectivo de demissão de oficial do Exército, para o caso de os decretos entrarem em vigor.
É ainda eleita a primeira comissão do Movimento dos capitães em Angola, constituída pelos capitães Vilas Boas,  Sousa Guedes, Américo Moreno, Soares e Rui Tomás.

24 de Setembro
•O PAIGC proclama unilateralmente a independência do Estado da Guiné-Bissau. Oitenta e oito países reconhecem quase de imediato o novo país.

26 de Setembro
•Entrega por Vasco Lourenço e Hugo dos Santos, em S. Bento, de um documento elaborado em Moçambique e assinado por 106 oficiais.
•Reunião do Conselho Superior do Exército, para debate do problema dos capitães. Só o CEMGFA, General Costa Gomes argumenta a favor da revisão dos decretos.
•Nova reunião de oficiais em Luanda, durante a qual se fez a recolha dos pedidos individuais de demissão e se discutiu e elaborou também o documento colectivo preconizado em reunião anterior.
•As delegações do PCP e do PS retomam contactos estabelecidos em Junho, em França, num encontro entre Álvaro Cunhal e Mário Soares: nesta data divulgam um comunicado conjunto em que se defende ” o fim da guerra colonial e negociações com vista à independência completa e imediata dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique”.

Ainda em Setembro
•Reunião de ex-milicianos na Costa da Caparica. Decidem continuar atentos à situação e não abandonar a legalidade.
•Reunião do Movimento com oficiais de Engenharia. Esteve presente Vítor Alves, primeiro oficial do Corpo de Estado Maior a  participar no Movimento.
•Vasco Lourenço e Hugo dos Santos são incumbidos da missão de ir à Direcção da Arma de Engenharia explicar aos oficiais de Engenharia os objectivos do Movimento. Estará presente nessa reunião Vasco Gonçalves.
•Constitui-se a organização “Associação de Estudos para o Progresso Nacional”. Formada por tecnocratas de extrema direita, que não apoiaram as teses da ANP depois do Congresso de Tomar, ou por quadros salazaristas conservadores. Da sua direcção fazem parte Luís Sequeiros, Gomes de Pinho, Artur Anselmo, Francisco Lucas Pires, José Vale de Figueiredo. (JSC)
•É fundado o Partido Revolucionário do Proletariado (PRP).


Elementos de agitação e propaganda contra a Guerra Colonial.


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