Escodra “Não te esqueças de te lembrares”
MUNDO | DOSSIÊ Albânia Hoje (3) – 12 de julho 2022 | Reportagem SF ©carlosribeiro
Saímos cedo para Escodra (Shkodra). A viatura do Município aguardava-nos à saída do hotel e Hasna, a nossa anfitriã albanesa, saudou-nos com um sorriso luminoso. Os nossos companheiros de viagem para os 101 km que iríamos percorrer pela estrada 762, os parceiros italianos da associação ATRIUM, acomodaram-se ao meio e nós, Joaquim Nunes e eu, na retaguarda.
As primeiras imagens de Tirana, fora do centro e no sentido norte, davam nota da nova realidade de articulação do país com os grandes operadores do consumo global, no caso os eventos promovidos pela grande central de negócios, a UEFA , que utiliza o futebol para atingir os seus objetivos de receitas milionárias com a publicidade das grandes marcas.
Em maio passado Roma e Feyenoord, actuaram no novíssimo Arena Kombêtare de Tirana, por sinal com vitória dos italianos na Europa Conference League.
Pela estrada fora
O percurso pela estrada nacional, cuja conservação do piso deixa muito a desejar, iria revelar-nos uma nova dimensão do país com edifícios marcados por alguma degradação e uma estética arquitectónica tipicamente fascista (muitos dos edificados são da fase do protetorado italiano aliás como as grandes avenidas rasgadas nas cidades mais importantes – o protetorado italiano sobre a Albânia foi administrado pelo governo italiano: num país em que faltava praticamente tudo depois de séculos de domínio otomano, foram construídos 546 km de novas estradas, 110 km de novas ferrovias, 3000 km de linhas telegráficas, 9 teleféricos, alguns hospitais e alguns modernos edifícios administrativos).
Joaquim observa os campos irregularmente amanhados. Procura sinais de vinhas e de produção dos agricultores para compreender até que ponto a vida nas zonas rurais permanece distante dos reboliços e ousadias de novo-riquismo dos “capitalistas da cidade”. Resta saber se a simplicidade das infraestuturas corresponde ao estado de pobreza do país ou a um distanciamento da euforia capitalista dominadora. Joaquim tem uma grelha própria de análise das situações locais. Conhece bem as dinâmicas do campo e das montanhas.
“Já vi várias vinhas. Só não vejo cabras ou ovelhas. Talvez mais à frente apareçam. Não me parece que as terras sejam muito produtivas por aqui. Mas as montanhas servem de retaguarda alimentar” adianta com a sua sabedoria sobre os sistemas de produção local.
Acidente na estrada
Um cão atravessou-se à frente do carro que seguia em frente daquele que nos conduzia a Escodra. A travagem repentina, bem controlada pelo motorista do município, não evitou que o Jeep que nos seguia de perto na retaguarda embatesse com estrondo na parte de trás da viatura municipal. Sentimos o embate e o impacto foi significativo. Mas ao fim de algum tempo tudo regressou à normalidade. Ficámos a saber que esta situação era perfeitamente normal e habitual “Os cães atravessam de um lado para o outro, não há nada a fazer!” declarava o autor do sinistro que não parecia minimamente perturbado com o sucedido. Pelos vistos os para-choques são regularmente testados para estas bandas.
Escodra cidade viva
Recebidos no Centro de Juventude Municipal pelo responsável da autarquia local, Filip Vila, ficámos a conhecer o programa das Jornadas do Projeto People de forma pormenorizada e tivemos oportunidade de ser informados sobre os vários pontos de interesse associados ao tema central do projeto europeu que nos trouxe à cidade do norte da Albânia: a opressão e a repressão do regime totalitário que dominou o país até 1991.
Centro da Juventude
O Centro da Juventude, uma infraestrutura de apoio às políticas públicas dirigidas aos mais jovens, acolhe atividades diversas que são correntes neste tipo de centros. Uma das áreas de trabalho dinamizada com as escolas foi precisamente a das memórias sobre a opressão e as perseguições políticas na Albânia e em Escodra em particular.
Readaptação dos espaços religiosos
Outros espaços com particular interesse foram as catedrais, as mesquitas e as igrejas. Aquelas que não foram destruídas foram transformadas em áreas desportivas e em cinemas como foi o caso da Grande Catedral de Escodra que desempenhou as funções de pavilhão desportivo durante largos anos. Nas arcadas encontravam-se bancadas para o público e na área central funcionou a nave desportiva para a prática de vários desportos.
Recorde-se que na Albânia no tempo do regime totalitário exercido pelo partido único PTA – Partido do Trabalho da Albânia – o direito elementar de culto não era autorizado e foi até criado um Museu do Ateísmo cujo lema central era “A religião é o ópio do povo”..
O Museu dos Testemunhos e da Memória
O espaço mais relevante das visitas efetuadas em Escodra foi incontornavelmente o Museu dos Testemunhos e da Memória que à imagem de museus similares em todo o mundo, como é o caso do Aljube Resistência e Liberdade e o Forte de Peniche (Museu Nacional da Resistência) apresenta ao público o que foram as prisões, os interrogatórios, as condições de sobrevivência e da tortura que era exercida sobre os cidadãos albaneses.
Os presos, detidos, torturados, desaparecidos e assassinados
Alguns dados apurados em Escodra (os trabalhos de organização da informação sobre a repressão, a opressão e as perseguições prosseguem) indicam que:
- 601 mortos na região de Escodra dos quais 137 morreram durante os interrogatórios e a tortura;
- 1924 enviados para campos de trabalho ou de concentração.
Diário do Inferno
Publicação coordenada por Ahmet Bushati
Quarenta e três histórias (memórias) da prisão, da tortura e dos interrogatórios no Posto de Polícia e Prisão – Edifício do Ministério do Interior. delegação de Escodra.
O Dia da Liberdade
Fonte Fotos © CR/Caixamedia