13 de Janeiro, 2025
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MUNDO| 22 agosto 2022 | Dossiê Albânia | Opinião Carlos Ribeiro

Já percebemos que o antifascismo do tipo “No pasarán” não garantirá qualquer eficácia à atual luta contra o fascismo que está de novo a levantar a cabeça, no mundo, na Europa e até em Portugal. Os nazis do nosso tempo não farão prioritariamente desfiles de camisas pretas a provocar o povo de esquerda e a desafiar a própria democracia. O algoritmo, as fake news, as teorias da conspiração no dia-a-dia, o racismo ao vivo e on demand, o rearmamento discreto das pequenas seitas, as ingerências nos processos centrais da democracia como as eleições, muitas outras ferramentas de ataque ao poder estão em marcha.

Uma coisa é certa, as coligações subterrâneas que os novos fascistas vão fazendo com populistas e ultra-conservadores de direita visam dominar o Estado e impor um regime totalitário, agora com contornos orwellianos e com uma finalidade suprema a de eliminar o político na sociedade e as ideias, no desenvolvimento humano.

Debate ideológico

É nesta medida que a procura de caminhos para construir uma barreira eficaz à extrema-direita e ao fascismo que poderá ser útil revisitar o conceito de totalitarismo nos dias de hoje. O pequeno incidente que foi a clarificação e caracterização da experiência histórica da Albânia nos termos que importa reafirmar – um doloroso ciclo político de ditadura de partido único que instalou um Estado Totalitário e que transformou o país num campo de concentração a céu aberto – pode ter o mérito de recolocar as reflexões em torno daquilo que é o essencial e demarcar, no. debate ideológico, o político do religioso.

“Não vale a pena argumentar com quem tem uma postura sectária e religiosa. Participa no debate apenas para tentar evangelizar. Trata-se de uma questão de fé. E nessas condições não há nada a fazer” este é um conselho avisado e sensato que vou ouvindo e que importa ter em conta. Mas podemos sempre admitir que um pequeno “milagre” se produza e que a polémica pública introduza linhas ténues de convergência contra quem nos está a ameaçar verdadeiramente.

Fascismo e totalitarismo

Não parece nada interessante repescar referências polisémicas e ambíguas associadas à ideia do “anticomunismo”, aliás geralmente usadas como papão anti-heresias que serve para justificar a queima das bruxas na praça pública, quando os próprios comunistas ainda não ousaram expor o seu balanço da aplicação de ideias generosas originais que, recorde-se, incluíam uma mítica transição da fase das necessidades para outra da liberdade plena e da dispensa progressiva do Estado.

A ambiguidade de algumas abordagens ao totalitarismo, ao longo dos tempos, não nos deve intimidar, antes pelo contrário. Se tivermos por finalidade explorar vias para o combater nos dias de hoje, então mais valerá a pena confrontar de forma imprecisa que o silêncio cúmplice.

Abordagens ao totalitarismo

Quando referimos algumas abordagens ao conceito de totalitarismo contaminadas pelo sectarismo e até pelo revanchismo do pós.guerra, que foram alimentadas principalmente pelos ex-comunistas exilados nos Estados Unidos, temos noção que a condenação dos regimes totalitários que emergiram nos países de leste organizados em torno do Pacto de Varsóvia serviu também para branquear o capitalismo em transformação imperialista global e teve muitas vezes uma conotação anti-comunista inaceitável.

Da mesma forma muitos marxistas foram denunciando o caráter totalitário dos regimes instalados nos países ditos do socialismo real como um desvio temporário do percurso histórico pré-determinado, que conduziria, inevitavelmente a um Estado verdadeiramente socialista e ao serviço do povo. Veja-se que na linguagem de uma das correntes marxistas da época, os trotskistas, o poder instalado seria uma burocracia estalinista e não um poder intrinsecamente totalitário, autoritário e anti-democrático.

Evolução histórica do conceito

Importa reafirmar que para além dos dois elementos estruturantes e combinados de forma dinâmica que Hannah Arendt sistematizou para caraterizar o totalitarismo – a ideologia e o terror – uma análise mais aprofundada da experiência histórica dos diversos totalitarismos leva-nos a especificar as particularidades que estão associadas aos três mais representativos:

  • o fascismo italiano de Mussolini definiu uma missão para o novo Estado dominador de fascização de toda a sociedade. O Estado totalitário seria, na visão dos fascistas italianos, uma condição para transformar globalmente a sociedade de forma revolucionária. Apesar dos fascistas italianos não terem elaborado um programa global para os seus desígnios (adoptaram mais tarde o nacional – socialismo) apresentaram referências coletivas da fascização desejada que se aproximam, em termos de visão futura, do Estado Totalitário que Georges Orwell divulgará e denunciará na sua obra 1984;
  • o nacional-socialismo, a solução totalitária nazi que na dimensão ideológica incorpora noções como estado vital, supremacia ariana, nacionalismo alemão dominador, anti-semitismo e em matéria de terror, prisões, perseguições e assassinatos, julgamentos sumários, exterminação indiscriminada, campo de concentração, genocídio e o Holocausto. Ou seja reforçou a visão totalitária na vertente terror até ao extremo e aprofundou a vertente ideológica com uma nova forma de tirania, a do “grande líder” legitimado pelas massas;
  • o estalinismo e os seus derivados (como o hoxhismo), que para além da violência do Estado sobre as populações (e em particular sobre o proletariado e os camponeses aos quais não foi concedido nenhum novo direito, e paradoxalmente nem sequer direitos elementares que os seus irmãos operários de países do ocidente usufruíam há mais de um século, por os terem conquistado, como os sindicatos, o direito à greve, entre outros) instituíram mecanismos de controlo da sociedade pela minoria dominante (os membros do partido bolchevique eram apenas 2% da população dos países da URSS), estabelecendo uma nova dimensão totalitária através de um modo de produção coletivista que se constituiu como um canal suplementar ao aparelho repressivo, policial e militar.

O conjunto das particularidades permite-nos realizar uma leitura e até uma avaliação da progressão registada nas práticas totalitárias desde 1924 em Itália e sobretudo na consolidação de um conceito cada vez mais integrado e integrador.

A propaganda

Tudo indica que o instrumento central que serviu para legitimar o terror e o domínio daquelas minorias, a propaganda, exercida em todos os canais da sociedade, desde o poder central até aos circuitos da educação, da cultura, da produção, tem agora uma nova expressão mais subtil e mais perigosa que dispensa o argumento e a fundamentação e promove o simplismo e a ignorância como base para a progressão da sua influência nas massas que tendencialmente são colocadas numa inércia prolongada.

Assim podemos considerar para efeitos de vigilância, de antecipação, de resistência e de combate ao fascismo de novo emergente nas nossas sociedades, uma plataforma mais global que genericamente encontra coerência num totalitarismo reforçado pelas diversas experiências históricas. Desta forma, algumas premissas como o pluralismo político e a liberdade de expressão, surgem como bandeiras centrais e determinantes para o sucesso das futuras batalhas a travar.

Religiões político-socias

É possível hoje, com o devido recuo, e sempre na ótica da aprendizagem para as ações futuras, de alertar para a dimensão religiosa dos processos de organização e de estruturação dos discursos num sistema que estando em declínio, apropria-se das bases das religiões secularizadas para tentar eternalizar-se no poder. A utilização de fórmulas sagradas, de rituais, de crenças dogmáticas, de novas formas de liturgia com ajuntamento de massas obedientes, de evocação dos mártires, de valorização do corpo único (unanimidade sistemática e permanente) contra os hereges.

Podemos identificar, nas duas experiências abaixo relatadas, a vertente propagandística e a religiosa, na análise e avaliação de conteúdos quer dos discursos quer ainda das posturas dos participantes e dos ambientes criados em cada uma das circunstâncias: a delegação portuguesa à 7ª Conferência do PC do B em Tirana em primeiro plano e as imagens videográficas da Conferência propriamente dita.

(No final dos anos 70, com o corte havido com os chineses que enveredaram posteriormente para o capitalismo de Estado de forma entusiástica, as atividade do PTA pretendiam fazer crer que a Albânia não estava isolada e que muitos “revolucionários” de outros países os apoiavam sem reserva.

Numa delegação que era composta por José Carlos Codinha, José Manuel Esperto (já falecido) e por mim provámos a encenação realizada por ocasião da segunda parte da VII Conferência do Partido Comunista do Brasil que se realizou em Tirana em março de 1979 (vídeo em baixo).

Fotos Carlos Ribeiro, Albânia 1979.

Vídeo Fundação Maurício Grabois, Brasil.

1º de maio na Albânia. Sindicalistas / quadros dos partidos marxistas-leninistas de vários países, entre os quais Portugal, representam (…)os trabalhadores dos respetivos países nas cerimónias oficiais.

Editado 21h24

por Carlos Ribeiro

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